Dívidas impeditivas

Banco Central é condenado por discriminar trabalhadores

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21 de janeiro de 2008, 16h43

O Banco Central de Recife foi condenado por impedir que trabalhadores com restrição de crédito trabalhassem como vigilantes nas agências. O argumento era de que eles podiam furtar dinheiro para pagar as dívidas. A condição foi considerada discriminatória pela Justiça do Trabalho de Recife. Agora, o BC está obrigado a pagar R$ 1 milhão por danos morais coletivos. A decisão é da juíza Ester de Souza Araújo Furtado, da 8ª Vara do Trabalho. O banco pode recorrer.

A Ação Civil Pública foi movida pelo procurador Flávio Gondim, do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco. O valor da indenização deverá ser revertido para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O Ministério Público representou um grupo de trabalhadores da Nordeste Segurança de Valores, contratada pelo Banco Central para o serviço de vigilância. De acordo com o processo, a Nordeste tinha 46 pessoas à disposição do banco. Vinte e duas tinham o nome inscrito no SPC e Serasa. Esses 22 trabalhadores foram afastados do banco. Eles trabalhavam havia dois anos na agência de Recife e foram dispensados porque uma auditoria interna exigiu a apresentação de documentos que comprovassem que não tinham o nome sujo. Como a certidão apresentou o contrário, os vigilantes tiveram de ser recolocados em outros postos.

O MPT argumentou que a dispensa caracterizou “grave atentado aos direitos fundamentais dos trabalhadores”. Segundo Gondim, “a intromissão do empregador/tomador do serviço configura nítida violação do direito à intimidade, na medida em que devassa dados de natureza particular que não guardam correlação direta com a conduta funcional do trabalhador, nem influenciam a forma como ele desempenha suas atividades nos âmbito da empresa”.

Para se defender, o Banco Central alegou que o requisito era para evitar que fosse furtado dinheiro da agência. A juíza Ester Furtado classificou como “discriminatória” a posição do BC.

“Inadmissível tal situação. Qualquer vigilante, independentemente da sua situação financeira, uma vez preenchidos os requisitos exigidos pela lei, deve ter acesso ao trabalho. Entender que o trabalhador, por encontrar-se com as finanças descontroladas, não poderia executar quaisquer labores de vigilância ostensiva de valores porquanto se apropriaria destes é tese discriminatória, revestida de subliminar preconceito, advindo do estereótipo de que ‘todo pobre é ladrão’”, afirmou.

“O cidadão endividado, saliente-se que encontra-se trabalhando para quitar suas dívidas, não pode ser visto como um criminoso em potencial, mormente por um ente da administração pública, que deveria ser o primeiro a respeitar e observar os Princípios Constitucionais tão amplamente mencionados em sua peça defensória”, disse a juíza. “De igual modo falaciosa a tese de que a exigência de apresentação de certidão de restrição creditícia de trabalhadores se impõe em virtude da participação de vigilantes terceirizados nos grandes assaltos ocorridos em unidades do Bacen”, ressaltou.

“A defesa do patrimônio financeiro de um país jamais poderá suplantar a defesa da dignidade da pessoa humana desta nação, sob pena de se atentar contra o próprio Estado Democrático de Direito.”

Leia a decisão

TERMO DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PROCESSO Nº 1238/07-5

E

AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA – PROCESSO Nº 1087/07-5

Aos 11 dias do mês de janeiro do ano de dois mil e sete, às 15:00 horas, estando aberta a audiência da 8ª Vara do Trabalho de Recife – PE, na sala respectiva, à Praça Ministro João Gonçalves, s/n, Edifício Sede da Sudene, Ala Sul, 10º andar – Engenho do Meio – Recife – PE, com a presença da Sra. Juíza do Trabalho Dra. ESTER DE SOUZA ARAÚJO FURTADO, foram, por ordem da Sra. Juíza do Trabalho, apregoados os litigantes,

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

(parte requerente)

e

BANCO CENTRAL DO BRASIL

(parte requerida).

Ausentes as partes.


Instalada a audiência e relatado o processo, a Sra. Juíza do Trabalho propôs solução à lide, passando a proferir a seguinte SENTENÇA:

Vistos, etc.

I – RELATÓRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, qualificado, com base nos fatos e fundamentos jurídicos constantes das petições iniciais de fls. 03/19 ( Proc. 1087/07-5) e 03/36 (Proc. 1238/07-5), cujo inteiro teor integra este relatório, ajuizou, em face de BANCO CENTRAL DO BRASIL, também qualificado, Ação Cautela Inominada, com pedido de concessão de liminar inaudita altera pars, objetivando:

1) que o Banco Central do Brasil se abstenha de exigir da Nordeste Segurança de Valores LTDA a apresentação de certidões negativas de restrições creditícias, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00 ( cinqüenta mil reais), ou na hipótese de as referidas certidões já lhe haverem sido apresentadas, se abstenha de afastar dos respectivos postos de trabalho os vigilantes cujos nomes se encontram negativados no SERASA ou em quaisquer outros órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa no valor de R$ 20.000,00 ( vinte mil reais) por cada trabalhador prejudicado;

2) e, em caráter definitivo, a confirmação da liminar deferida, preservando-se os efeitos da medida inibitória até o julgamento definitivo da ação civil pública a ser posteriormente intentada…

Postulou a citação da requerida, protestou por provas, juntou documentos e pugnou pela procedência da ação, à qual deu o valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

Concedida a liminar pretendida, consoante termos do decisum de fls. 57/60 ( autos do Proc. 1087/07-5 apensados ao presente caderno processual).

Devidamente citado e ainda cientificado do teor da liminar concedida, o BANCO CENTRAL DO BRASIL apresentou sua peça defensória, com pedido de reconsideração de liminar, consoante fls. 69/80 dos autos da cautelar supra nominada.

Teceu considerações acerca do “princípio da juridicidade da administração pública como substitutivo do princípio da legalidade”, “princípio da igualdade segundo o processo de filtragem constitucional”, “princípio da eficiência”, “princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”e “princípio da separação dos poderes”. Asseverou a legalidade da exigência perpetrada em face da empresa Nordeste Segurança de Valores, e a não violação ao princípio da igualdade. Apontou “vícios de fundamentação que se hospedam na petição inicial” e “os vícios da liminar objurgada”.

Salientou ainda que “A AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL NÃO COMPORTA A INGERÊNCIA OBJURGADA”, afirmando que o juízo, ao conceder a liminar em sede de ação cautelar violou a “Cláusula Pétrea da Separação dos Poderes” e “culminou por atuar como administrador do banco Central do Brasil”, expondo “injustificadamente a risco extra o patrimônio público e o atendimento de necessidades sociais primárias”.

Requereu ainda a citação da empresa Nordeste Segurança de Valores, para figurar no pólo passivo da lide, como litisconsorte necessário.

Juntou documentos e pugnou pela improcedência da ação cautelar.

Indeferido o pedido de “reconsideração” de liminar. O juízo estabeleceu as determinações e cominações constantes do despacho de fls. 121.

