Viúvas da CPMF

Governo faz pressão contra sigilo bancário e fiscal

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11 de janeiro de 2008, 23h00

O sigilo bancário e fiscal não é absoluto. Ele pode ser quebrado por ordem do Poder Judiciário ou a partir de solicitação de Comissões Parlamentares de Inquérito, exceto as municipais. Isso é o que prevê a Constituição e diz o Supremo Tribunal Federal. Na prática, contudo, o sigilo de dados fiscais e bancários do cidadão parece-se cada vez mais com uma ficção jurídica ameaçada a cada dia por medidas tomadas pelo Estado sem maiores cerimônias.

Uma onda de ataques ao sigilo econômico do cidadão ganhou força a partir do fim da CPMF no final do ano passado. O motivador desta onda é justamente buscar substitutos para o controle de contas e gastos dos contribuintes que era possível ser feito através do imposto ao cheque.

Foi esta também a intenção do Tribunal de Contas da União ao determinar à Receita Federal que lhe facultasse, sob pena de multa diária, o acesso amplo e irrestrito, no prazo de 15 dias, aos dados que ela armazena dos contribuintes. No caso do TCU, a onda foi quebrada pelo ministro Gilmar Mendes, presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal.

Julgando liminar em Mandado de Segurança apresentado pelo secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid, o ministro suspendeu a decisão do TCU. No Mandado de Segurança, a Receita sustenta que compartilhar seu banco de dados com o TCU contraria a proteção constitucional à privacidade e à intimidade dos contribuintes. Afirma ainda que as informações requeridas “têm o condão de revelar a situação econômico-financeira dos contribuintes que não manipulam verbas públicas, nem se encontram submetidos à fiscalização do TCU”.

Mudança de posição

Em 2002, o então secretário adjunto e atual titular da Receita defendia a edição de decreto que autorizasse a Receita a ter acesso às informações bancárias dos contribuintes que mantinham contas ou aplicações, que usavam cartões de crédito e movimentassem valores acima de R$ 5 mil.

À época, argumentava que a quebra do sigilo se justificava pela necessidade de combater a sonegação. Na verdade, entendia que não se tratava propriamente de quebra de sigilo. “O sigilo bancário não está sendo quebrado, ele só está sendo transferido para a Receita Federal”, declarou. O Decreto 4.489/2002 foi editado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, mas no final do mesmo ano, com a reabilitação da CPMF, foi revogado.

Com o fim do imposto do cheque agora, Lula já havia substituído FHC na presidência, mas a solução para manter os contribuintes sob vigilância foi semelhante: a Receita Federal publicou a Instrução Normativa 802, que determina que os bancos devem prestar informações sobre movimentação de seus correntistas para o Fisco.

Pela instrução, as instituições financeiras devem repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral global chegue a R$ 5 mil no caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas.

A nova norma tem a mesma função do revogado Decreto 4.489/2002. Ele nasceu para regulamentar a Lei Complementar 105/2001, que diz quais são as instituições que detêm sigilo de dados dos cidadãos e como ele deve ser tratado.

Ives Gandra Martins, na ocasião da promulgação da lei, declarou: “entendo que a Lei Complementar 105/2001 não foi endereçada ao sonegador, mas exclusivamente contra o Poder Judiciário para afastá-lo como julgador moderado, abrindo campo para uma certa dose de arbítrio, que o governo deseja ter para cobrir sua incapacidade (…) e em que as autoridades não primam pela boa gestão da coisa pública”.

Sobre o decreto afirmou que ele punia os bons contribuintes “deles retirando qualquer garantia, visto que sempre dependerão de humores da fiscalização, pródiga em ofertar à lei distorcida interpretação”.

Controvérsia

Nessa discussão, há a corrente dos que comemoram o despacho do ministro Gilmar Mendes, baseado no inciso X do artigo 5º da Constituição. O dispositivo diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O inciso XII é mais específico: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (…)”

Em casos excepcionais, o sigilo pode ser requerido no interesse de investigação criminal, em suspeita de fraude, que tragam mínimos indícios de autoria da pessoa que terá os seus dados abertos a instituições a que não pertencem.

Mas há os que entendem que o sigilo fiscal e bancário não têm garantia constitucional. Para Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, é evidente o interesse público da fiscalização exercida pela Receita e, portanto, os direitos fundamentais dos cidadãos têm de ser entendidos como relativos.


Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, escreve que não há na Constituição qualquer norma que garanta expressamente o sigilo bancário, apesar da garantia genérica, no artigo 5º, da inviolabilidade da intimidade e do sigilo de dados. Ao invés disso, diz, o artigo 145, em seu parágrafo 1º, diz que a administração tributária deve cumprir os objetivos, nos termos da lei e respeitando os direitos individuais, podendo “identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Guerra ao crime

Em nome do combate à violência, o governo federal defende que todos os seus órgãos possam trocar informações disponíveis sobre o contribuinte. Foi o que defendeu o advogado-geral da União José Antônio Dias Toffoli em parecer preliminar apresentado em encontro do Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), em dezembro de 2007.

Segundo o advogado-geral, “essa troca de dados não configura quebra de sigilo, mas transferência dele”. E elas não aconteceriam de forma imotivada. Toffoli esclarece ainda que a controvérsia existe porque a Constituição Federal não tratou explicitamente do sigilo bancário ou fiscal em seu texto. Ela fala sobre sigilo de dados. E por isso dá margem a vários tipos de interpretação.

O parecer elaborado pela AGU está sendo analisado por diversos órgãos públicos que enviarão as suas sugestões e opiniões. A partir deles é que será feito um parecer definitivo. No primeiro trimestre de 2008 ele estará pronto, pelos cálculos do ministro Toffoli.

“Um segredo que todo mundo conhece não é mais segredo”, constata o tributarista Igor Mauler ao comentar o parecer da AGU. Para ele, não se pode ferir o sigilo dos dados dos contribuintes como forma de combate à criminalidade. “Essa forma de abertura dos dados não trará ganho nenhum para a sociedade”, critica.

