Judicialização da política

Em 2008, STF ainda terá de intervir em questões políticas

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9 de janeiro de 2008, 10h05

[Editorial publicado no jornal O Estado de S.Paulo, desta quarta-feira, 9 de janeiro de 2008]

Depois do que ocorreu em 2007, quando mandou aplicar às greves do funcionalismo público as mesmas regras a que estão sujeitos os trabalhadores da iniciativa privada e decidiu que os mandatos parlamentares pertencem aos partidos e não aos eleitos, o Supremo Tribunal Federal (STF) continuará sendo forçado, em 2008, a intervir em questões que normalmente caberia ao Legislativo ou ao Executivo resolver.

Às vezes por causa do grande atraso do Congresso na votação de leis complementares à Constituição; outras, por causa de abusos cometidos pelo Executivo em matéria tributária; e outras ainda, por falta de legislação sobre questões éticas, como aborto e células-tronco; o STF está sendo solicitado a intervir cada vez mais em litígios do dia a dia da sociedade, provocando aquilo que se define como “fenômeno da judicialização da política e da economia”.

Um dos processos que o STF terá de julgar este ano trata da constitucionalidade do regime de cotas especiais para negros e estudantes egressos de escolas públicas nas universidades, contra o qual se insurgiu a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen). Entre os litígios mais polêmicos, dois se destacam. O primeiro diz respeito ao aborto para grávidas portadoras de fetos sem massa encefálica, cuja legalização é defendida pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde. O segundo caso trata da utilização de células-tronco embrionárias para pesquisas científicas e terapia. O uso de embriões humanos é permitido pela Lei de Biossegurança, mas, em 2005, o então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, questionou sua constitucionalidade.

No plano econômico, estão na pauta do STF sete questões de Direito Tributário decorrentes de antigos pacotes fiscais e que envolvem, no total, cerca de R$ 100 bilhões. De um lado está a União e, de outro, instituições financeiras, seguradoras, grandes empresas, como a Embraer e a Companhia Siderúrgica Nacional, e entidades corporativas, como a OAB. São mais de 30 mil processos que discutem a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, a exclusão da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da base de cálculo do Imposto de Renda, a incidência dessa contribuição sobre os profissionais liberais, a legalidade do aumento de 2% para 3% da alíquota da Cofins, o prazo de validade para o uso de crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a utilização de precatórios alimentares vencidos para o pagamento de tributos.

Alguns processos tramitam há mais de dez anos e, por causa das sucessivas substituições de ministros que se aposentaram, até hoje não foram julgados em caráter definitivo. Outros litígios bilionários já estavam praticamente decididos, mas, com a indicação de sete novos ministros pelo presidente Lula, nos últimos cinco anos, as partes interessadas pediram sua reabertura, com o objetivo de tentar reverter a tendência dos julgamentos. Há, inclusive, casos em que tanto as autoridades fazendárias quanto bancos e grandes empresas tentam alterar a jurisprudência já firmada pelo STF, alegando que ela está desatualizada ou que surgiram fatos novos criados pela evolução econômica, pela estabilização da moeda e por mudanças da legislação.

Dependendo de seu desfecho, os litígios que envolvem matéria de Direito Tributário podem afetar as finanças públicas. Na discussão da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, por exemplo, o Ministério da Fazenda pediu ao Supremo para que, se votar contra o governo, a corte não declare a retroatividade da decisão, uma vez que isso exigiria a devolução de cerca de R$ 70 bilhões de tributos já cobrados e recolhidos. O mesmo ocorre no litígio sobre a utilização do crédito-prêmio do IPI. O governo vinha perdendo a votação, mas, com a chegada dos sete novos ministros indicados por Lula, a tendência mudou e os exportadores alegam que, se forem derrotados, não terão como devolver os R$ 30 bilhões de créditos por eles já utilizados.

Como se vê, em 2008, o STF continuará tendo tanta visibilidade política quanto o Executivo e o Legislativo no dia-a-dia do país.

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