Ajuizada a ação principal, a saber, a Ação Civil Pública autuada sob o nº01238-2007-008-06-00-5, distribuída por dependência a esta 8ª Vara do Trabalho de Recife.

Em aludida ação, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO demanda em face de BANCO CENTRAL DO BRASIL, objetivando a antecipação dos efeitos da tutela perseguida para que este seja condenado no cumprimento das seguintes obrigações, sob pena de pagamento de multa:

a) abster-se de exigir da empresa Nordeste Segurança de valores LTDA a apresentação de certidões negativas de restrições creditórias dos vigilantes prestadores de serviços terceirizados ( multa de R$ 200.000,00 em caso de descumprimento);

b) abster-se de aplicar qualquer penalidade contratual á Nordeste Segurança de Valores LTDA em virtude da não – apresentação das referidas certidões ( multa de R$ 200.000,00, na hipótese de descumprimento) ;

c) abster-se de promover qualquer ato de retaliação, direta ou indireta, contra vigilantes terceirizados que possuam algum tipo de restrição em cadastros de inadimplentes ou serviços de proteção ao crédito ( multa de R$ 100.000,00 por cada trabalhador atingido pelo descumprimento da obrigação) ;

d) abster-se de condicionar a aceitação de trabalhadores à sua disposição pelas empresas prestadoras de serviços à apresentação de certidões comprobatórias da inexistência de restrições em cadastros de inadimplentes ou órgãos de proteção ao crédito ( multa de R$ 100.000,00 por cada trabalhador atingido pelo descumprimento da obrigação).


Ao final, pugnou pela confirmação das determinações concedidas em tutela de urgência e pela condenação do réu a pagar indenização pelo dano moral coletivo, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Protestou por provas, juntou documentos e pugnou pela procedência da ação, à qual deu o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

O juízo concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, consoante decisão de fls. 132/142.

Expedidos os mandados de notificação às partes, consoante fls. 143/145. De igual modo, para cumprimento das formalidades legais quanto à notificação do MPT restou realizada, pela Secretaria da Vara, a carga dos autos ao senhor meerinho, a fim de fossem os mesmos entregues ao Parquet ( fl. 146).

Foi o MPT devidamente notificado da decisão de antecipação de tutela ( fl. 147 da ACPU).

Recebido pelo juízo, o ofício de fls. 125/126 ( acostado aos autos da cautelar), emitido pela Secretaria do Pleno deste E. Regional, noticiando o julgamento de agravo regimental em mandado de segurança, que suspendeu os efeitos da liminar conferida na cautelar que ora se julga.

O representante da reclamada negou-se a receber a notificação judicial, tendo o sr. Oficial de justiça devolvido o mandado sem cumprimento, pelas razões expostas na certidão de fls. 152.

Ante a recusa da ré, determinou o juízo a repetição do ato, expedindo-se novos mandados de citação e notificação, tudo conforme decisão de fls. 154/159.

Nesse ínterim, nos autos da ação cautelar, foram requeridas informações deste juízo, tido como autoridade coatora, para instrução do mandado de segurança autuado sob o número 00501-2007-000-06-00-8 ( fls. 127/131 dos autos da cautelar).

Em 18.10.2007, mediante decisão proferida pela Exma. Desembargadora Presidente do TRT da 6ª Região, nos autos do Processo TRT – SL – n. 00547-2007-000-06-00-7, restou determinada a suspensão da antecipação de tutela conferida, bem assim a sua execução ( fls. 170/180).

Prestadas as informações requisitadas pela Exma. Juíza Relatora do MS 501/07-8, consoante se denota do ofício de fls. 239/242 dos autos da ação cautelar inominada.

O banco requerido, nos autos da cautelar, apresentou a peça de fls. 247/250.

Realizada a sessão de audiência inaugural em 08.11.2007.

Após ter sido dispensada a leitura da inicial e rejeitada a primeira proposta conciliatória, a reclamada apresentou sua defesa escrita, consoante contestação de fls. 184/196, acompanhada de prova documental.

Valor da causa fixado de acordo com a inicial.

O Juízo procedeu às determinações e cominações constantes da ata de audiência inaugural, restando dispensada a produção de prova oral.

Conferido prazo aos litigantes, para a impugnação aos documentos acostados aos fólios. Apresentada a petição de fl. 224.

À sessão seguinte, compareceram as partes.

Sem outras provas ou requerimentos, encerrou-se a instrução .

Razões finais remissivas, pelos litigantes.

Inconciliados.

Determinada a reunião dos feitos, para julgamento conjunto, consoante despacho de fls.251 da cautelar.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

Decide-se.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

1. DO JULGAMENTO CONJUNTO DA AÇÃO PRINCIPAL E DA CAUTELAR

Salutar o julgamento conjunto das ações principal e cautelar, posto que pelo princípio de concentração e celeridade a sentença única se mostra mais adequada. Refira-se, apenas, que o Mandado de Segurança impetrado perante o E. TRT 6ª Região não suspende o presente feito.

2. DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA – PROCESSO Nº 1087/07-5

A ação cautelar é instrumento cujo escopo precípuo é assegurar o resultado útil da ação principal.

Tem tal ação cautelar na ação civil pública ( bem assim em qualquer outra situação) papel de medida de apoio, preventiva, hábil a evitar o perecimento ou depreciação do direito e a garantir a utilidade e a efetividade da medida a ser concedida em ACP.

Nos presentes autos da cautelar sub examen, buscou o Parquet a concessão de liminar inaudita altera pars, objetivando que o Banco Central do Brasil se abstenha de exigir da Nordeste Segurança de Valores LTDA a apresentação de certidões negativas de restrições creditícias, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), ou na hipótese de as referidas certidões já lhe haverem sido apresentadas, se abstenha de afastar dos respectivos postos de trabalho os vigilantes cujos nomes se encontram negativados no SERASA ou em quaisquer outros órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por cada trabalhador prejudicado; e, em caráter definitivo, a confirmação da liminar deferida, preservando-se os efeitos da medida inibitória até o julgamento definitivo da ação civil pública a ser posteriormente intentada.


Deferida a liminar perseguida, esta foi cassada em sede de Agravo Regimental em Mandado de Segurança, julgado pela Plenária desta Casa de Justiça, consoante decisum de fls. 199/201.

Assim, o principal objetivo da presente ação, a saber, a concessão judicial de liminar com efeitos de medida inibitória até o julgamento definitivo da ação civil pública restou esvaziado, ante a natureza das obrigações de não fazer.