Mauler não tem dúvidas de que a Constituição Federal defende o sigilo bancário e fiscal do cidadão. Ressalta que este não é absoluto, mas a quebra deve depender de fortes indícios, justificativas e um bom fundamento apresentado por um membro do Judiciário.

Segundo o tributarista, a LC 105/2001 nunca entrou de fato em vigor porque ficava encostada na CPMF. Com a extinção do imposto, ele acha que as duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que a contestam devem entrar na pauta de julgamento.

O criminalista Luís Guilherme Vieira concorda. Diz que todas as solicitações de quebra de sigilo devem passar pelo Judiciário e recordou que há diversas decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Muitas delas, inclusive, citadas pelo ministro Gilmar Mendes na liminar contra acórdão do Tribunal de Contas da União.

Um dos emblemáticos julgamentos da Corte aconteceu em 1992. O delegado da Polícia Federal Aparecido Lopes Feltrin pedia a quebra do sigilo bancário do ex-ministro Antonio Rogério Magri e de sua mulher, porque, no lixo da “mansão” do casal, foram encontradas duas cintas usadas pelos bancos para prender dinheiro no valor de CR$ 5 milhões e CR$ 1 milhão.

Na ocasião, o ministro Carlos Velloso sustentou que “o sigilo bancário somente pode ser afastado no curso de um procedimento criminal ou de um inquérito policial formalmente instaurado, em que haja indiciamento do acusado, com a indicação do delito praticado, com pelo menos, um indício de prova relativamente à autoria e a materialidade”. Para ele, o artigo 5º da CF funciona como uma garantia do direito à privacidade.

O ministro Celso de Mello votou no mesmo sentido. Segundo o ministro, o artigo 5º, X, da CF é uma proteção em favor do indivíduo e “contra a ação expansiva do arbítrio do Estado — uma esfera de autonomia intangível e indevassável pela atividade persecutória do poder Público, apta a inibir e a vedar o próprio acesso dos agentes governamentais”.

Leia a decisão de Gilmar Mendes e o acórdão do TCU

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.091-8 DISTRITO FEDERAL

IMPETRANTE(S) : SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL

DO BRASIL

ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TC Nº 02568620067)

Despacho: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra ato do Presidente do Tribunal de Contas da União consubstanciado no Acórdão n.° 1.835/2007, prolatado pelo Plenário daquela Corte nos autos do Processo TC n.° 025.686/2006-7, em 05.09.2007 (fls. 23/33).

O acórdão apontado determinou que o titular da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em 15 dias úteis, “apresente os documentos e informações já requeridas pela equipe de auditoria, alertando-o que o descumprimento da deliberação sujeita-o à aplicação da multa prevista no art. 58, inc. VI, da Lei n.° 8.443/92, nos termos do art. 42, § 2.°, da mesma Lei; e esclarecendo-o que os presentes autos terão tramitação sigilosa, bem como os analistas encarregados da auditoria e das demais instruções processuais estão obrigados ao sigilo pertinente às informações disponibilizadas” (fl. 24)


Após justificar a sua legitimidade e seu interesse de agir, sustenta o impetrante que o ato coator contraria a proteção constitucional à privacidade e à intimidade dos contribuintes, na forma prevista no art. 5.°, inc. X e XII da Constituição Federal, pois os dados requeridos pelo Tribunal de Contas da União “têm o condão de revelar a situação econômico-financeira dos contribuintes que não manipulam verbas públicas, nem se encontram submetidos à fiscalização do TCU” (fl. 06).

Entende que a exigência contida no Acórdão n.° 1.835/2007 do Tribunal de Contas da União viola seu direito líquido e certo de preservar o sigilo das informações prestadas pelo contribuinte à Fazenda Pública. Ademais, aduz que o acesso irrestrito às informações registradas no SISCOMEX não se subsume às hipóteses excepcionais contidas no art. 58, § 3.°, da Constituição Federal, tão pouco à nova redação conferida pela Lei Complementar n.° 104/2001 aos arts. 198 e 199 do Código Tributário Nacional (fls. 07/11).

Insurge-se, portanto, contra determinação da autoridade impetrada que, sem amparo constitucional e infraconstitucional, requisita acesso amplo e irrestrito ao banco de dados em que constam informações de contribuintes que “não manipularam verbas públicas ou estão submetidos à fiscalização da Corte de Contas” (fl. 13). Ressalta, ainda, a existência de precedentes do Supremo Tribunal Federal favoráveis à sua tese, em casos similares ao presente (MS 22.801, rel. Min. Menezes Direito, Plenário, unânime, julgado em 17.12.2007 e MS 22.617, rel. Min. Francisco Rezek, DJ 22.10.1996).

Diante da ocorrência do perigo na demora, consubstanciado no fato de que a decisão impugnada determina o fornecimento das informações no prazo de quinze dias úteis contados do recebimento do Ofício nº 460/2007 TCU/SEMAG – Gabinete, em 06.09.2007 (fl. 23), requer a suspensão dos “efeitos do Acórdão do TCU n.° 1.835/2007, de modo que não seja aplicada qualquer sanção pela não-apresentação das informações constantes do SISCOMEX” (fl. 20).

Constato, inicialmente, a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, o presente feito, nos termos do art. 102, I, d, da Constituição Federal, redação dada pela EC 45/2004.

Verifico que o acórdão n.° 1.835/2007, proferido pelo egrégio Tribunal de Contas da União, decorre de representação formulada pela equipe de auditoria da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag), em face da negativa da Receita Federal do Brasil (SRFB) em conceder pleno acesso às informações registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), em especial “aos processos de habilitação de importadores, exportadores e internadores da Zona Franca de Manaus” (fl. 30).

