Novas famílias

Justiça gaúcha reconhece união de 25 anos entre duas mulheres

Autor

8 de janeiro de 2008, 13h13

O casamento civil deve ser considerado direito humano, não privilégio heterossexual. O entendimento é do juiz Roberto Arriada Lorea, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre (RS), que reconheceu como união estável a convivência de 25 anos entre duas mulheres. Com a decisão, uma das mulheres, hoje com 63 anos, terá direito sobre o patrimônio da companheira que já morreu. Cabe recurso da decisão.

O juiz destacou que o ordenamento jurídico brasileiro veda qualquer forma de discriminação e o casamento é um direito de todos, independentemente de orientação sexual. Roberto Arriada Lorea citou diversos julgados, inclusive da Suprema Corte dos Estados Unidos, que em 2003 entendeu que a possibilidade de ter filhos não é condição para o casamento. E traçou um paralelo do caso com o Direito no Brasil: “A concepção de família condicionada à geração de prole não está respaldada pelo ordenamento jurídico brasileiro”.

A ação foi ajuizada visando o reconhecimento da união estável desde 1980 até a morte da companheira, em 2005. Elas se conheceram no prédio em que moravam. De acordo com o processo, os vizinhos sabiam do relacionamento, bem como os familiares e colegas de trabalho de ambas.

O juiz Roberto Arriada Lorea, ao analisar o pedido, ressaltou que a segregação de homossexuais, restringindo-lhes direitos em razão de sua orientação sexual, é incompatível com o princípio da dignidade humana, expresso no artigo 1º da Constituição Federal. “Conviver com essa desigualdade é aceitar o apartheid sexual”, destacou.

Vanguarda gaúcha

O juiz ressaltou que a definição legal da família brasileira contempla os casais formados por pessoas do mesmo sexo. E destacou, ainda, a edição da Instrução Normativa 25/2000, do INSS, que assegura benefícios previdenciários ao companheiro, independentemente da orientação sexual do casal.

De acordo com o juiz, ficou comprovada a existência da relação pública entre as duas mulheres, de forma duradoura e contínua. “Além das testemunhas, há farta prova documental sobre o relacionamento estável.” A união foi formalizada por meio de documento, em 1981, assinado por testemunhas. As duas anexaram aos autos, inclusive, álbum de família.

Ainda de acordo com o juiz, embora a “certidão de casamento” não tenha sido registrada, “nem por isso deixa de traduzir inequívoca manifestação de vontade das partes”. O próprio Ministério Público o qualificou como “prova irrefutável de que houve o efetivo consórcio entre a autora e a falecida”.

União estável

Pedidos de reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo não param de chegar à Justiça. Caso recente aconteceu em Minas Gerais. Em outubro passado, o juiz Luiz Artur Rocha Hilário, da 27ª Vara Cível de Belo Horizonte, reconheceu união entre duas mulheres com base no princípio da igualdade.

“Como o princípio da igualdade significa conceder tratamento isonômico aos cidadãos, é plausível o reconhecimento de união estável entre duas mulheres” entendeu o juiz. De acordo com o processo, as duas mulheres viveram juntas por 15 anos, desde 1988, até a morte de uma delas, em maio de 2003.

Outra decisão recente foi do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou a inclusão de um companheiro homossexual como dependente em plano de saúde. A 6ª Turma do TRF-1 decidiu, por unanimidade, que a Fundação de Seguridade Social (Geap) deve incluir o companheiro do titular no plano de saúde.

A discussão já chegou às portas do Supremo Tribunal Federal. Ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade há dois anos, o ministro Celso de Mello afirmou que a união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como “sociedade de fato”. A manifestação foi pioneira no âmbito do Supremo e indicou que a discussão sobre o tema deve ser deslocada do campo do Direito das Obrigações para o campo do Direito de Família.

A opinião do ministro foi explicitada no exame de uma ação proposta pela Associação Parada do Orgulho Gay, que contestou a definição legal de união estável: “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (artigo 1.723 do Código Civil).

