Delação premiada

Juiz explica porque recusou delação premiada de traficante

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16 de janeiro de 2008, 20h04

“Delação premiada implica em ser verdadeiro, estar com espírito aberto e intenção inequívoca de colaborar naquilo que for questionado, não cabendo limitar o universo do que deseja esclarecer.” Este foi o principal motivo para o juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, negar o acordo proposto pelo megatraficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía. O réu queria o direito de ficar em silêncio quando não quisesse revelar algum segredo.

A proposta do traficante era entregar de US$ 30 milhões a US$ 40 milhões, além da rendição de mais quatro comparsas, em troca da agilização de seu processo de extradição, a extinção de denúncias contra sua mulher e a transferência dela para São Paulo. Abadia queria fazer um acordo para ser extraditado para os Estados Unidos com brevidade. Com isso, ele espera obter vantagens das autoridades americanas em troca de informações e dinheiro relacionados às atividades ilícitas que praticou.

Abadia é o suposto chefe do cartel da droga do Valle del Norte, na Colômbia. Ele está detido no Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande (MS) e foi levado para a sede da Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, na Lapa, zona oeste da cidade, nesta terça-feira (15/1) para prestar depoimento à Justiça. Abadía passou a noite na sede da PF e chegou à Vara Criminal no meio da manhã.

Em nota à imprensa, o juiz diz que, no decorrer da audiência, Abadia mudou as condições do acordo e mostrou que não estava disposto a colaborar com informações que poderiam ser preciosas para a conclusão do processo. E ressalta que o Ministério Público Federal concordou com a proposta do traficante — à exceção da extinção de sua pena —, “pontuando que já se poderia ter uma parcela da pena diminuída, independentemente da nova manifestação do preso no sentido de revelar fatos e apresentar novos valores que tinham sido ocultados da Justiça Federal”.

Sanctis declara que não é o destino do dinheiro que está em jogo, mas o interesse real do réu falar e contribuir de fato com as investigações. A procuradora República Thaméa Danelon lamentou que o acordo não tenha sido aceito, pois pretendia que o dinheiro fosse revertido para a área social, ONGs e infra-estrutura da Justiça.

“A Justiça Federal brasileira tem que cumprir o seu papel diante dos seus limites legais e constitucionais e na defesa da sociedade brasileira”, alerta o juiz.

Leia a nota

NOTA À IMPRENSA

Tendo em vista as informações veiculadas pela imprensa com base em declarações do Ministério Público Federal, na pessoa de Thamea Danelon Valiengo, e do defensor do acusado Juan Carlos Ramirez Abadia, Luiz Gustavo Bataglin Maciel, lamentando a rejeição de acordo para a concessão de benefícios decorrentes de Delação Premiada, a despeito da solicitação de sigilo em audiência realizada nesta data, este juízo se obriga a se manifestar sobre tais fatos para que a sociedade brasileira seja devidamente esclarecida.

1) O preso Juan Carlos Ramirez Abadía manifestou em 20.12.2007 desejo de ser novamente interrogado com vistas a possível delação premiada. Tal manifestação foi feita do presídio onde se encontra, diretamente ao Delegado de Polícia Federal Fernando Francischini, com autorização do juiz corregedor, sendo certo que na ocasião afirmou ter informações valiosas a serem prestadas sobre tráfico internacional de drogas, além de revelar que entregaria a quantia de 40 milhões de dólares, que se encontraria no Brasil. Este juízo, em 21 de dezembro de 2007, quando em plantão no recesso autorizou audiência do preso com acompanhamento do Superintendente Regional da Polícia Federal, Jaber Saadi, fato que ocorreu em 28 de dezembro de 2007. Nessa ocasião o preso novamente manifestou a intenção de revelar novos fatos, entregar quantia de 35 milhões de dólares, não mais de 40 milhões. Este juízo, nos autos principais, autos nº 2007.61.81.0011245-7, folhas 2588/2629, já tinha se manifestado quanto ao pedido de delação premiada, apesar de não adequadamente formulado. Naquela ocasião restou pontuada a necessidade da delação premiada ser realizada de forma autônoma com manifestação do Ministério Público Federal que, como parte, deve concordar previamente com o pedido, apesar de se recusar a fazê-lo. Também ficou decidido a necessidade de esclarecimento melhor dos fatos da trama criminosa eventualmente existente e de todos os eventuais auxiliares do crime, não sendo possível ao acusado se restringir a revelação de eventual extorsão de policiais, sem estar disposto aos esclarecimentos de outras supostas atividades ilícitas e indicação de patrimônio de origem espúria. Também na mesma ocasião foi decidido a necessidade de entrega de valor a título de indenização ou mesmo como recuperação do produto do crime. Naquela decisão observou-se a necessidade de manifestação das partes quanto à delação, não formalizada, todavia, pela defesa. Mas, em face do pedido do preso e de sua recente manifestação perante a autoridade policial, houve por bem este juízo designar esta data para audiência.