Em sede de cognição sumária, evidencia-se a plausibilidade jurídica no pedido, tendo em vista que, para proceder a verificação dos procedimentos adotados para habilitação de pessoas físicas no Siscomex, pretende-se o acesso amplo e irrestrito às informações gerenciais e operacionais que envolvem aquele órgão da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Cumpre salientar que o Plenário desta Suprema Corte, em 17.12.2007, abordou questão em tudo similar ao da presente impetração, quando do julgamento do MS 22.801/DF, rel. Min. Menezes Direito, pronunciando-se pela impossibilidade de se proceder a quebra de sigilo dos contribuintes, por ser medida excepcional de afastamento dessa garantia constitucional, que só pode ser elidida, fundamentadamente, nas hipóteses constitucionalmente autorizadas ao Poder Legislativo ou, ainda, por ordem emanada do Poder Judiciário.

Nesse sentido: MS 26.895-MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 12.09.2007; MS 25.812-MC/DF, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 27.01.2006; MS 25.361-MC/DF, DJ 23.05.2005 e MS 24.750/DF, DJ 02.02.2004, de minha relatoria; MS 25.298-MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 21.03.2005 e MS 23.956/DF, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 18.05.2001; dentre outros.

Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar, para suspender a exigência contida no item 9.2 do Acórdão n.° 1.835/2007, resultante do julgamento realizado nos autos do Processo TC n.° 025.686/2006-7, pelo Plenário do Tribunal de Contas da União.

Comunique-se com urgência.

Requisitem-se informações ao Tribunal de Contas da União.

Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 04 de janeiro de 2008.

Ministro Gilmar Mendes

Vice-Presidente

Leia o Acórdão do TCU

Identificação

Acórdão 1835/2007 – Plenário

Número Interno do Documento

AC-1835-37/07-P

Grupo/Classe/Colegiado

Grupo I / Classe VII / Plenário

Processo

025.686/2006-7

Natureza

Representação

Entidade


Órgão: Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB)

Interessados

Interessado: Tribunal de Contas da União

Sumário

REPRESENTAÇÃO. AUDITORIA NOS PROCEDIMENTOS DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO GERIDOS PELA SRFB. NECESSIDADE DE ACESSO A DADOS E INFORMAÇÕES. SONEGAÇÃO. SIGILO FISCAL.

1. O sigilo fiscal não pode ser alegado perante o Tribunal de Contas da União para negar dados e informações necessários aos trabalhos de auditoria.

Assunto

Representação

Ministro Relator

MARCOS VINICIOS VILAÇA

Representante do Ministério Público

MARINUS EDUARDO DE VRIES MARSICO

Unidade Técnica

SEMAG – Sec. de Macroavaliação Governamental

Relatório do Ministro Relator

Trata-se de representação formulada pela equipe de auditoria da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) em face da negativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) em conceder pleno acesso às informações registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).

2. Reproduzo, a seguir, o inteiro teor da representação, onde se encontram descritas as limitações impostas ao trabalhos conduzidos pela equipe de auditoria do Tribunal:

“Em decorrência de determinação exarada no Acórdão nº 3.036/2005-Plenário, a Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) iniciou, no final do segundo semestre de 2006, auditoria de conformidade voltada à verificação dos procedimentos de importação e exportação, notadamente com relação à parametrização das Declarações de Importação (DI) para os canais de fiscalização: verde, amarelo, vermelho e cinza, objeto do processo TC 025.686/2006-7.

Durante a fase de planejamento, verificou-se que, antes mesmo da realização dos procedimentos ligados ao comércio exterior, há a necessidade de habilitação da pessoa física responsável pela pessoa jurídica importadora, exportadora, ou internadora da Zona Franca de Manaus, no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), bem como o credenciamento dos respectivos representantes para a prática de atividades relacionadas com o despacho aduaneiro, perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil. Esse procedimento iniciou-se em 2002, com a edição da Instrução Normativa SRF nº 229/2002, estando desde maio de 2006 disciplinado pela Instrução Normativa SRF nº 650.

O objetivo patente desse procedimento no sistema é criar uma primeira barreira às operações inidôneas envolvendo o comércio exterior, como interposição fraudulenta, contrabando, descaminho, dentre outras. São estabelecidas diferentes modalidades de habilitação, aplicáveis a cada tipo de importador, de acordo com as características de suas operações de importação.

Assim, as empresas e seus representantes devem apresentar uma série de documentos (elencados nas IN’s citadas), que são analisados pelos servidores da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB). As empresas que não conseguirem comprovar uma situação idônea, ou que não possuem capacidade econômico-financeira para realizar as operações pretendidas, têm negada sua solicitação de habilitação, sem prejuízo de eventual reapresentação. Nessa etapa é avaliado também o risco que determinadas empresas apresentam, e que será levado em conta quando da parametrização das DI’s para os canais de fiscalização.

Tendo em vista a importância dessa etapa, a equipe entende que é necessário que se faça uma verificação, amostral, nos processos de habilitação, de molde a verificar se os procedimentos insculpidos na IN/SRF nº 650 estão sendo fielmente seguidos pelos servidores da SRFB encarregados da análise. Para tal, foi solicitado, por intermédio do Ofício nº 221/2007 TCU/Semag (fl. 3), que fosse providenciado à equipe de auditoria acesso aos processos de habilitação no Siscomex situados em Brasília.

Em resposta, o Sr. Secretário da Receita Federal do Brasil, por intermédio do Ofício/RFB/GAB/nº 1.433/2007 (fls. 4/5), negou o acesso solicitado, com base na argumentação apresentada na Nota Coana/Cofia nº 2007/0180. As alegações para a negativa estão lastreadas no mandamus estabelecido no artigo 198, caput, do Código Tributário Nacional, o ‘qual impede a divulgação, precisamente, de informações sobre a circunstância econômico-financeira do contribuinte e que se configuram no objeto específico de análise dos processos em questão.’