Celso de Mello extinguiu o processo por razões de ordem técnica, mas teceu considerações sobre o que afirmou ser uma “relevantíssima questão constitucional”. O ministro entendeu que o STF deve discutir e julgar, em novo processo, o reconhecimento da legitimidade constitucional das uniões homossexuais e de sua qualificação como “entidade familiar”. Ele chegou até mesmo a indicar o instrumento correto para que a questão volte ao Supremo: a ADPF, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.


Leia a decisão

COMARCA DE PORTO ALEGRE

2ª VARA DAS FAMÍLIAS E SUCESSÕES

PROCESSO Nº 001/1.06.0178794-7

A: A. T.

R: SUCESSÃO DE V. S. S.

JUIZ DE DIREITO: ROBERTO ARRIADA LOREA

APARTHEID SEXUAL. A segregação de homossexuais, restringindo-lhes direitos em razão de sua orientação sexual, é incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no primeiro artigo da Constituição Federal. A nova definição legal da família brasileira (Lei nº 11.340/06) contempla os casais formados por pessoas do mesmo sexo, conforme antecipado pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, através do Provimento 06/04-CGJ. Concepções religiosas de família não podem ser impostas através do Estado-juiz. No ordenamento jurídico brasileiro, porque vedada qualquer forma de discriminação, o casamento civil está disponível para todos, independentemente de sua orientação sexual. Ação julgada procedente, para reconhecer a família constituída pela autora e sua companheira, que conviveram em união estável por 25 anos.

1. RELATÓRIO

A parte autora ajuizou demanda visando ao reconhecimento da união estável mantida por vinte e cinco anos com sua companheira, a qual terminou em face da morte desta última, ocorrida em 31/07/2005. Narra a inicial que ambas se conheceram em 1997, e que após breve namoro decidiram viver juntas no ano de 1980. Junta “certidão de casamento” de ambas, referindo que se tratou de uma brincadeira sugerida por amigas, a qual resultou no documento de fl.11-13, onde ficou registrada a vontade mútua de constituir uma família através do casamento. Referido documento define o regime de comunhão parcial de bens. Trata-se de documento datado de 07 de março de 1981, assinado por ambas as contraentes, além de várias testemunhas.

Sustenta a petição inicial que o relacionamento afetivo-sexual havido entre a autora e sua companheira falecida está demonstrado através da documentação juntada com a inicial, bem como será também demonstrado através de prova testemunhal.

Postula Assistência Judiciária Gratuita.

Emendando a inicial (fl. 133), a parte autora corrigiu a grafia do nome da companheira, posto que havia sido inicialmente grafada como Verginia, quando o correto é V.. Também foi juntada aos autos a certidão de inexistência de dependentes habilitados à pensão por morte junto à Previdência Social (fl. 134).

Citados, os interessados Pedro, Beatriz e Regina, comapareceram aos autos, declarando seu conhecimento sobre a relação homoafetiva mantida entre a autora e a falecida V., conforme documentos de fls. 152-154.

Citado Ivanir, fl. 158, restou silente, conforme certidão de fl. 158, verso. Realizada audiência, fl. 170, foi colhido o depoimento pessoal da autora e ouvidas as testemunhas.

Encerrada a instrução, tendo em vista a ausência de resistência ao pleito, oportunizou-se desde logo o parecer final do Ministério Público, o qual opinou pela incompetência do Juízo da Vara de Família para apreciar a demanda e, no mérito, pela improcedência do pedido em face da impossibilidade jurídica do mesmo.

É o sucinto relato.

Passo a decidir.

2. PRELIMINAR

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pacificou a matéria relativa à competência das Varas de Família para o julgamento de feitos como o presente, onde se postula o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Todavia, a reiteração, por parte do Ministério Público, de argumentos que se pensavam já superados pelo atual estágio do debate no seio da magistratura, enseja um resgate da trajetória jurídica que conduziu ao atual momento do Poder Judiciário gaúcho, retomando-se a velha questão, trazida como preliminar.

Do mesmo modo, retomarei, ainda que brevemente, a questão da possibilidade jurídica do pedido, apenas por respeito ao Ministério Público, cujo parecer propõe rediscutir essa etapa da implementação da cidadania sexual – em que pese já ultrapassada também essa fase do debate no âmbito do TJRS.