2) O preso foi devidamente cientificado acerca do instituto da delação premiada no sentido de ser um benefício que a lei brasileira concede àqueles que realmente queiram colaborar com a Justiça. A advertência buscou cientificá-lo, inclusive, das condições e expectativas possíveis, com tempo para sua reflexão, uma vez que não caberiam mentiras, afirmações dúbias e justificativas sem qualquer argumento razoável. Em suma, caberia agregar à Justiça com revelação e vontade real de revelar fatos.

3) No decorrer da audiência, o preso alterou as condições demonstrando não estar disposto a colaborar, mas apenas impor a condição de se afastar de presídio federal, de não cumprir pena no Brasil, mas apenas nos E.U.A., além de desejar a extinção ou absolvição de sua pena e de sua mulher, a co-ré Yessica Paola Rojas Morales, pedidos dos quais o Ministério Público Federal assentiu (à exceção da extinção de sua pena), pontuando, o órgão acusatório, que já se poderia ter uma parcela da pena diminuída, independentemente da nova manifestação do preso no sentido de revelar fatos e apresentar novos valores que tinham sido ocultados da Justiça Federal.

4) Diante do constatado, restou pontuado por este juízo que certos requerimentos têm que ficar adstritos à competência jurisdicional, sendo certo que a manifestação sobre extradição e sobre cumprimento de pena não seriam naquela ocasião adequados e estar-se-ia violando não só a soberania do Brasil, como a soberania dos Estados Unidos. Por outro lado, a independência do Juiz não poderia ser objeto de deliberação, não se abrindo mão do livre convencimento para a prolação de futura Sentença. Ainda este magistrado observou que a delação é vantajosa porque pode eventualmente, desde que exista colaboração, ensejar a diminuição da pena e até na sua extinção. A Justiça não deseja dinheiro, tão-somente o esclarecimento dos fatos e o pagamento de uma indenização ou da entrega do produto do crime, sendo necessário haver confiança de parte a parte. Delação implica em ser verdadeiro, estar com espírito aberto e intenção inequívoca de colaborar naquilo que for questionado, não cabendo limitar o universo do que deseja esclarecer.

5) Ao encerrar a audiência este magistrado registrou “O senhor escolheu, o senhor escolheu o seu caminho, o senhor escolheu o seu destino e o senhor escolheu não colaborar com a Justiça”, sendo, então, invocado pelo Ministério Público Federal o direito ao silêncio e a destinação social do dinheiro a ser entregue.

6) Deve-se observar que este juízo foi procurado pelo preso que alegou desejar revelar fatos e entregar dinheiro, afastando-se invocação do direito ao silêncio, totalmente inapropriado quando se invoca a delação premiada. Não se pode imaginar que o dinheiro, dinheiro esse que está à disposição do acusado desde sempre, pudesse acarretar decisão benéfica da Justiça, apesar da destinação legítima que iria ser dado a ele. Não está em causa o destino do dinheiro, mas sim o interesse da verdade de alguém que deseja falar de espírito aberto, que deseja contribuir de fato e não usar da delação para um benefício em detrimento da busca da verdade. A Justiça Federal brasileira tem que cumprir o seu papel diante dos seus limites legais e constitucionais e na defesa da sociedade brasileira.

São Paulo, 16 de janeiro de 2008

FAUSTO MARTINS DE SANCTIS

Juiz titular da 6ª Vara Federal Criminal

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