O instituto do sigilo fiscal está positivado no artigo 198 da Lei nº 5.172/66, Código Tributário Nacional, transcrito a seguir, já com as alterações realizadas pela Lei Complementar nº 104/2001:

‘Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela LCp nº 104, de 10.1.2001)


§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001

§ 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Parágrafo incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Redação dada pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

I – representações fiscais para fins penais; (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

III – parcelamento ou moratória. (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)’

Da leitura do artigo, deve-se ressaltar, preliminarmente, que as atividades auditoriais no presente trabalho não se encaixam em nenhuma das exceções previstas no §1º. Não há requisição por parte de autoridade judiciária e também não se trata de investigação relativa a prática de infração administrativa cometida por sujeito passivo. O que se deseja é verificar se os procedimentos normativados estão sendo seguidos. Também não há como negar que os processos cujo acesso foi solicitado contêm realmente documentos fiscais individuais relativos aos contribuintes, estando protegidos pelo sigilo fiscal previsto na norma.

Porém, é entendimento apodíctico desta equipe de auditoria que há necessidade de verificação da adequação dos procedimentos de habilitação por parte do Controle Externo. Metaforicamente, a habilitação é a porta de entrada para o comércio exterior, sendo uma etapa de vital importância para uma primeira tentativa de bloquear o acesso das operações a indivíduos inidôneos. Dada essa condição, é imperativo que um trabalho de auditoria na área aduaneira se inicie por ali, de molde a avaliar se as atividades nessa primeira barreira estão sendo realizadas a contento.

A necessidade de franquear o acesso de quaisquer documentos/informações necessárias aos trabalhos já se encontra prevista na Constituição Federal de 1988, lei fundamental que normatizou os contornos do controle externo exercido pelo Congresso, com auxílio do Tribunal, contidos nos artigos 70 e 71, transcritos a seguir, destacando-se o disposto no parágrafo único do art. 70, no qual se estabeleceu às pessoas públicas que administram recursos públicos a obrigatoriedade de prestarem contas de suas atividades, bem como o inciso IV do art. 71, que deixa claro as atribuições do Tribunal com relação a realização das auditorias.

‘Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)’ (grifos nossos)

‘Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;’

Especificamente no que tange ao trabalho em tela, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei nº 8.443/92, em seu primeiro artigo, no qual elenca as suas competências, estabelece que o acompanhamento da arrecadação é uma de suas prerrogativas, ipsis literis:

‘Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:


IV – acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;’

A Lei também estabelece uma série de prerrogativas que os Analistas de Controle Externo, durante os seus trabalhos auditoriais, possuem, as quais podem ser vistas nos artigos 42 e 87, transcritos a seguir.

‘Art. 42. Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado ao Tribunal em suas inspeções ou auditorias, sob qualquer pretexto.

§ 1° No caso de sonegação, o Tribunal assinará prazo para apresentação dos documentos, informações e esclarecimentos julgados necessários, comunicando o fato ao Ministro de Estado supervisor da área ou à autoridade de nível hierárquico equivalente, para as medidas cabíveis.

§ 2° Vencido o prazo e não cumprida a exigência, o Tribunal aplicará as sanções previstas no inciso IV do art. 68 desta lei.’

‘Art. 87. Ao servidor a que se refere o artigo anterior, quando credenciado pelo Presidente do Tribunal ou, por delegação deste, pelos dirigentes das unidades técnicas da secretaria do Tribunal, para desempenhar funções de auditoria, de inspeções e diligências expressamente determinadas pelo Tribunal ou por sua Presidência, são asseguradas as seguintes prerrogativas:

I – livre ingresso em órgãos e entidades sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas da União;

II – acesso a todos os documentos e informações necessários à realização de seu trabalho;

III – competência para requerer, nos termos do regimento interno, aos responsáveis pelos órgãos e entidades objeto de inspeções, auditorias e diligências, as informações e documentos necessários para instrução de processos e relatórios de cujo exame esteja expressamente encarregado por sua chefia imediata.’

Por outro lado, de forma a resguardar a privacidade e o potencial sigilo das informações apresentadas pelos órgãos, a Lei Orgânica estabelece em seu artigo 86, inciso IV, que os Analistas de Controle Externo, durante as suas atividades laborais, são obrigados a ‘guardar sigilo sobre dados e informações obtidos em decorrência do exercício de suas funções e pertinentes aos assuntos sob sua fiscalização, utilizando-os, exclusivamente, para a elaboração de pareceres e relatórios destinados à chefia imediata.’

Há, portanto, uma aparente contradição entre as normas. De um lado, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 198, impede que, salvo as exceções ali previstas, sejam fornecidas informações de caráter fiscal do contribuinte. De outro, a Lei Orgânica concede prerrogativas de acesso ilimitado aos analistas desta Corte durante os seus trabalhos. Deslindar essa questão não é tarefa trivial.

Não é, diga-se de passagem, a primeira vez que equipe de auditoria desta Corte se vê às voltas com alegações relativas ao sigilo fiscal por parte da SRFB. Durante os trâmites processuais, e em decorrência de trabalhos auditoriais realizados por esta Corte, [no âmbito do] TC 015.355/1996-9, o então Secretário da Receita Federal, Sr. Everardo de Almeida Maciel, impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 22.617-0-DF contra os termos das Decisões nº 679/95, 222/96 e 577/96. Foi deferida, pelo Exmo. Sr. Ministro-Relator Francisco Rezeck, a liminar pleiteada, com o seguinte despacho: ‘… que o impetrante não seja obrigado a prestar as informações requisitadas pelo Ofício nº 242/96 do TCU até que o Supremo decida sobre o mérito’.

Ocorre que a decisão de mérito relativa ao mandado de segurança não chegou a ser prolatada, uma vez que com as alterações realizadas no âmbito da Secretaria da Receita Federal, houve mudança de titular, deixando o Sr. Everardo de Almeida Maciel de responder pela mesma, perdendo desta forma o interesse de agir. O Exmo. Sr. Ministro-Relator do mandado de segurança Eros Grau entendeu que as determinações desta Corte de Contas eram de caráter pessoal ao então Secretário da Receita Federal e com a assunção de novo secretário o mesmo não poderia ser mais responsabilizado pelo não atendimento às demandas insculpidas na decisão. Com base nesse entendimento, procedeu-se à extinção do mandado de segurança, não havendo uma pacificação relativa à matéria.