2.1 Quem deve julgar os homossexuais?

Em 1999 houve a primeira decisão do TJRS atribuindo à Vara de Família a competência para o julgamento de pedidos de reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Naquele período, o debate técnico-jurídico versava sobre se as relações entre pessoas do mesmo sexo deveriam ser tratadas no âmbito do direito civil à luz dos princípios do direito mercantil ou à luz dos princípios que regem as relações familiares.


Veja-se que o ponto discutido não era propriamente o reconhecimento ou não das uniões entre pessoas do mesmo sexo. A questão, prévia, era definir a quem competia examinar as demandas que pleiteavam o reconhecimento judicial de efeitos jurídicos às uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Em voto pioneiro[1], o Des. Breno Mussi, sustentou que a competência para a apreciação dessa matéria era das Varas de Família, valendo-se dos seguintes argumentos:

Ao optar por especializar determinados juízes para certos temas, o Rio Grande do Sul previu a preparação profissional específica, fazendo com que o juiz cada vez mais se aprofundasse e tivesse melhores condições para enfrentar a matéria.

Quando entramos em tema de homossexualidade, tudo se põe mais flagrante. Apesar de a Constituição dizer que não se pode discriminar, nós o fazemos com freqüência. Desconheço, por exemplo, que no quadro da Magistratura gaúcha haja algum homossexual declarado. E tenho certeza de que, apresentando-se alguém, em tais condições, querendo ser Juiz, terá a sua inscrição repelida, mesmo sendo pessoa com as melhores qualificações.

A orientação sexual é direito da pessoa, atributo da dignidade. O fato de alguém se ligar a outro do mesmo sexo, para uma proposta de vida em comum, e desenvolver os seus afetos, está dentro das prerrogativas de cada pessoa. A identidade dos sexos não torna diferente, ou impede, o intenso conteúdo afetivo de uma relação emocional, espiritual, enfim, de amor, descaracterizando-a como tal.

Esta circunstância é por demais relevante. O fato de serem as litigantes do mesmo sexo não impediu a concretização de um relacionamento afetivo entre ambas, com conseqüências idênticas aos entretidos pelos casais de sexos diversos.

Não há artigo de lei que proíba uma relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo. Aliás, nem poderia, ante as garantias constitucionais.

Com certeza, no caso em discussão, não estamos frente a um negócio jurídico, a ser solvido pelas varas cíveis generalistas.

O relacionamento entre as partes foi bem mais além, pois teve curso, do início ao fim, nos sentimentos que estimulam emocionalmente as pessoas, cujas sutilezas correspondem ao que levou o legislador gaúcho a especializar as varas de família. Como a Constituição proíbe a discriminação pelo sexo, sou pelo exame da causa junto ao juízo especializado.

Os demais desembargadores que participavam da sessão também se manifestaram, ambos reforçando os argumentos trazidos pelo relator, consolidando a unanimidade do julgamento. O Des. José Trindade acrescentou que:

Consubstanciada ficou a competência das Varas e Câmaras de Família, para apreciar as ações referentes ao concubinato – atualmente união estável – mantida entre o homem e a mulher.

Discriminação, à toda evidência, não pode ser feita quando se tratar de união entre pessoas do mesmo sexo, por afronta à Carta Magna que proíbe qualquer discriminação.

Por sua vez, o Des. Antônio Pereira, acompanhando os votos anteriores, afirmou a competência das Varas de Família para o julgamento dos pedidos de uniões entre pessoas do mesmo sexo, destacando que:

Os sentimentos que motivam duas pessoas do mesmo sexo a viverem juntas são os mesmos que motivam os heterossexuais. A preferência sexual é pessoal de cada homem ou mulher. No mais das vezes, há mais fidelidade, amor e respeito entre os homossexuais do que entre os heterossexuais. Se para os heterossexuais os homossexuais são diferentes, estes, em seus direitos, não podem ser diferenciados só porque a nossa sociedade judaico-cristã tem como padrão de comportamento sexual a heterossexualidade.

Nesse mesmo ano (1999) surge uma segunda decisão[2] afirmando a competência das Varas de Família para o julgamento dos pedidos de reconhecimento judicial de uniões homossexuais.