Some-se a isso o fato de que a medida acautelatória ata-se ao processo principal, no qual foi requerida a antecipação dos efeitos da tutela perseguida para que este seja condenado no cumprimento das seguintes obrigações, sob pena de pagamento de multa: a) abster-se de exigir da empresa Nordeste Segurança de valores LTDA a apresentação de certidões negativas de restrições creditórias dos vigilantes prestadores de serviços terceirizados (multa de R$ 200.000,00 em caso de descumprimento); b) abster-se de aplicar qualquer penalidade contratual à Nordeste Segurança de Valores LTDA em virtude da não – apresentação das referidas certidões (multa de R$ 200.000,00, na hipótese de descumprimento) ; c) abster-se de promover qualquer ato de retaliação, direta ou indireta, contra vigilantes terceirizados que possuam algum tipo de restrição em cadastros de inadimplentes ou serviços de proteção ao crédito (multa de R$ 100.000,00 por cada trabalhador atingido pelo descumprimento da obrigação) ; d) abster-se de condicionar a aceitação de trabalhadores à sua disposição pelas empresas prestadoras de serviços à apresentação de certidões comprobatórias da inexistência de restrições em cadastros de inadimplentes ou órgãos de proteção ao crédito ( multa de R$ 100.000,00 por cada trabalhador atingido pelo descumprimento da obrigação).

Conferida a tutela antecipada, esta teve sua eficácia suspensa, por força da decisão exarada pela Exma. Desembargadora Presidente deste E. Regional, nos autos da ação TRT – SL 00547-2007-000-06-00-7, consoante previsão do art. 4º da Lei 8.437/92.

Nesse contexto, a pretensão autoral no sentido de que o Banco Réu abstenha-se de exigir da Nordeste Segurança de Valores LTDA a apresentação de certidões negativas de restrições creditícias, ou na hipótese de as referidas certidões já lhe haverem sido apresentadas, se abstenha de afastar dos respectivos postos de trabalho os vigilantes cujos nomes se encontram negativados no SERASA ou em quaisquer outros órgãos de proteção ao crédito, sob a alegação de periculum in mora e fumus boni iuris encontra-se prejudicada, ante o julgamento dos remédios jurídicos supra mencionados.

Neste diapasão, há de ser extinta a presente ação cautelar, por perda de objeto. Trata-se de carência superveniente de interesse processual que recomenda extinção do processo sem resolução de mérito, por não mais se encontrar, nos presentes autos, uma das condições da ação, consoante preleciona o inciso VI, do art. 267 do CPC. De acordo com o artigo 809 do CPC, o processo em exame deve ser apensado ao processo principal.

Por conseguinte, admite-se o processamento da cautelar inominada até então, mas, uma vez exaradas as decisões pelo órgão ad quem acima noticiadas, declara-se a carência de interesse processual superveniente para julgar extinto o processo sem resolução de mérito (artigo 267, inciso VI do CPC).

3. DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PROCESSO Nº 1238/07-5

3.1. DA INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO

No que toca ao pedido de citação de litisconsorte, repele-se.

Não se pode dizer que o requerente esteja, na presente demanda, a se insurgir conta ato isolado da Empresa Nordeste Segurança de Valores LTDA. Na realidade, busca o Parquet pronunciamento judicial que vise a inibir, de forma definitiva, a prática de atos de discriminação aos trabalhadores prestadores de serviço de vigilância da requerida (independentemente de qual seja a empresa empregadora dos vigilantes). Correta, portanto, a propositura da presente ação civil pública apenas com relação ao Banco central do Brasil.

Como alhures mencionado, irrelevante o fato da Nordeste Segurança de Valores LTDA tratar-se da real empregadora dos trabalhadores mencionados na inicial, porquanto foi da tomadora de serviços, ora requerida, a exigência de apresentação de certidão negativa de restrições creditícias dos vigilantes que executam atividades nas hostes desta.

Desnecessária a participação da empregadora dos trabalhadores, não se podendo cogitar do litisconsórcio necessário de que trata o artigo 47 do pergaminho civil adjetivo.


Repele-se o pedido de se ordenar a citação de NORDESTE SEGURANÇA DE VALORES LTDA.

3.2. DAS QUESTÕES MERITÓRIAS

Noticia o requerente que em 31.05.2005 o Banco Central do Brasil, doravante denominado BACEN, celebrou, por meio de sua gerência administrativa regional em Recife, contrato de prestação de serviços de vigilância, proteção e segurança ostensiva armada com a empresa Nordeste Segurança de valores LTDA ( documento de fls. 41/55).

Salienta que o edital do pregão que antecedeu a formalização do aludido contrato e dele é parte integrante (documento de fls. 60/75) trazia, em seu Anexo I, item 7.3, a seguinte exigência:

“7.3. A empresa que vier a ser contratada deverá apresentar:

7.3.3. declaração, assinada pelo representante legal da empresa responsabilizando-se pela idoneidade e bom comportamento de cada um dos empregados alocados à execução dos serviços, tendo sido verificado não constar contra eles:

(…) 7.3.3.4 – restrições creditícias, mediante consulta aos serviços de proteção ao crédito existentes na praça.”

Aduz que, não obstante a expressa previsão contratual, o BACEN, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato, não exigiu tais informações da empresa prestadora de serviços, podendo os trabalhadores livremente executar suas atividades de vigilância nas hostes do banco requerido.

Assevera que somente no início do corrente ano, após ter sofrido procedimento de auditoria interna, O BACEN, por sua gerência regional, passou a exigir da Nordeste Segurança de Valores LTDA as certidões previstas no item 7.3.3.4, do anexo I, do Contrato Pregão ADREC 2005/086, relativamente aos vigilantes prestadores de serviços vinculados ao banco.

Informa que tal situação chegou ao conhecimento do MPT em 10.04.2007, ocasião em que foi instaurada a Representação nº 205/2007. Por meio desta, restou evidenciado que o requerido exige, para manutenção do contrato de prestação de serviços celebrado com a empresa Nordeste Segurança de Valores Ltda a apresentação das certidões negativas de existência de restrições em órgãos de consulta a crédito, referentemente a todos os vigilantes engajados na execução do contrato alhures citado. Verificado ainda, que dos quarenta e seis vigilantes engajados na execução do supra referido contrato, vinte e dois encontram-se com restrições creditícias, com seus respectivos nomes em registro do SERASA.

Ressalta que, considerando a obrigação contratual imposta à Nordeste Segurança de Valores “ilegal e discriminatória” , “instou o BACEN a subscrever termo de ajustamento de conduta, o que não foi aceito”. Infrutífera a tentativa de composição extrajudicial do conflito, e para o resguardo do resultado útil da Ação Civil Pública que ora se analisa, o Ministério Público do Trabalho, propôs ação cautelar inominada preparatória, a fim de impedir o afastamento dos vigilantes prestadores de serviço do BACEN, que possuem restrições creditícias perante o SERASA.

O processo foi autuado sob o número 01087-2007-008-06-00-5, e distribuído ao juízo desta 8ª Vara do Trabalho de Recife – PE, que verificando a coexistência do fumus boni iuris e periculum in mora alegados na peça exordial, concedeu, inaudita altera pars, a liminar pleiteada pelo Parquet..