Outros trabalhos de fiscalização, igualmente, já tiveram suas atividades prejudicadas por alegações relativas ao sigilo fiscal por parte da autoridade fazendária. Essa situação tem se tornado comum, ensejando uma perda concreta da capacidade dos analistas desta Corte de Contas de fiscalizarem os procedimentos levados a cabo pelo servidores da Secretaria da Receita em suas atividades funcionais. Esse comportamento solipsístico da SRFB, negando acesso às informações necessárias aos trabalhos auditoriais, não pode perdurar, dado que o interesse público deve estar sempre em primeiro plano.


É entendimento que o direito ao sigilo fiscal não é absoluto, em face de interesse público relevante insculpido na Carta Magna, sobretudo, o direito de realizar uma fiscalização que se insere no escopo das funções do controle externo, ou seja, o de exercer uma atividade-fim de natureza constitucional, que está devidamente fundamentada e autorizada pelo Tribunal. Tal entendimento está alicerçado, por analogia, na jurisprudência do STF quando este se pronunciou sobre o sigilo bancário, por meio do Acórdão relativo à Petição nº 577-5/DF, de 25.03.1992. O Relator, Ministro Carlos Velloso, afirmou que não se tratava de ‘um direito absoluto, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, do interesse da justiça, …’.

Em contraposição a esse entendimento, o Ministro Celso de Mello em seu voto ressalta que, para que seja autorizada a quebra do sigilo, os seguintes requisitos mínimos devem existir: fundamentação do pedido com o indiciamento do acusado, elementos de prova mínimos de autoria ou de delito ou de sua materialidade ou elementos fundados de suspeita, com a existência concreta de indícios e reveladores de possível autoria de prática delituosa. No entender do ilustre magistrado, não é bastante para a quebra de do sigilo o mero suspicionis, sem outros dados mais consistentes. Este foi o posicionamento majoritário do Excelso Pretório que, por maioria dos votos, decidiu indeferir o pedido de quebra de sigilo bancário, ‘por considerá-lo insuficientemente fundamentado e não instruído, ressalvando à autoridade policial a renovação do pedido, adequadamente formulado…’.

Pedindo as vênias de praxe, essa equipe de auditoria entende que tal entendimento não é cabível no âmbito desse trabalho. Não é interesse, ou objetivo, conhecer a situação econômico-financeira de qualquer contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, nem qualquer documentação relativa a esses contribuintes constará dos autos. O que pretende a equipe é unicamente verificar se os procedimentos adotados pelos técnicos da RFB estão de acordo com as normas regentes do processo de habilitação do Siscomex. Como já dito anteriormente, é uma etapa extremamente importante, e que lastreia a análise de risco a qual embasará, em grande parte, a parametrização, ou não, das Declaração de Importação, para um dos canais de fiscalização: amarelo, vermelho ou cinza.

Talvez a melhor opção no presente caso seja entender a necessidade de existência de uma transferência do sigilo fiscal para os auditores do Tribunal, responsáveis pela realização do presente trabalho, os quais já se encontram legalmente obrigados ao sigilo funcional, sob pena de incorrerem em falta com os seus deveres. Ao mesmo tempo, seria feita proposta para que todos os trâmites relativos ao presente processo fossem considerados como sigilosos. É uma solução de compromisso, que ao mesmo tempo que resguardaria o sigilo das informações, permitiria que os trabalhos fossem realizados de forma plena.

Desta feita, propomos ao Sr. Secretário que seja encaminhada a presente Representação ao Exmº Sr. Ministro – Relator Marços Vilaça, no sentido de que o Tribunal assine prazo de 5 (cinco) dias úteis para que a Secretaria da Receita Federal do Brasil franqueie o acesso amplo e irrestrito dos processos de habilitação ao Siscomex a esta equipe de auditoria, com vistas a possibilitar o cumprimento constitucional, legal e regimental de suas obrigações funcionais no que tange aos trabalhos de auditoria.”

3. Em face da relevância da matéria, solicitei o pronunciamento do Ministério Público junto ao TCU. Em atenção ao pedido, o Procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico formulou o parecer de fls. 13/4, do qual extraio a seguinte argumentação:

“Situações como a que ora se examina têm sido enfrentadas pelo Tribunal, reiteradamente. A jurisprudência dessa Casa registra diversas ocasiões em que unidades jurisdicionadas se recusaram a franquear o acesso a documentos e informações protegidas pelo sigilo bancário, fiscal ou comercial (v.g. Decisões nºs 224/94, 670/95, 222/96, 472/96, 577/96, 96/98, 207/98, 230/98, 768/2000, 900/2001, todas do Plenário). Os aspectos mais relevantes, abordados à exaustão, em tais circunstâncias podem, em apertada síntese, ser assim indicados:

a) A garantia de acesso a qualquer processo, documento ou informação no curso das inspeções e auditorias, prevista no art. 42 da Lei nº 8.443/92, decorre diretamente do texto constitucional, uma vez que não é possível admitir que a Carta Política tenha atribuído, ao TCU, a jurisdição sobre quem quer que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos (art. 70, parágrafo único) e, também, a incumbência de realizar auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (art. 71, inciso IV), sem disponibilizar-lhe todas as ferramentas e instrumentos necessários ao desempenho desse mister;


b) O sigilo fiscal tem como objetivo a proteção dos direitos à cidadania, consubstanciados nos princípios de respeito à privacidade e ao sigilo de dados, dispostos nos arts. 145, §1º, e 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, mas não constitui obrigação absoluta, como se pode observar das lições de renomados doutrinadores e, ainda, de deliberações da Corte Suprema, a exemplo da Petição QO 577/DF, in verbis: ‘o sigilo bancário não é um direito absoluto, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, do interesse da Justiça, do interesse social’;

c) O termo ‘divulgação’, presente no art. 198 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN), refere-se a tornar público, propagar ou difundir algo, o que não se aplica ao caso de acesso às informações e documentos requeridos pelo Tribunal, uma vez que estes não se tornam públicos e não são difundidos, prestando-se, unicamente, ao controle externo das unidades que lhe são jurisdicionadas, num ato de transferência que mantém o mesmo grau de sigilo habitualmente dispensado pela autoridade fazendária, permanecendo os servidores do Tribunal sujeitos às mesmas cominações legais a que estão submetidos aqueles que lidam com informações dessa natureza.