A Dra. Marilene Bernardi, relatora do processo, afirmou a competência da Vara de Família, sob os seguintes fundamentos:

A legislação que dispõe sobre a organização judiciária estabelece a especialização de juízes em determinadas matérias. Tal medida possui o escopo de obter-se o aprofundamento do conhecimento do profissional de maneira a alcançar-se o paradigma ideal, ou seja, justiça, na melhor acepção da palavra.

O pedido principal vai ao encontro de um fator social evidente, que anseia por uma análise consciente e ausente de preconceitos, pois assim pede o tema, sob pena de, negando-se a discussão, fechar-se os olhos à realidade social.

Realidade esta que apresenta pessoas do mesmo sexo convivendo em uma relação amorosa, impregnada dos deveres inerentes a ambos os cônjuges trazidos pelo instituto do casamento, entre eles a fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal e mútua assistência.

Não se deseja enquadrar ou intitular tais relações como uma hipótese de casamento, este acompanhado de todas as suas formalidades legais, mas sim, e apenas isso, dar o devido reconhecimento a uma situação de fato, eis que não pode o mesmo Estado que estabelece como princípio constitucional a não discriminação, persistir na marginalização dos seus.

Desde então, no Rio Grande do Sul, não pairou mais dúvida sobre a questão da competência para o exame das causas versando sobre uniões entre pessoas do mesmo sexo. O que se viu nas poucas decisões que se seguiram acerca desse tema foi uma oportunidade para que se fortalecessem os argumentos em favor do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Considerando-se que o argumento central para essa definição foi a exigência constitucional de um tratamento igualitário relativamente às uniões informais entre duas pessoas, sejam de sexos diferentes, sejam do mesmo sexo, prenunciava-se a inclusão das uniões entre homossexuais ou lésbicas na categoria união estável, constitucionalmente prevista (para heterossexuais) desde o advento da Constituição Federal de 1988.

Nesses termos, fica afastada a preliminar de incompetência do Juízo da Família, mesmo que, formalmente, haja sido formulada à revelia dos aspectos formais inerentes a uma tal arguição.

2.2. Pode mulher com mulher?

Definida a competência das Varas de Família para apreciar os pedidos de reconhecimento judicial das uniões entre pessoas do mesmo sexo, viu-se delimitado o universo de magistrados habilitados a enfrentar o tema.

A etapa seguinte parecia ser a consolidação da jurisprudência no sentido de reconhecer às uniões entre pessoas do mesmo sexo os mesmos efeitos das uniões entre pessoas de sexos diferentes, tratando-as, todas, como uniões estáveis. Os fundamentos das decisões que definiram a competência das Varas de Família apontavam para esse rumo, na medida em que explicitavam uma defesa da igualdade de tratamento para todas as uniões, independentemente da orientação sexual de seus integrantes.

Todavia, ainda havia uma outra etapa a ser ultrapassada antes de se enfrentar a questão de fundo. Em oposição ao reconhecimento das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, passou-se a questionar[3] a possibilidade jurídica do pedido.

Sobre esse ponto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, TJRS, manifestou-se em decisão unânime do ano de 2000, tendo como relator o Desembargador José Trindade, rechaçando a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido:

HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento da união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer forma de discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições precisam ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocessos e para que as individualidades e coletividades possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida.[4]


A contundência do julgado certamente não impediu que novamente se levantasse a preliminar em processos versando sobre a mesma matéria. Embora superada a questão no âmbito do Tribunal gaúcho, decorridos sete anos desse julgado, continuam havendo argüições preliminares no sentido da impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de efeitos jurídicos às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, que vão sendo superadas uma a uma.

Um outro aspecto que merece ser destacado diz respeito ao fato de que, ao estabelecer que é cabível o processamento de pedidos relativos à união estável entre pessoas do mesmo sexo, desde logo aponta a decisão para a possibilidade de seu reconhecimento pelo Poder Judiciário.

Esse acórdão paradigmático, se por um lado não esgotou o debate sobre a questão preliminar, por outro, foi decisivo para instalar o debate sobre a questão de fundo. Isso porque, em grande medida, cristalizou os pontos controvertidos a serem enfrentados nos julgamentos futuros sobre o tema das uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Por isso, interessa aqui examinar um ponto específico que foi levantado no acórdão, posto que passou a balizar os debates que se seguiram no enfrentamento do tema pela magistratura gaúcha.