Em obediência ao disposto no artigo 806 do Código de Ritos, e ainda, no uso de suas atribuições funcionais, o Ministério Público do Trabalho – Procuradoria Regional da 6ª Região ajuizou a presente Ação Civil Pública, a fim de que “declarada incidentalmente a ilegalidade/inconstitucionalidade da obrigação contratual prevista no item 7.3.3.4 do instrumento convocatório do Pregão ADREC 02/2005, seja o BACEN condenado a: (1) se abster de praticar qualquer ato de retaliação, direta ou indireta, contra empregados da Nordeste segurança de Valores LTDA detentores de restrições em cadastros de inadimplentes ou serviços de proteção ao crédito; e (2) reparar o “dano moral coletivo” emergente de sua execrável conduta discriminatória”.


Destaca a impossibilidade de “elastecimento do rol de requisitos para o exercício da profissão de vigilante por meio de norma interna de Autarquia Federal”, asseverando que a exigência contratual impelida à Nordeste Segurança de Valores Ltda não tem respaldo legal, trata-se de “desautorizada inovação no disciplinamento conferido à matéria pelo Congresso Nacional” . Salienta ainda que a exigência contratual de apresentação de certidões negativas de restrições creditórias é inconstitucional, se constitui em atentado aos direitos fundamentais dos trabalhadores, porquanto tem caráter invasivo, discriminatório e violador do direito à intimidade.

Assevera inexistir justificativa razoável para a relativização dos direitos fundamentais agredidos pela exigência de apresentação de restrições creditórias de trabalhadores, refuta a “preconceituosa idéia de que trabalhador endividado representa ameaça ao patrimônio de seu empregador/tomador de serviços” e pugna pela aplicação do “princípio da proporcionalidade como parâmetro para aferição da razoabilidade de intervenções estatais definidoras de restrição do âmbito de incidência dos direitos fundamentais”.

Pugna pela procedência, in totum, da presente Ação Civil Pública. Pleiteia, por conseguinte, a antecipação dos efeitos da tutela, nos moldes dos art. 12 da LACP, do art. 84, § 3, do CDC e 461, § 3º CPC, c/c o art. 769 CLT.

O BACEN, em defesa, sustenta que em 2005, sua gerência administrativa regional elaborou o Edital Pregão ADREC 02/2005, com observância da Lei 8666/93, do Código Civil, do art. 37 da CR/88e da Ordem de serviço 3.286, de 18 de fevereiro de 1998, assinada pelo Procurador – Geral do Banco Central e pelo Chefe de Departamento de Administração de Recursos de Materiais. Salienta que em aludida minuta de edital, nas Especificações Básicas (Anexo I do Edital) havia previsão acerca dos documentos a serem apresentados, concernentes à qualificação dos empregados da Contratada a serem alocados aos serviços licitados (itens 7.1.7.2.1, 7.1.7.2.2, 7.1.7.2.3, 7.1.7.2.2, 7.3.3, 7.3.3.2 e 7.3.3.4)

Assevera ainda que há no aludido edital, em seu anexo 4, expressa obrigação da contratada em cumprir fielmente o ajuste de acordo com o anexo 1 do multicitado Edital Pregão ADREC 02/2005.

Salienta que aprovada a minuta do Edital Pregão, restou instaurada a licitação, tendo a empresa Nordeste Segurança de Valores LTDA apresentado a melhor proposta, vencendo o certame, com a conseqüente assinatura do Contrato ADREC 2005/086.

Aduz que “em cumprimento ao disposto na Cláusula Terceira do mencionado contrato e com amparo nos arts. 66 e 67 da Lei 8.666/93, o Gerente Regional de Segurança remeteu os Expedientes DESEG/GSREC – 2007/002 e DESEG/GSREC 2007/004 solicitando o cumprimento das disposições contidas no item 7.3.3 e subitens do Anexo 1 ao Edital”.

Informa que em virtude de tal solicitação houve representação junto ao MPT – 6ª Região. Realizada sessão de audiência pelo Parquet, por meio de sua Coordenadoria da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos – CODIN. Salienta que não havendo conduta a ser ajustada pelo BACEN, não houve assinatura de termo de ajuste de conduta, tendo a Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região ajuizado a cautelar preparatória (cujo processo ora restou extinto sem resolução meritória, conforme fundamentação supra) e posteriormente ingressou com a presente ação civil pública, que se analisa nesta oportunidade.

Noticia a suspensão dos efeitos da antecipação da tutela outrora concedida por este juízo de piso e salienta a improcedência “das razões de mérito que pugnam pelo reconhecimento do dano moral coletivo” .

Afirma que “a autonomia administrativa do Banco Central do Brasil não comporta a ingerência requerida” pelo Parquet, vez que “o pedido traçado em Inicial, se alcançado, violará a Cláusula Pétrea da Separação dos Poderes, culminando por atuar, a Autoridade Judicial, como administradora do Banco Central do Brasil, com o forte agravante de, ao assim proceder, expor injustificadamente a risco extra o patrimônio público e o atendimento de necessidades sociais primarias, tudo em detrimento, dentre outros, dos Princípios da Igualdade, da razoabilidade, da Proporcionalidade, da Eficiência e da Separação de Poderes, bem como das regras de experiência comum, subministradas por aquilo que ordinariamente acontece.”


Salienta “que a atividade da Administração Pública, em decorrência do processo de constitucionalização do Direito ( quer fez o “Direito por Regras” evoluir para o “direito por Princípios”), encontra-se submetida a um princípio mais amplo, qual seja o Princípio da Juridicidade, devendo então, a Administração Pública observar, em primeiro plano, os princípios implícita ou explicitamente previstos na Constituição Federal”.

Tece considerações acerca do “princípio da juridicidade da administração pública como substitutivo do princípio da legalidade”, “princípio da igualdade segundo o processo de filtragem constitucional”, “princípio da eficiência”, “princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”e “princípio da separação dos poderes”. Assevera a legalidade da exigência perpetrada em face da empresa Nordeste Segurança de Valores, e a não violação ao princípio da igualdade. Aponta “vícios de fundamentação que se hospedam na petição inicial”.

Por fim, aduz, que, em virtude da “constitucionalização do Direito” o juízo deve, quando da análise do caso em tela, ter uma “preocupação maior com questões principiológicas”, maior “sensibilidade à dinâmica dos fatos sociais”, “conceber, cada vez menos, verdades jurídicas absolutas”, apostando “mais no poder de tutela do caso concreto e menos na generalidade das leis latu sensu, ou seja, no lugar do universal, o fragmentário”, não mais aplicar o “modelo de ciência jurídica descomprometida com a realidade sócio-cultural e histórica, superar a “concepção de vinculação positiva do Administrador à lei” e efetivar um “processo de mediação concretizadora” em detrimento do exercício de mera subsunção dos fatos às normas.

O cerne da controvérsia consiste em definir : 1 – se o pronunciamento judicial in casu ofende ao princípio da Separação dos Poderes; 2 – se de fato foi violado o direito à igualdade e à dignidade da pessoa humana, em virtude da prática de ato discriminatório, por parte do requerido BACEN; 3 – e, em havendo tal violação, se é possível relativizar ou restringir direitos fundamentais dos trabalhadores, tendo em vista a atividade desenvolvida pela ré; 4 – se o BACEN, ao restringir os direitos fundamentais dos trabalhadores engajados na execução do contrato firmado com a Nordeste Segurança de Valores LTDA observou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Passemos à análise da questão.

