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Ainda existem dúvidas sobre a aplicação de danos morais

15 de janeiro de 2008, 23h00

Por Munique Teixeira Vaz

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Se no passado existiu controvérsia acerca da possibilidade de indenização por danos morais, atualmente essa idéia é admitida com naturalidade. Cronologicamente, o ordenamento passou a expressar os danos morais na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. V), no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 17), no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inc. VII), e por último no Código Civil de 2002 (art. 186), cuja redação é inovadora, ao admitir danos “exclusivamente” morais.

A conseqüência desse aparato legislativo é a edição, pelo Superior Tribunal de Justiça, da Súmula 37, aprovada em 1992, que garante a cumulação de danos morais e materiais. A partir de então, os Tribunais passaram a adotar tal posicionamento.

Todavia, ainda são muitas as dúvidas levantadas pelos danos morais, tanto de índole processual quanto de direito material.

Exemplo interessante é o pedido genérico de condenação em danos morais na petição inicial. Um olhar atento ao artigo 286 do Código de Processo Civil induz a conclusão de que o pedido de danos morais deve ser certo e determinado, pois de “ações universais” não se trata (inc. I), com certeza já é possível determinar as conseqüências do ato ou fato ilícito, já que o dano moral, por essência, é instantâneo (inc. II), além do que, a determinação do valor da condenação não depende de nenhum ato do réu (inc. III).

Nesse sentido, cabe ao autor indicar expressamente na petição inicial o valor dos danos morais que alega ter sofrido, considerando que é de fato a melhor pessoa para quantificá-los, uma vez que ele próprio sofreu a ofensa moral.

Não obstante, essa não tem sido a posição do Superior Tribunal de Justiça, que reiteradamente vem decidindo que “é admissível o pedido genérico em ação de indenização por dano moral por não ser possível, quando do ajuizamento da ação, determinar-se o valor devido” (REsp 2005/0142256-8).

Aliada a essa questão, a idéia do “dano moral objetivo” me parece igualmente interessante. Um breve parêntese precisa ser aberto. Convém lembrar que o instituto da Responsabilidade Civil nasceu com viés subjetivo, para a configuração da indenização era imprescindível a demonstração de culpa. Hodiernamente, sem sombra de dúvidas, há uma migração da Responsabilidade Civil subjetiva para a objetiva, que considera a conduta do agente só no aspecto da existência, e não no prisma da ilicitude.

Fenômeno semelhante ocorreu no instituto da boa-fé. Inicialmente, o aspecto subjetivo era o único conhecido pela boa-fé, que buscava apurar na intenção do agente os reflexos jurídicos da sua ação ou omissão.

O contrário da boa-fé subjetiva significa, assim, má-fé. Contudo, já há algum tempo se fala no aspecto objetivo da boa-fé, como padrão de conduta esperado pelos membros da sociedade. Não está em jogo propriamente a intenção do agente, mas se a conduta praticada está dentro do molde social. Destarte, mesmo de boa-fé (subjetiva), ainda assim, não há óbice alguma de desrespeito a algum padrão comportamental juridicamente relevante (boa-fé objetiva), o que inclusive pode acarretar na anulação do negócio.

Fechado o parêntese, dá pra notar um deslocamento do prisma eminentemente subjetivo para o aspecto objetivo dos institutos. Talvez essa migração ocorra por motivos processuais, especialmente em razão da dificuldade de se provar a culpa (na Responsabilidade Civil), ou a verdadeira intenção do agente no momento do negócio.

A índole do dano moral certamente é subjetiva, é exclusivamente a vítima que tem exata compreensão do seu sofrimento. Todavia, é possível notar que o Superior Tribunal de Justiça constantemente tem considerado a vertente “objetiva” do dano moral. Explico melhor. O posicionamento do Tribunal é pacífico ao admitir a condenação por danos morais quando há inscrição indevida nos cadastros de proteção ao crédito, contudo, como não há como demonstrar que de fato a vítima teve um transtorno moral com a inscrição (pode acontecer que isso não tenha acarretado prejuízos psíquicos à vítima, que apenas buscou o Judiciário para pleitear uma oportuna compensação financeira), acaba-se por definir “que qualquer pessoa inscrita nos cadastros de restrição creditícia sofre danos morais”, independentemente se de fato houve abalo ou transtorno psíquico na sua moral (subjetiva).

Esse é padrão objetivo de comportamento definido pelo Tribunal, fala-se até em “dano moral presumido”, o que obviamente não permite uma análise da real afronta na moral da vítima. Assim, “a jurisprudência do STJ entende que a inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito, por si só, justifica o pedido de ressarcimento a título de danos morais, tendo em vista a possibilidade de presunção do abalo moral sofrido” (REsp 2004/0017142-0).

Por fim, amiúde os critérios subjetivos vão cedendo espaço para uma “objetivação” do direito, o que certamente pode facilitar um tratamento homogêneo dos jurisdicionados, mas por outro lado pode acarretar pontuais injustiças lamentáveis.