Conforme assinalado pela equipe de auditoria, o acesso aos processos requisitados constitui parte importante na realização dos trabalhos determinados pelo Plenário do Tribunal, por intermédio do Acórdão nº 3.036/2005, os quais visam avaliar os procedimentos adotados pela SRFB no que diz respeito à habilitação de contribuintes perante o Siscomex, em conformidade com as normas que regulam a matéria. Trata-se de mais um trabalho realizado no exercício da competência atribuída ao Tribunal, nos termos do art. 1º, inciso IV, da Lei nº 8.443/92, quanto ao acompanhamento da arrecadação da receita a cargo da União e das entidades que lhe são jurisdicionadas.

Relativamente ao MS nº 22.617, a que se reporta a unidade instrutiva, há que se considerar, em primeiro lugar, o efeito inter partes, inerente à via mandamental. Ademais, na eventualidade de o assunto ser levado ao STF, é importante lembrar que, ao permitir a sustentação oral, pelo Consultor Jurídico do TCU, em sede do MS nº 25.181, foi aberto importante canal de discussão da matéria, de especial relevância para que se afastem, em definitivo, os embaraços freqüentemente enfrentados pelo TCU no que diz respeito ao acesso a informações sigilosas.

Finalmente, por se tratar de sonegação de informações ao Tribunal, cabe ressaltar que os procedimentos adotados para encaminhamento da questão são variados. Situações há em que as unidades técnicas representam ao Tribunal, com base no art. 237, inciso VI, do RITCU, muitas vezes visando ao tratamento do feito separadamente da auditoria. Em outros casos, a questão é tratada nos próprios autos de auditoria, consoante a orientação contida no Manual de Auditoria do TCU, aprovado pela Portaria nº 63/96. No caso em exame, parece-nos ser este o melhor encaminhamento a ser dado à matéria, o que dispensa que o Tribunal conheça do expediente apresentado pela equipe de auditoria como representação, sem prejuízo de serem adotadas as providências propostas, com base no art. 42, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº 8.443/92.

À luz de todo o exposto, em atenção à audiência regimental propiciada pelo E. Relator destes autos, manifestamo-nos favoravelmente à proposta formulada pela Semag, em pareceres uniformes (fls. 06/11), no sentido de que o Tribunal fixe prazo para que a Secretaria da Receita Federal do Brasil franqueie o acesso aos processos necessários à realização da auditoria determinada pelo Acórdão nº 3.036/2005-TCU-Plenário, esclarecendo-se ao titular daquela Secretaria que os presentes autos terão tramitação sigilosa e que os analistas encarregados da auditoria e das demais instruções processuais estão obrigados o sigilo pertinente à natureza das informações disponibilizadas.”

É o relatório.

Voto do Ministro Relator

Preliminarmente, assinalo que esta representação deve ser conhecida, por atender o disposto no art. 237, inciso V e parágrafo único, do Regimento Interno/TCU.

2. Os analistas designados pela Semag para realizar auditoria na Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) relatam a negativa do órgão em permitir o acesso da equipe aos processos de habilitação de importadores, exportadores e internadores da Zona Franca de Manaus no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex). A fiscalização em comento foi determinada pelo TCU por meio do Acórdão n° 3.036/2006 – Plenário (Registro Fiscalis n° 622/2006).

3. O acesso da equipe do TCU às infomações foi indeferido com base na Nota Coana/Cofia nº 2007/180, sob a alegação de que os processos requeridos contêm dados sobre a capacidade econômico-financeira de contribuintes, cuja divulgação é vedada, nos termos do art. 198 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN), com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 104/2001.


4. O sigilo fiscal não pode ser alegado perante o Tribunal de Contas da União. A Corte já debateu sobre a questão em algumas oportunidades. A posição foi adotada na Decisão nº 670/1995, confirmada pelas Decisões nºs 222/1996 e 577/96, todas do Plenário. Na oportunidade, o Tribunal entendeu que o “sigilo fiscal de que trata o art. 198 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) não se aplica às ações de fiscalização do Tribunal de Contas da União, sendo, portanto, inadmissível a sonegação de quaisquer processos, documentos ou informações solicitados no exercício das diversas espécies de inspeções ou auditorias realizadas por esta Corte de Contas, em face das normas constitucionais e legais em vigor (art. 70, caput, e 71, incisos e parágrafos da Constituição Federal, art. 42 da Lei nº 8.443/92 e art. 54 da Lei nº 3.470/58), sob pena das sanções previstas em lei (§§ 1 e 2 do art.42 c/c art.58, incisos IV e V, e art. 44 da Lei nº 8.443/92)”.

5. O Relator do referido processo, Ministro Adhemar Ghisi, teceu considerações que julgo pertinente reproduzir:

“7. Primeiramente, urge atentar para o real significado da palavra ‘divulgação’ insculpida no texto legal [CTN Art. 198 – ‘Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades’]. Como bem destacado pelo Sr. Analista José Rui Gonçalves Rosa, segundo o ‘Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa’, Editora Nova Fronteira, 2ª edição, divulgar vem do latim divulgare, ou seja, tornar público ou notório; publicar, propagar; difundir; vulgarizar.