No que concerne à alegação de ofensa ao princípio da separação dos poderes da União, nenhuma razão assiste ao requerido.

Consabido que a República Federativa do Brasil, em sua Carta Magna de 1988, art. 2º, estatui que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

De igual modo, dispõe a CR/88, em seu artigo 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Desse modo, uma vez alegada pelo Custos Legis a lesão de direitos de cidadãos, por parte do Estado Administrador, cabe ao Estado Juiz averiguar a existência desta.

Não há, no caso, ofensa ao princípio de separação de poderes. Inexiste ingerência judicial em atividade discricionária da Administração quanto ao gerenciamento interno das políticas de segurança do Banco Central do Brasil. O que há é requerimento do Ministério Público do Trabalho para que o Judiciário exare ordem a fim de que a Administração Pública cumpra seu dever constitucional de respeitar a dignidade da pessoa humana e não praticar atos de discriminação.

Cabe ao Poder Judiciário empregar às normas e aos princípios constitucionais uma efetiva força jurídica e não apenas moral, simbólica ou política. A eles foi reconhecida uma aplicação direta e imediata (art. 5o, §1o, da CF/88), permitindo que o magistrado, ao se deparar com uma situação em que esteja em jogo um dado direito fundamental, possa, ele próprio, criar meios de dar efetividade a esse direito.

Sobre o tema, oportuno o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 2006, Editora Malheiros, p. 116, in verbis:


No Direito Brasileiro, ao contrário do que ocorre na maioria dos países europeus continentais, há unidade de jurisdição. Isto é, nenhuma contenda sobre direitos pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, conforme o art. 5º, XXXV, da Constituição. Assim, não há órgãos jurisdicionais estranhos ao Poder Judiciário para decidir, com esta força específica, sobre as contendas entre Administração e administrados.

É ao Poder Judiciário e só ele a ele que cabe resolver definitivamente sobre quaisquer litígios de direito. Detém, pois, a universalidade da jurisdição, quer no que respeita à legalidade ou à consonância das condutas públicas com atos normativos infralegais, quer no que atina à constitucionalidade delas. Neste mister, tanto anulará atos inválidos, como imporá à Administração os comportamentos a que esteja de direito obrigada, como proferirá e imporá as condenações pecuniárias cabíveis.

Não há que se falar, por conseguinte, em ofensa ao princípio da Separação de Poderes, sendo competente este Juízo Trabalhista para a instrução e julgamento de todas as questões suscitadas nesta Ação Civil Pública.

No que toca à violação do Princípio da Igualdade pela requerida, inegável o triunfo da tese autoral.

Vejamos.

A Carta Magna de 1988 erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. III), assegurando que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inc. III).

Ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição da República de 1988 conferiu especial relevo ao princípio da igualdade, prevendo que “que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput).

Aludido princípio é de tamanha envergadura que se constitui em verdadeiro alicerce para os demais direitos fundamentais. Segundo JORGE MIRANDA, in Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 1998, Coimbra Editora, p. 201 "os direitos fundamentais não podem ser estudados à margem da idéia de igualdade".

No âmbito das relações de trabalho, igualmente a Constituição da República dá destaque ao princípio da igualdade. Em vários dispositivos que compõem o arcabouço dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título II da CF/88) está estampado o princípio isonômico. É o caso do art. 7º “caput” e de seus incisos XXX, XXXI, XXXII e XXXIV que garantem, respectivamente, a trabalhadores urbanos e rurais os mesmos direitos, a exemplo da "proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil", "proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência", "proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos" e "igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso".

Doutro vértice, é a discriminação a completa negação do princípio de que todos são iguais perante a lei. A discriminação é a antítese da igualdade.

A Constituição Federal de 1988 combate a todas as formas de discriminação, dispondo, em seu artigo 3º, inciso IV, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

De igual modo previu que “a lei punirá toda discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, inc. XLI). Veda ainda, como alhures explicitado, a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, bem como qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do portador de deficiência” (art. 7º, incisos. XXX e XXXI).

De acordo com o escólio de MAURICIO GODINHO DELGADO, in Curso de Direito do Trabalho, Editora LTr, 2002, p. 752, pode se definir a discriminação como “a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada.”


O renomado jurista ainda nos ensina que a “causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza, etc.). Ou, como afirma Ronald Dworkin, do fato de ‘ser membro de um grupo considerado menos digno de respeito, como grupo, que outros”

Por fim, de bom alvitre transcrever a definição de discriminação, no âmbito das relações de trabalho, disposta no artigo 1º da Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil. Para os fins desta “o termo ‘discriminação’ compreende: a) Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Estado Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de patrões e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados”.

Os elementos dos autos demonstram que o réu, por meio da exigência de apresentação de certidões negativas de restrição de crédito para a permanência de empregados em seu posto de trabalho, agiu de maneira discriminatória. Praticou o BACEN ato de distinção entre trabalhadores ( inadimplentes ou não), exclusão dos obreiros com restrições creditícias e preferência em face dos trabalhadores “regularizados” perante o SERASA. Tal exigência, acaso descumprida pela real empregadora dos vigilantes (a Nordeste Segurança de Valores LTDA), teria o condão de afastar empregados de seus postos de trabalho, tendo, por óbvio, o efeito de destruir ou alterar a igualdade de oportunidades . Vejamos.

O artigo 16 da Lei 7102/83, que estabelece os requisitos para o exercício da profissão de vigilante não dispõe, em nenhum de seus incisos ou em seu parágrafo único, acerca da exigência de apresentação de certidões negativas de restrições creditícias, mediante consulta aos serviços de proteção ao crédito existentes na praça.

Tampouco a Portaria nº 378/2006 do Departamento de Polícia Federal, que consolida as normas aplicadas à segurança privada, disciplina em seu art. 109 (que trata dos requisitos profissionais do vigilante) a exigência de apresentação de tal documento para o exercício da atividade.

Inexiste qualquer previsão legal, portanto, para a exigência de certidão negativa de crédito dos trabalhadores lotados nas hostes da ré. Tal documento jamais poderia ter sido exigido pelo BACEN, porquanto “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” ( art. 5º, II, CR/88). Não havendo exigência legal para apresentação deste, o ato praticado pelo BACEN reveste-se do caráter de violação dos direitos à intimidade e à vida privada dos trabalhadores que lhe prestam serviços de vigilância.

E mais. Considerando-se que a não apresentação do aludido documento ou mesmo a apresentação de certidão positiva de restrição creditícia importaria em afastamento dos trabalhadores inadimplentes, reveste-se o ato perpetrado pela ré do caráter de violação do princípio da igualdade, tratando-se de discriminação, na medida em que nega o acesso ao trabalho ao obreiro endividado, em detrimento daqueles que não possuem quaisquer restrições de crédito perante o SERASA.