O caso concreto, segundo o relatório do acórdão, versava (à semelhança do caso destes autos) sobre um pedido de reconhecimento póstumo de uma união entre dois homens, cuja prova dos autos demonstrava terem convivido “por quatorze anos ininterruptos, publicamente, sem outra união paralela, com compromisso de fidelidade, mútua assistência, manutenção e fortalecimento do patrimônio, visando certamente, criar um núcleo familiar”[5].

Estabelecidos os fatos que dão causa ao pedido, passaram os julgadores a examinar o direito a ser aplicado a esses fatos, destacando o relator, Des. José Trindade os dispositivos constitucionais, que devem ser interpretados hierarquicamente:

Com efeito, a Carta Magna traz como princípio fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).

Como direito e garantia fundamental, dispõe a Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput).

Conforme ensinamento mais básico do Direito Constitucional, tais regras por retratarem princípios, direitos e garantias fundamentais, se sobrepõem a quaisquer outras, inclusive àquela insculpida no art. 226, § 3º, CF/88, que prevê o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher.

Observe-se que antes mesmo da regulamentação e reconhecimento constitucional da união estável entre o homem e a mulher, sua existência já era reconhecida e declarada nos Pretórios, na relação concubinária.

Não é preciso esperar a aprovação no Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 1.151/95, que disciplina a “parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo”, para reconhecer-se a possibilidade de reconhecimento da união estável entre homossexuais, porque, além dos dispositivos constitucionais elencados, nossa legislação permite que o juiz decida o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito (art. 4º, da LICC).

Se nos julgamentos anteriores essas questões já haviam sido examinadas, ainda não estava sistematizado o enfrentamento do tema, que aparece aqui reunido, confrontando-se os pontos de vista e consagrando-se vencedora, à unanimidade nessa oportunidade, a tese da prevalência da dignidade da pessoa humana, conforme mais tarde seria explicitado nos julgamentos do próprio TJRS.

Assim, diante da previsão do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que elevava a união estável à condição de entidade familiar com status constitucional, o debate se volta para a definição do que seja união estável e se a previsão constitucional da união estável heterossexual poderia ser aplicada às uniões homossexuais.


Nesses termos, juridicamente reconhecida a viabilidade da pretensão, fica também afastada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, passando-se ao enfrentamento do mérito, primeiramente com o exame dos fatos para, após, ser enfrentada a matéria de direito.

3. MATÉRIA DE FATO

A prova dos autos não enseja margem à dúvida sobre a natureza do relacionamento vivenciado pela autora junto à falecida V., conforme destacado pelo Ministério Público a fls. 175-176.

Contudo, somente o completo exame da prova trazida ao conhecimento do Juízo é que oportunizará uma adequada aplicação do ordenamento jurídico. Daí a necessidade de uma análise minuciosa de todos os elementos de convicção trazidos ao processo, aí abrangida a prova documental e testemunhal e, no caso dos autos, a inédita “certidão de casamento” celebrada entre as partes em 1981.

3.1 A trajetória do casal

Diferentemente de tantas outras demandas que versam sobre relacionamentos homossexuais, no caso dos autos, a prova documental é abundante. Não se tratou em momento algum de esconder a homossexualidade de ambas as mulheres que constituiam a entidade familiar cujo reconhecimento jurídico é agora postulado.

Nesse sentido, é importante resgatar o depoimento pessoal da autora, hoje com 63 anos de idade:

Conheceram-se no prédio em que moravam. A relação era homossexual, ela era ativa e atuora era passiva. Dormiam na mesma cama e dividiam as despesas. O relacionamento era público e no prédio sabiam do relacionamento e as famílias de ambas sabiam da natureza do relacionamento mantido pela autora com a falecida. Todos os colegas de serviço da autora também sabiam do relacionamento homossexual de ambas. Nenhuma das duas escondia o relacionamento. Tiveram a idéia de formalizar a união através do documento de fls. 11-13, por uma amiga que era advogada. Houve até uma festinha no prédio. Não tinham relacionamentos extra-conjugais. Sempre andvam juntas e de mãos dadas, sem esconder nada (fl. 170).