8. Essa é aliás, a concepção que tem tido guarida na doutrina jurídica como podemos citar trechos de matéria publicada pelo Dr. Luiz Marcellos Costa de Brito, Auditor Fiscal, Chefe do Serviço de Julgamento de Processos de Tributos sobre o Comércio Exterior, in ‘Sigilo Bancário – Aspectos Fiscais e Jurídicos’, em que esse afirma que: ‘O sigilo bancário deve ser preservado enquanto garantia que vede a possibilidade de divulgação pública de dados’ sobre a movimentação financeira do cidadão ou das empresas cuja quebra e, por conseguintes, a acessibilidade pública, somente se deve operar por ordem judicial… Todavia, ‘a transferência da informação’ acerca da movimentação financeira em caráter global, do Banco Central para a Receita Federal, ‘não constitui quebra de sigilo bancário, mas apenas uma mudança de endereço do depositário da informação’;…’

9. Cita, ainda, o referido autor o Mandado de Segurança nº 15.925-GB, no qual o STF admite o acesso por parte da autoridade administrativa às informações bancárias, in verbis: ‘…O sigilo bancário só tem sentido enquanto proteger o contribuinte ‘contra o perigo de divulgação ao público’, nunca quando a divulgação é para o fiscal do imposto de renda, que sob pena de responsabilidade, jamais poderá transmitir o que lhe foi dado conhecer’.

10. Verifica-se do exposto que a interpretação dada à vedação contida nos dispositivos legais pátrios, cujos alicerces repousam na garantia dos direitos individuais, refere-se ao acesso à informação para uso de maneira leviana ou vulgar, mas jamais pode ser estendida ao acesso por parte do órgão de Controle Externo da Administração Pública, na consecução de suas atribuições constitucionais.

11. Ademais, pouco interessa a esta Corte a situação econômico-financeira dos contribuintes, uma vez que a ênfase dos trabalhos esteia-se na ação da Receita enquanto órgão responsável pela arrecadação de tributos federais.

12. Importa ressaltar, ainda, que o acesso aos processos fiscais dar-se-á por meio de processo administrativo regular, o qual também encontra-se resguardado pelo dever de sigilo imposto aos nossos técnicos, conforme disposto no art. 86 da Lei nº 8.443/92, in verbis: ‘Art. 86. São obrigações do servidor que exerce funções específicas de controle externo no Tribunal de Contas da União: I – …… II – …… III – …. IV – guardar sigilo sobre dados e informações obtidos em decorrência do exercício de suas funções e pertinentes aos assuntos sob sua fiscalização, utilizando-os, exclusivamente, para a elaboração de pareceres e relatórios destinados à chefia imediata.’

13. Podemos, inclusive, afirmar que tanto o legislador já previa o acesso a dados sigilosos por parte dos funcionários desta Corte, que se não bastasse esse dever de sigilo que obriga o analista foi prevista, ainda, a tramitação no âmbito deste Tribunal de processos em caráter sigiloso, quando a matéria assim o requerer. O que implica em dizer que na realidade não se está tratando aqui de quebra de sigilo fiscal, mas sim de simples transferência da informação, cabendo ao caso os mesmos comentários expendidos pelo digno Auditor Fiscal retrocitado.


14. Ainda que assim não o fosse, chamo atenção para o fato de que se tem firmado entendimento entre os estudiosos da questão que o sigilo bancário não pode ser utilizado para acobertar atitudes ilícitas. Daí a concepção de que não se configura quebra de sigilo as informações prestadas pelas instituições financeiras para o cadastro de emitentes de cheque sem fundo ou mesmo para o Serviço de Proteção ao Crédito.

15. No caso em exame não foram requisitados dados relativos aos contribuintes privados em situação regular com o fisco, mas processo em andamento em que se apura a ocorrência de impropriedades fiscais, o que por si só afastaria a proteção do sigilo fiscal no que tange aos envolvidos, segundo a melhor doutrina jurídica. Afinal, deve sempre prevalecer o interesse coletivo sobre o individual.

16. Entendendo superado o primeiro obstáculo levantado pelo Sr. Superintendente-Substituto da 1ª RF, ao referir-se à vedação da ‘divulgação’ aos nossos técnicos das informações fiscais, conforme disposição contida no caput do art. 198 do CTN, passemos para o seguinte relativo ao fato de o TCU, quando em realização de inspeção/auditoria por iniciativa própria, não estar revestido da prerrogativas atribuídas pela Carta Magna às Comissões Parlamentares de Inquérito, qual seja, de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais…’, não estando, assim, incluído entre as hipóteses que permitem o acesso aos dados sigilosos contempladas no art. 198 da Lei nº 5.172/66.

17. Nesse aspecto, cabe trazer à colação um paralelo do posicionamento esposado pelo Douto Procurador-Geral, em exercício, junto a esta Corte, relativamente à norma do sigilo bancário que assim como a norma referente ao sigilo fiscal, foi recepcionada pela nova Constituição, o qual enfoca, de forma esclarecedora, a interpretação das normas legais, demonstrando a coerência da legislação pátria.

18. Com arrimo nos lúcidos comentários realizados pelo Douto Procurador, no TC 021.279/92-6, Ata nº 12/94-Plenário, pode-se afirmar que apesar de o Código Tributário Nacional ter sido recepcionado pela Constituição de 1988 como Lei Complementar, tendo sua vigência preservada, claro está que esse abrigo não se dá em detrimento das novas normas constitucionais.

19. A própria Carta Magna atribuiu, em seu art. 71, competência a este Tribunal para realizar auditoria operacional, que pela sua própria definição técnica implica em acesso amplo e irrestrito às informações gerenciais e operacionais que envolvem a atividade do órgão auditado. Outro entendimento a ser dado a este tipo de trabalho, seria pretender afirmar que os constituintes de 1988 ignoravam o alcance que tencionavam galgar no caminho da fiscalização do Poder Executivo, dentro da boa e salutar teoria da Tripartição do Poder abraçada por nosso país.

20. Logo, o Código Tributário Nacional não pode impedir que a norma maior superveniente produza sua eficácia plena, ao limitar o sentido amplo e único da auditoria operacional a ser executada por esta Corte. Dessa feita, entendo pacífica a atribuição dada a esta Corte e não vislumbro qualquer conflito de competência legal, já que as ações deste Tribunal se acham amparadas na própria Norma Constitucional, Lei Maior com preponderância sobre a legislação infraconstitucional.