Observa-se ainda ( mediante análise do documento acostado às fls. 129/130 dos fólios) que a grande maioria dos vigilantes engajados na execução do contrato firmado entre a ré e a nordeste Segurança de Valores LTDA laboram nas hostes daquela desde 2005. Estes jamais apresentaram qualquer ameaça ao patrimônio da requerida, ou mesmo deram indícios falta de integridade moral ou honestidade, ou mesmo de se tratarem de indivíduos perigosos, capazes de prática de crimes. Ao contrário, por se tratarem de empregados exemplares, que cumprem seus deveres funcionais, mantém o seu posto de trabalho (tão almejado para grande parcela da população brasileira, que encontra-se desempregada). Entrementes, a despeito de serem profissionais de conduta irreprovável, ao menos vinte e dois destes trabalhadores encontram-se na iminência de perderem seus empregos, porquanto possuem restrições creditícias perante o SERASA.


Inadmissível, no entender deste juízo, tal situação. Qualquer vigilante, independentemente da sua situação financeira, uma vez preenchidos os requisitos exigidos pela lei, deve ter acesso ao trabalho. Entender que o trabalhador, por encontrar-se com as finanças descontroladas, não poderia executar quaisquer labores de vigilância ostensiva de valores porquanto se apropriaria destes é tese discriminatória, revestida de subliminar preconceito, advindo do estereótipo de que “ todo pobre é ladrão”.

Some-se a isso o fato de que não pode ter o empregado sua vida privada invadida. Informações de crédito devem ser sigilosas, não podendo o empregador ou tomador de serviços dispor de tais dados de seus trabalhadores.

Patente a agressão à dignidade da pessoa humana e a violação, por parte da ré, dos direitos fundamentais de toda uma categoria de trabalhadores.

Verificada a ocorrência da violação aos direitos fundamentais, impõe-se a análise acerca da possibilidade de relativização ou restrição destes, tendo em vista a atividade desenvolvida pela ré, desde que com observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de DANIEL SARMENTO o magistério acerca das formas de limitação aos direitos fundamentais, de seu brilhante estudo “Colisões entre Direitos Fundamentais e Interesses Públicos”, in Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, 2006, Renovar, pp. 301-302, verbis:.

O dogma vigente entre os publicistas brasileiros, da supremacia do interesse público sobre o particular, parece ignorar nosso sistema constitucional, que tem como uma das suas principais características a relevância atribuída aos direitos fundamentais. O discurso da supremacia encerra um grave risco para a tutela de tais direitos, cuja preservação passa a depender de valorações altamente subjetivas feitas pelos aplicadores do direito em cada caso.

Recorde-se por outro lado, que a compreensão sobre a preeminência dos direitos fundamentais na ordem jurídica tem levado a melhor doutrina administrativista a repensar a definição clássica de poder de polícia, que, infelizmente, ainda hoje se pode encontrar na maioria dos manuais nacionais, segundo a qual tratar-se-ia de atividade administrativa voltada à submissão dos direitos individuais aos interesses da coletividade. Esta, na verdade, era uma concepção própria do Estado de Polícia e que não se concilia com o ideário do Estado de Direito, que postula a plena vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais.

E continua:

Na verdade, parece-nos que a questão das restrições aos direitos fundamentais justificadas com base no interesse público não pode ser enfrentada com soluções simplistas, como a baseada na suposta supremacia do interesse público sobre o particular. Elas demandam exame mais complexo, que leve em consideração toda a constelação de limites às restrições de direitos fundamentais, que vem sendo desenvolvida pela doutrina. Assim, é preciso primeiramente recordar que os limites aos direitos fundamentais podem apresentar-se, basicamente, sob três formas diferentes: a) podem estar estabelecidos diretamente na própria constituição, b) podem estar autorizados pela Constituição, quando esta prevê a edição da lei restritiva, e c) podem, finalmente, decorrer de restrições não expressamente referidas no texto constitucional.

O primeiro caso não suscita maiores problemas. Ao positivar um determinado direito fundamental, o poder constituinte pode definir seu âmbito de proteção de modo a excluir previamente determinadas hipóteses e situações, seja em atenção a outros direitos fundamentais, seja em reverência a algum interesse geral da coletividade. Na ordem jurídica brasileira, por exemplo, o constituinte estabeleceu, com clareza, que a liberdade de reunião não inclui o direito de reunir-se com armas (art. 5, inciso VI, da CF) Neste sentido, é claro que o Poder Constituinte pode, visando promover algum interesse público ou necessidade social, desapropriar um bem particular, mediante o pagamento de prévia e justa indenização. E, para isto, não é necessário buscar fundamento em qualquer abstrato princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Basta a singela leitura do dispositivo constitucional pertinente (art. 5º, inciso XXIX, CF), que traz uma delimitação ao conteúdo do direito de propriedade. Nestas hipóteses, não há sentido em recorrer aqui a qualquer critério apriorístico de solução de antinomias entre interesses públicos e privados, uma vez que a ponderação entre eles já foi realizada de antemão, in abstracto, pelo próprio constituinte, ao definir contornos do direito fundamental em causa.


Por vezes, a Constituição também autoriza expressamente o legislador a operar a restrição de um direito fundamental ao invés de fazê-lo diretamente. Nestes casos, o constituinte pode pré-estabelecer, ou não, as hipóteses e finalidades da restrição. Quando não há qualquer definição constitucional sobre o sentido e a finalidade da restrição a ser estabelecida pelo legislador, fala-se em direitos fundamentais submetidos a reserva legal simples, e, no caso contrário, alude-se a direitos fundamentais submetidos a reserva de lei qualificada. Como bem sintetizou Gilmar Ferreira Mendes, “no primeiro caso, limita-se o constituinte a autorizar a intervenção legislativa sem fazer qualquer exigência quanto ao conteúdo ou finalidade da lei; na segunda hipótese, eventual restrição deve-se fazer tendo em vista a persecução de determinado objetivo ou ao atendimento de determinado requisito expressamente definido na Constituição.” Tome-se como exemplo de reserva de lei simples, o direito previsto no art. 5º, inciso LVII, do texto magno, segundo o qual “o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”, e como paradigma de reserva de lei qualificada, o direito à liberdade profissional, delineado no art. 5º, inciso XIII, da Carta de 88, que prescreve ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Note-se, contudo, que a atribuição ao legislador de expressa competência para criação de restrição a direito fundamental não implica outorga a ele de um “cheque em branco”, que o autorize a estabelecer qualquer tipo de limitação ao direito em causa. Entram aí em questão os chamados “limites dos limites”, que, de acordo com a sistematização doutrinária mais freqüente, envolvem: a) sua previsão em leis gerais, não casuísticas e suficientemente densas; b) o respeito ao princípio da proporcionalidade, em sua tríplice dimensão – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e c) o não atingimento do núcleo essencia l do direito em questão.

In casu, não foram os “limites dos limites” observados pela ré, senão vejamos.

