Pena adequada

É dever do juiz descriminalizar condutas sempre que puder

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11 de janeiro de 2008, 16h50

Sempre que puder, o juiz deve aplicar o Direito Penal de forma restritiva para que a punição não seja desproporcional ao crime cometido. O entendimento é da 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores absolveram Noel Rosa da acusação de furto de um carrinho de mão e um tambor plástico, avaliados em R$ 45.

Noel foi condenado em primeira instância a um ano, quatro meses e 10 dias de reclusão, em regime fechado. Sua defesa apelou ao Tribunal de Justiça. Sustentou falta de provas. O desembargador Vico Mañas, relator, não analisou apenas a questão levantada pela defesa. Mas reconheceu que o furto não provocou qualquer abalo do patrimônio da vítima, o que, por si só, já justifica a absolvição.

De acordo com o relator, é dever do juiz descriminalizar condutas, sempre que puder. “A moderna dogmática penal fornece diversas técnicas para que se possa alcançar tal objetivo, sem que se abra mão da segurança jurídica do sistema. Exemplos são os princípios da adequação social e da insignificância.”

De acordo com Mañas, aplicar para os condenados ou acusados o princípio da insignificância só implica em insegurança jurídica quando o juiz não consegue estabelecer critérios “sistemáticos ou científicos” em sua decisão.

“Não se trata apenas de ter em conta pontos de vista político-criminais na aplicação da lei, como costumeiramente se vê na jurisprudência brasileira (as conhecidas absolvições em nome da ‘boa política criminal’). É preciso ir mais longe, conciliando a política criminal com a segurança jurídica que proporciona a claridade do sistema, evitando-se a arbitrariedade”, afirmou.

O desembargador concluiu o voto afirmando que “o Direito Penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando com bagatelas. A adoção do princípio da insignificância é o caminho sistematicamente correto e com base constitucional para a descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atinjam de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal”.

Em outro caso semelhante, a mesma 12ª Câmara Criminal absolveu Marciel Fernando Ferreida, também da acusação de furto. Ele subtraiu a imagem de uma santa vendida em bar. O objeto foi avaliado em R$ 15.

Neste processo, o desembargador Sydnei de Oliveira Júnior, relator, afirmou que é o juiz, “como o último operador do Direito a se manifestar em certa causa criminal”, o responsável por refletir se é realmente necessário impor a pena mais grave para o réu.

“Já é chegada a hora de dar vida à exata proporcionalidade entre a pena criminal e a significância do bem jurídico vilipendiado. E, nos casos em que a afetação deste for de grandeza diminuta, sem conseqüências maiores para a ordem social estabelecida, deve-se entender ausente a razão para imposição de reprimenda penal, diante da pequenez da significação social do fato cometido. Essa intelecção não destoa do direito posto. Pelo contrário, faz vivificar os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade”, registrou o desembargador.

Casos

Absolver acusados por furtos de pouco valor já faz parte da jurisprudência brasileira. Recentemente, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, trancou a Ação Penal contra um idoso acusado de furtar espigas de milho avaliadas em R$ 35.

Em diversas outras ocasiões, o Superior Tribunal de Justiça também já mandou trancar Ação Penal ou libertar denunciados por pequenos furtos. Em 2006, por exemplo, a 6ª Turma aplicou o princípio da bagatela para trancar ação contra um rapaz processado pelo furto de quatro frascos de desodorante em um supermercado. O preço somado dos produtos era de R$ 9,96. A mesma turma também concedeu Habeas Corpus para livrar da cadeia dois condenados pelo furto de seis frangos, avaliados em R$ 21.

Há quase três anos, o ministro Celso de Mello concedeu liminar em Habeas Corpus para determinar a suspensão da condenação de oito meses de reclusão imposta a um rapaz que furtou uma fita de vídeo-game avaliada em R$ 25.

Em março de 2006, o juiz Marcelo Semer, da 15ª Vara Criminal de São Paulo, absolveu Euclides de Araújo Valério da condenação de furto. Ele entrou numa das lojas da rede de hipermercados Extra, em São Paulo. Escondeu sob a blusa um rolinho de espuma para pintura e saiu. O produto valia R$ 1,67.

Baseado no princípio da insignificância, o juiz Semer criticou a denúncia: “Definir crime nestas circunstâncias, furto de valor irrisório, lesões ínfimas ou quase imperceptíveis aos bens jurídicos tutelados, no caso o patrimônio da vítima (que se autodenomina hipermercado), é exercitar a atuação repressiva sem lastro na preservação da dignidade humana, fim último do próprio direito penal”.

Para ele, “a despeito de corresponder formalmente a um delito patrimonial, a ação do acusado não atingiu de forma relevante a integridade do patrimônio da vítima”.

Processo 990.719.3/8 e Processo 1.120.771.3/6

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