Preço à vista

No Canadá, advogada vende serviços em shoppings

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22 de janeiro de 2008, 12h14

“Querida, que tal aproveitar essa oferta?” O tipo de pergunta é comum para quem olha preços em vitrines de shopping centers. Incomum é o produto: no caso, o que se oferece é um divórcio consensual por 499 dólares canadenses. A loja é um escritório de advocacia localizada no shopping Eaton Centre de Toronto, no Canadá. A desinibida advogada Jane Harvey é direta: “Se você mora em Toronto, provavelmente ouviu falar de mim”. A fama deve-se pela forma como desenha a estratégia de marketing de sua empresa.

Seu modo de se relacionar com os clientes causaria calafrios entre os advogados mais conservadores no Brasil. O interessado que passa por um dos seis escritórios da Jane Harvey Lawyers — todos localizados em shoppings centers — depara-se de cara com a tabela de preços de seus serviços exposta no balcão. Segundo a advogada, ela foi a primeira do estado de Ontário a anunciar os preços dos serviços jurídicos que presta. A tabela é sua logomarca.

Quem precisa de apenas uma consulta inicial com um dos advogados paga 50 dólares canadenses (R$ 86). Um contrato de venda de imóvel sai por 499 dólares (R$ 860). Já o refinanciamento da casa sai pelo preço de 399 dólares (R$ 688).

A tabela de preço de Jane Harvey é tão detalhada que mostra até quanto o cliente gastará com pequenos serviços burocráticos. Ela lembra, por exemplo, que em um caso de divórcio, além dos honorários, o casal irá gastar 32 dólares com a cópia da papelada, 4,28 com os correios e 16,06 com o mensageiro. Sem contar os impostos de 466 dólares pagos ao Ministério da Fazenda.

A política de pagamento da doutora também é clara. Antes de fazer qualquer serviço, o escritório exige um cheque ao portador. Se for necessário um novo gasto, o cliente é avisado imediatamente. Nas transações imobiliárias, o pagamento é feito antes do fechamento do negócio. Se o caso vai parar no tribunal, a conta tem de ser paga antes de o cliente ficar à frente do juiz.

Jane Harvey também atua em áreas bem distintas do Direito. Ela presta serviços do ramo de família, imobiliário, negócios e litigioso. A tabela de preços é dividida por área de atuação. O cliente que quer registrar no nome da empresa no estado de Ontário pagará 436,93 dólares de honorários. Já o depósito prévio, que inclui o pagamento de impostos, é de 561,61. Deste modo, antes mesmo de conversar com um advogado, o empresário gastará com este serviço o total de 988,53 dólares. Se o trabalho não estiver elencado nas tabelas, o cliente pode consultar o preço diretamente com a recepcionista.

Não foi fácil para Jane Harvey conseguir tal transparência nos negócios. Ela percebeu a oportunidade em 1980 quando, pela primeira vez, precisou contratar um advogado. Jane se assustou com o preço do serviço quando as faturas começaram a chegar. “As notas não eram discriminadas por advogado ou por assunto. Ninguém quis discutir as faturas. Ninguém quis fornecer os preços por cotas”, lembra a advogada, em seu site.

Apesar do alto preço, o serviço também não era dos melhores. Na sala de espera, a cliente Jane Harvey lembra que aguardava 40 minutos para ser recebida. Os telefonemas eram só retornados dias depois. “Vi uma verdadeira oportunidade de mercado”, diz a advogada.

Em 1987, a advogada fez uma campanha para que os preços dos serviços jurídicos pudessem ser divulgados. Seu lema era “the right advice at the right price” (o conselho certo pelo preço justo). A imprensa e parte da população apoiaram a medida. Foi então que a Law Society of Upper Canada (uma espécie de OAB do Ontário) permitiu a propaganda de advogados.

Pelo mundo

O caso canadense não é isolado. Em países como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, os escritórios podem fazer propaganda para atrair clientes. Na Espanha, a restrição é parcial, enquanto a França tem uma legislação mais conservadora. Já os advogados de Portugal dispõem de uma lei parecida com a do Brasil, que permite apenas propaganda informativa e proíbe estratagemas para chamar novos clientes.

O caso americano é exemplar. Até 1974, as restrições aos advogados eram parecidas com as do Brasil. No entanto, as farmácias, que também eram proibidas de fazer propaganda, entraram com uma ação na Suprema Corte invocando a primeira emenda, que trata da liberdade de expressão. Com o aval dado pelo Tribunal, os advogados aproveitaram a brecha e começaram a anunciar.

Mas, às vezes, excessos acontecem. No ano passado, o escritório Fetman, Garland & Associates, firma de Chicago especializada em casos de divórcio, causou a celeuma entre os advogados. Colocou um outdoor com a imagem de um homem musculoso e uma mulher de calcinha e sutiã. No meio das fotos, lia-se “Life’s Short. Get a Divorce” (A vida é curta. Consiga um divórcio). O presidente da Academia Americana de Advogados Matrimonais, John Ducanto, classificou o anúncio como grotesco.

O advogado Carlos José Santos da Silva, o Cajé, diretor de Comunicação e Relações Institucionais do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, lembra que a estratégia adotada por Jane Harvey não é permitida aqui no Brasil. O parágrafo 1º do artigo 31 do Código de Ética e o artigo 4º do Provimento 94/2000 da OAB, que regulamenta a propaganda, proíbem qualquer divulgação com relação a valores e formas de pagamento.

No entanto, Cajé enxerga uma tendência de liberação maior nos últimos 10 anos com o advento da internet e de novos veículos de comunicação. Ele afirma que a publicidade não é totalmente proibida e que é um instrumento importante, se bem usado. O que falta, na verdade, é conhecimento da classe sobre o assunto. Como membro do Tribunal Deontológico da OAB-SP, que responde consultas da classe, o advogado diz que é comum chegar questões sobre publicidade. “A primeira coisa é conhecer o Código de Ética e o Provimento 94/2000”, afirma o advogado.

Para Cajé, o Brasil não precisa copiar o modelo norte-americano. “As firmas americanas que praticam uma publicidade mais agressiva não têm muita credibilidade diante do público”, explica. Segundo o advogado, a melhor propaganda continua a ser o boca a boca.

O consultor Marco Antonio P. Gonçalves, da Gonçalves & Gonçalves Marketing Jurídico, avalia que o Brasil está ainda no nível mais básico de marketing para advogados. Para ele, os escritórios investem mal a verba de comunicação. O consultor defende uma atuação mais centrada no relacionamento. “Não se dá para medir o impacto da publicação de uma brochura”, acredita Gonçalves.

Ele defende ainda uma melhor definição da OAB do conceito de mercantilização e não uma redução nas restrições à propaganda. O consultor afirma que é inegável que o advogado é uma profissão empresarial. “É um conceito mercantil. Se você tem escritório, você está ganhando. Há uma contrapartida financeira”, explica.

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