O Banco Central do Brasil, por sua diretoria regional, emitiu norma de caráter discriminatório ( contrato ADREC 02/2005), deveras casuística, sob a alegação de se tratar a mesma de “medida razoável e adequada para tutelar o interesse público decorrente da necessidade de resguardo do elevado volume de dinheiro armazenado nas diversas unidades do BANCO CENTRAL DO BRASIL em todo o País” ( cf. declarações prestadas em audiência realizada na CODIN – termo acostado às fls. 80/81), somente exigindo a aplicação desta após a ocorrência de grandes assaltos em dois de seus regionais, de conhecimento notório da nação.

Deveras relevante a atividade desempenhada pelo requerido, encontrando-se dentre as mesmas a execução dos serviços do meio – circulante, consoante previsão constitucional e da Lei 4595/64. Deve, a autarquia ré, por óbvio, dada a especificidade de suas atribuições e as vultosas quantias de numerário que emite e armazena, e de reservas de ouro e moeda estrangeira que armazena e opera, adotar uma rigorosa política de segurança patrimonial, a fim de neutralizar toda e qualquer tentativa de investida de criminosos.

Entretanto, para a adoção de tal política de segurança, não pode a ré, violar ou restringir os direitos fundamentais do trabalhador, sem que haja real respeito ao princípio da proporcionalidade, em sua tríplice dimensão – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Não se vislumbra tal situação, na hipótese dos presentes autos.

Inadequada, para os fins que persegue, a exigência de apresentação de certidão negativa de restrições creditícias perante órgãos de proteção ao crédito, emitidas em favor dos vigilantes.

Isto porque, conforme já restou exaustivamente explicitado, o simples fato de encontrar-se o empregado endividado não implica em que o mesmo vá praticar roubos nas hostes da ré. Entendimento em tal sentido possui caráter altamente discriminatório.

Acatando-se tal tese, poderá também o Judiciário permitir que pessoas físicas exijam “certidão negativa de restrições creditícias” de candidatos a posto de emprego doméstico, a fim de não ver seus bens familiares furtados por empregado(a) “negativado(a)”. Ou lojistas poderão requerer tal declaração de seus vendedores. E o que dizer dos inúmeros trabalhadores que mourejam manuseando valores, seja em caixas de grandes supermercados, em transporte coletivo, a exemplo de tantos outros. Poderão igualmente ser exigidas certidões negativas de restrições creditícias de policiais, vigilantes de entidades privadas, seguranças de joalherias, enfim, todos os trabalhadores que mentem contato direto com “numerário ou valores”.


A exigência de certidões com caráter discriminatório é rechaçada por lei (Lei 9029/95) e até mesmo proibida pela Portaria 41 do Ministério do Trabalho e Emprego. Assim, ilegal a exigência efetivada pela ré.

Também não se pode admitir a tese de que em virtude do volume de numerário sob a administração da ré, e ainda em virtude de encontrar-se o trabalhador com dívidas a adimplir ficaria o mesmo mais suscetível a “cair na tentação” de roubar. O que dizer então daqueles trabalhadores que encontram-se na eminência de serem incluídos no “SERASA” ou em qualquer outra lista de restrição creditícia e conhecedor da sua situação precária em seu posto de trabalho? Poderíamos asseverar que o mesmo participaria de roubo nas hostes da requerida, tão somente para não ficar “negativado” e acabar por perder seu trabalho? Decerto, não.

Veja-se, ainda que a ré categoricamente afirma ( fls. 191/192) que “É menor o risco ao bom êxito dos serviços de vigilância quando seus executores ( rectius: vigilantes) não arcam com restrições creditícias decorrentes de inadimplência junto ao mercado”.

Ora, ao contrário do defendido pela requerida, por óbvio, o afastamento dos empregados possuidores de dívidas não trará maior segurança à esta entidade ou mesmo a isentará de investidas de criminosos. Estes sempre existirão em nossa sociedade, sejam pobres, sejam ricos, estejam ou não endividados. A moral e a conduta de um cidadão não pode, em hipótese alguma, ser medida pelo valor existente em sua conta corrente. O cidadão endividado, saliente-se que encontra-se trabalhando para quitar suas dívidas, não pode ser visto como um criminoso em potencial, mormente por um ente da Administração Pública, que deveria ser o primeiro a respeitar e observar os Princípios Constitucionais tão amplamente mencionados em sua peça defensória.

De igual modo falaciosa a tese de que a exigência de apresentação de certidão de restrição creditícia de trabalhadores se impõe em virtude da participação de vigilantes terceirizados nos grandes assaltos ocorridos em unidades do BACEN. Veja-se o silogismo de tal tese defensória: 1. Ocorreram dois grandes assaltos em unidades do Banco Central do Brasil; 2. Em ambos os assaltos houve participação de vigilantes terceirizados; Logo, todo vigilante terceirizado é ladrão em potencial.

Impossível acolher tal tese. “As regras de experiência comum, subministradas por aquilo que ordinariamente acontece” a que tanto se refere a requerida em sua contestação, tratam-se em verdade de preconceitos enraizados no seio da ré, sendo nesta oportunidade utilizadas como escusa para o cumprimento de um dos fundamentos, um dos pilares do Estado democrático de Direito, a saber, a dignidade da pessoa humana.

Desnecessária ou de nenhuma exigibilidade a medida perpetrada pelo BACEN, porquanto poderia o ente público utilizar-se de novas técnicas e aparatos tecnológicos para rechaçar investidas criminosas, sem violar direitos fundamentais de trabalhadores; trabalhadores estes que pelo simples fato de encontrarem-se endividados, são, no entendimento da ré “criminosos em potencial”.

Salta aos olhos a desproporcionalidade entre os direitos defendidos. De um lado encontra-se o direito à dignidade da pessoa humana (que não pode ser considerada criminosa tão somente por se tratar de trabalhador endividado), à intimidade ( na medida em que o sigilo da vida econômica do trabalhador deve ser resguardado), ao trabalho (tendo em vista a iminência de perda do posto de serviço, por empregados que já sem condições financeiras de honrar suas dívidas, provavelmente ingressarão na completa miséria). Doutro vértice encontra-se a proteção ao meio–circulante do país. A defesa do patrimônio financeiro de um país jamais poderá suplantar a defesa da dignidade da pessoa humana desta nação, sob pena de se atentar contra o próprio Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, declara este juízo, incidentalmente, a inconstitucionalidade e ilegalidade da obrigação contratual prevista no item 7.3.3.4 do Edital de Pregão ADRC 02/2005 emitido pela Ré.

Por conseguinte, restam procedentes os pedidos formulados em exordial, que buscam resguardar não somente o direito à inviolabilidade da intimidade e vida privada dos vinte e dois vigilantes que encontram-se com seus nomes arrolados em cadastro de serviço de proteção ao crédito, mas garantir, a todos os empregados por eles representados, bem assim de toda gama de trabalhadores que encontram-se com restrições creditícias perante serviços de proteção ao crédito ou mesmo tenham emitido cheques sem fundos, a fim de que se restabeleça a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os obreiros, tolhidas , no seio da ré.