21. Essa interpretação encontra arrimo na hermenêutica do direito, que segundo trecho citado pelo Procurador, da obra do mestre Carlos Maximiliano: ‘Interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição. Assim se entendem os que favorecem algumas profissões, classes ou indivíduos, excluem outros, estabelecem incompatibilidades asseguram prerrogativas, ou cerceiam, embora temporariamente, a liberdade, ou as garantias da propriedade. Na dúvida, siga-se a regra geral. Entretanto, em Direito Público esse preceito não pode ser aplicado à risca: o fim para que foi inserto o artigo na lei sobreleva tudo. Não se admite interpretação estrita que entrave a realização plena do escopo visado pelo texto. Dentro da letra rigorosa dele procure-se o objetivo da norma suprema; seja este atingido, e será perfeita a exegese’.

22. Na auditoria obstruída pela SRF, a partir da recusa em permitir o acesso aos processos fiscais requisitados pela equipe deste Tribunal, o interesse versa sobre os procedimentos adotados pela Receita Federal no trâmite do processo fiscal, as causas que provocam seu retardamento, os entraves observados para o bom desempenho da ação do Fisco, o tempo médio para sua remessa à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para fins de cobrança, etc. Para tal avaliação há a imperiosa necessidade de se examinar os processos , não com enfoque nas informações acerca dos contribuintes, mas sim, com ênfase na atuação da Receita Federal na condução dos mesmos.


23. Fácil depreender que a negativa no fornecimento dos documentos solicitados inviabilizou a consecução da tarefa imposta aos nossos técnicos dentro da área de sua atribuição, e, coincidentemente, pouco mais de 1 (um) mês após a interrupção dos trabalhos de auditoria, deparamo-nos com matéria alusiva à irregularidades nos mais diversos setores da Receita Federal, intitulada ‘O porão do Fisco- Encarregada de fiscalizar o contribuinte, a Receita Federal está contaminada pela corrupção’ – in Revista Veja, de 06.09.95, págs. 34/36. 24. Nessa matéria são apontados desaparecimento de processos fiscais; erros verificados na preparação de boa parte dos processos em andamento; atrasos em processo que envolve montante significativo de recursos e com suspeita de crimes, o que teria prioridade absoluta de tramitação, segundo as normas, etc.

25. Essas notícias demonstram com clareza a conveniência e oportunidade da auditoria a ser realizada pelo Tribunal, em prol do interesse público e da necessidade indiscutível da transparência dos procedimentos desenvolvidos por cada órgão da administração pública no desempenho de suas respectivas competências.

26. Não pode a Receita Federal, sob a alegação de sigilo fiscal, tornar-se exceção no universo de entes públicos a inviabilizar a consecução da competência constitucional atribuída a esta Corte, mormente no que se refere à realização de auditoria operacional, a qual se constitui no caminho para modernização do controle estatal, haja vista sua finalidade precípua consubstanciada na busca da eficiência e eficácia da atuação dos órgãos e entidades públicas.”

6. Recentemente, o Tribunal reafirmou esse entendimento por meio do Acórdão nº 801/2005-Plenário. Na oportunidade, fixou-se prazo para que o Secretário da Receita Federal apresentasse as informações solicitadas, alertando-o que, descumprida a exigência, estaria sujeito à sanção prevista no art. 58, IV, da Lei nº 8.443/92.

7. Não bastassem as prerrogativas legais e constitucionais desta Corte de Contas, que, por si só, já asseguram o acesso às informações necessárias ao cumprimento de nossa missão, é importante ressaltar que o objetivo da auditoria não é conhecer a situação econômico-financeira de qualquer contribuinte, mas, sim, verificar a conformidade dos procedimentos adotados pela autoridade fazendária às normas que regulam a habilitação no Siscomex. Considerando que o acesso aos dados dos contribuintes é instrumental em relação a este processo, não constituindo seu objetivo, não haverá exposição de informações sigilosas nos relatórios e decisões que serão elaborados. Ademais, não existem motivos para que o acesso às informações requeridas não seja entendido como uma transferência do sigilo fiscal para os analistas do TCU.

8. Finalmente, como compromisso da preservação das informações prestadas, deverá ser dispensado tratamento sigiloso a todos os elementos do processo.

9. Dessa forma, acolho a proposta da Unidade Técnica. Registro apenas que o Ministro de Estado da Fazenda deverá ser comunicado do fato, em face do que dispõe o art. 42, § 1º, da Lei n.º 8.443/92.

Ante o exposto, Voto por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à deliberação do Plenário.

TCU, Sala das Sessões, em 5 de setembro de 2007.

MARCOS VINICIOS VILAÇA

Ministro-Relator

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação formulada pela Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag), acerca da sonegação de informações pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da representação, nos termos do art. 237, inciso V e parágrafo único, do Regimento Interno do TCU, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. assinar prazo de 15 (quinze) dias úteis para que o Titular da Secretaria da Receita Federal do Brasil apresente os documentos e informações já requeridas pela equipe de auditoria, alertando-o que o descumprimento da deliberação sujeita-o à aplicação da multa prevista no art. 58, inciso IV, da Lei nº 8.443/92, nos termos do art. 42, § 2º, da mesma Lei; e esclarecendo-o que os presentes autos terão tramitação sigilosa, bem como os analistas encarregados da auditoria e das demais instruções processuais estão obrigados ao sigilo pertinente às informações disponibilizadas;

9.3. dar ciência desta deliberação ao Ministro de Estado da Fazenda, nos termos do art. 42, § 1º, da Lei nº 8.443/92.

Quorum

13.1. Ministros presentes: Walton Alencar Rodrigues (Presidente), Marcos Vinicios Vilaça (Relator), Valmir Campelo, Guilherme Palmeira, Ubiratan Aguiar, Benjamin Zymler, Augusto Nardes e Raimundo Carreiro.

13.2. Auditor convocado: Augusto Sherman Cavalcanti.

Publicação

Ata 37/2007 – Plenário

Sessão 05/09/2007

Aprovação 06/09/2007

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