Por fim, quanto à ocorrência de dano moral coletivo, inegável o triunfo da tese autoral.

Em nosso direito positivo, como sabido, o dano decorre de um ato ilícito, que provoca contra quem o praticou, a obrigação de repará-lo, nos termos do artigo 5º, inciso X da CR/88 e também dos artigos 186 e 927, do Código Civil/2002.

De acordo com a melhor doutrina "a idéia e o reconhecimento do dano moral coletivo (lato sensu), bem como a necessidade de sua reparação, constituem mais uma evolução nos contínuos desdobramentos do sistema da responsabilidade civil, significando a ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal, porém extensivo a toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade, e que refletem o alcance da dignidade dos seus membros." (Xisto Tiago de Medeiros Neto, In "Dano Moral Coletivo", Editora LTr, 2004, p. 136).

Igualmente, da obra supra citada, de acordo com a definição de João Carlos Teixeira, tem-se que é o dano moral coletivo "a injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (maior ou menor), e assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando-lhes sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou outro sofrimento psico-físico" (p. 140/141).

Assim, do mesmo modo que o patrimônio moral do indivíduo deve ser respeitado, o deve ser o da sociedade. É de ser reconhecida a ocorrência do dano moral coletivo, toda vez que aferida a violação ao patrimônio moral da sociedade.

Nessa trilha, há de se concluir que, efetivamente, as lesões em massa com conseqüente ofensa a uma coletividade, exigem o restabelecimento da ordem jurídica, cabendo ao Judiciário, reconstituir os bens lesados ou conferir a reparação do dano sofrido, a fim de se rechaçar o descumprimento da legislação.

Atente-se ainda que a reparação pelo dano moral é expressamente estabelecida no art. 1º da Lei 7.347/85, inclusive quando se tem em vista a ofensa a interesses e direitos coletivos e difusos; conforme disposto, in verbis:

"Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

" omissis "

V – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo."

E mais, uma vez constada a existência de dano de natureza coletiva, a indenização correspondente reverterá em favor do FAT, a teor da disposição contida no artigo 13 da Lei 7.347/85 :

"Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados."

Pois bem. No caso sub examen, patente a ocorrência do dano moral coletivo.

Os elementos de convicção constantes dos presentes autos demonstram que a figura do trabalhador foi rebaixada, malferida, atingindo toda uma coletividade, porque, discriminada a pessoa humana, enquanto trabalhador. Observe-se que não se tratou de discriminação contra o “este” ou “aquele” trabalhador, mas sim de toda uma coletividade de trabalhadores, e mesmo do trabalhador enquanto figura abstrata.

Como já exaustivamente explicitado, restou demonstrado que todos os trabalhadores que encontram-se endividados e com registros de restrições creditícias junto aos órgão de proteção de crédito sofreram discriminação por parte do ente da administração Pública, que entendeu que tal classe de trabalhadores traria maior “risco ao bom êxito dos serviços de vigilância” e que “as vultosas quantias de dinheiro existentes em suas dependências não devem estar sob a guarda de vigilantes terceirizados com restrições cadastrais junto ao mercado”.


Como alhures visto, esta é sem dúvida, uma situação de descaso para com a dignidade do trabalhador, pela inobservância de princípios fundamentais e basilares desta República Federativa do Brasil.

Nesse caminhar, os fatos demonstrados nos autos justificam a condenação da ré ao pagamento da indenização por dano moral coletivo, no importe requerido em inicial.

É o entendimento deste Juízo.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, e considerando o mais que dos autos consta, decide o juízo da 8ª Vara do Trabalho de Recife – PE o seguinte:

1. Extinguir o processo, sem resolução de mérito, quanto aos pleitos formulados por MINISTÉRIO PÚLICO DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO em face de BANCO CENTRAL BRASIL, nos autos da AÇÃO CAUTELAR INOMINADA Nº 01087-2007-008-06-00-5;

2. Julgar TOTALMENTE PROCEDENTE a postulação de MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO em face de BANCO CENTRAL DO BRASIL, para :

a) Declarar a inocorrência de qualquer violação à cláusula Pétrea da Separação de Poderes, cabendo ao judiciário trabalhista a apreciação do presente feito, por força dos arts. 5º, XXXV e 114, ambos da Carta Magna de 1998;

b) Declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade e ilegalidade da obrigação contratual prevista no item 7.3.3.4 do Edital de Pregão ADRC 02/2005 emitido pela Ré, por ofensa aos artigos, 1º, inciso III, 3º, inciso IV, 5º, caput, todos da CR/88.

c) Condenar a requerida ao cumprimento das seguintes obrigações:

c.1) abster-se de exigir da empresa Nordeste Segurança de valores LTDA a apresentação de certidões negativas de restrições creditórias dos vigilantes prestadores de serviços terceirizados lotados em suas hostes, sob pena de aplicação de multa de R$ 200.000,00, em caso de descumprimento da presente obrigação de fazer;

c.2) abster-se de aplicar qualquer penalidade contratual à Nordeste Segurança de Valores LTDA em virtude da não apresentação das referidas certidões, indicadas no item “7.3.3.4” do Contrato Pregão ADREC 02/2005 –acostado às fls. dos autos, sob pena de aplicação de multa de R$ 200.000,00, na hipótese de descumprimento desta obrigação de fazer;

c.3) abster-se de promover qualquer ato de retaliação, direta ou indireta, contra vigilantes terceirizados que possuam algum tipo de restrição em cadastros de inadimplentes ou serviços de proteção ao crédito, sob pena de aplicação de multa de R$ 100.000,00 por cada trabalhador atingido pelo descumprimento da referida obrigação ;

c.4) abster-se, doravante, de condicionar a aceitação de trabalhadores à sua disposição pelas empresas prestadoras de serviços à apresentação de certidões comprobatórias da inexistência de restrições em cadastros de inadimplentes ou órgãos de proteção ao crédito, sob pena de aplicação de multa de R$ 100.000,00 por cada trabalhador atingido pelo descumprimento da obrigação;

c.5) pagar indenização pelo dano moral coletivo causado, no importe de R$ 1.000.000,00 ( hum milhão de reais) , a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

Tudo em fiel observância à Fundamentação supra, a qual passa a integrar o presente dispositivo, como se nele estivesse transcrita.

QUANTUM DEBEATUR a ser apurado na fase de liquidação de sentença, com incidência de juros e correção monetária, na forma da lei, das tabelas fornecidas pela Corregedoria deste Regional.

Sem custas ( art. 790 – A, CLT).

Publique-se, Registre-se, Intimem-se as partes.

Junte-se cópia desta decisão nos autos da Ação Cautelar Inominada 1087/07-5, apensados ao processo principal (Ação Civil Pública 1238/07-5).

Encerrou-se a audiência.

E, para constar, foi lavrada a presente ata, devidamente assinada na forma da lei.

ESTER DE SOUZA ARAÚJO FURTADO

JUÍZA DO TRABALHO

DIRETOR DE SECRETARIA

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