Colhidos os depoimentos de R., B., parentes da falecida, e de I., afilhado da mesma, as testemunhas foram uníssonas em reconhecer a veracidade da narrativa inicial, inclusive destacando o conhecimento da família acerca do relacionamento. Regina ainda destaca que autora e sua companheira “usavam alianças de casadas” (fl. 171).

Para além das declarações orais, consta ainda a declaração por escrito de P. O., fl. 152, primo da falecida, onde o mesmo afirma que:

O relacionamento afetivo entre A. T. e minha prima em 1º grau, V. S. S. era público e notório, tendo as mesmas vivido sob o mesmo teto de 1980 até 31 de julho de 2005, data do óbito de V. (fl. 152).

Declarações na mesma linha já haviam sido firmadas pelas primas da falecida, B. (fl. 153) e R. (fl. 154) , cujos depoimentos foram supramencionados.

Enfim, da prova oral exsurge, límpida, a natureza homossexual do relacionamento vivenciado pela autora com a falecida companheira, chegando mesmo a se revelar dispensável outros elementos de convicção, notadamente porque se trata de pleito não contestado.

Porém, haja vista a manifestação do Ministério Público pela improcedência do pedido, faz-se necessário avançar no exame da prova.

3.2 A certidão de casamento

A prova dos autos não está restrita aos depoimentos das testemunhas. Pela primeira vez desde que jurisdiciono nessa 2ª Vara das Famílias e Sucessões, vem juntada aos autos uma “certidão de casamento” entre duas pessoas do mesmo sexo. Merece destaque a data do documento: 1981.

Se o documento não atinge status registral, em termos formais, nem por isso deixa de traduzir inequívoca manifestação de vontade das partes, conforme bem salientado pelo Ministério Público quando o qualificou de “prova irrefutável de que houve o efetivo consórcio entre a autora e a falecida V.” – fl. 176.


Assim, tudo examinado, tenho que os fatos narrados na inicial estão suficientemente demonstrados, para que se possa afirmar com segurança, que a narrativa inicial está comprovada pela prova trazida aos autos.

Ainda, é preciso levar em consideração que no presente feito não há resistência ao pedido por parte da sucessão demandada, restringindo-se a controvérsia ao entendimento do Ministério Público que atua como Fiscal da Lei.

3.3 A prova documental

Dentre outros elementos de convicção, a prova documental submetida ao crivo judicial nestes autos guarda uma característica preponderante. Aponta para a longa convivência entre a autora e sua companheira falecida, sob o mesmo teto.

São diversas as correspondências endereçadas a uma ou ambas, com datas da décadas de 80, 90, endereçadas para o partamento situado na Rua Artigas, nº 178, apartamento 308, Bloco D, no bairro Jardim Botânico em Porto Alegre.

Assim, dentre os documentos juntados entre fl. 78 a 95, encontra-se valiosa prova, a qual só faz reforçar a narrativa inicial, confirmando-a.

3.4 Álbum de Família

Prosseguindo-se na verificação da prova, tenho que as imagens fotográficas juntadas aos autos devem ser examinadas à luz do ensinamento do fotógrafo e antropólogo Luiz Eduardo Achutti, quando refere “Para uma imagem alcançar eficácia simbólica, não basta que seja vista, ela tem de ser interpretada por um sujeito que compartilhe dos códigos simbólicos carregados pela imagem” (Achutti, 2001: 429).

Relativamente ao conjunto fotográfico juntado ao longo de 12 folhas do processo (fls. 95-107), revelador da longa convivência entre autora e sua falecida companheira, chama a atenção a fotografia juntada a fl. 99, a qual simboliza o tradicional (em nossa cultura) brinde nupcial, numa imagem que se conforma perfeitamente à narrativa inicial e à certidão de casamento já examinada.

Ainda, as fotografias de fls. 101-103, como bem destacado pelo Promotor de Justiça, dão testemunho fidedigno da natureza da conjugalidade vivenciada entre autora e sua companheira. Nesse aspecto, peço vênia ao Dr. Antônio Luiz Otília, para transcrever trecho de seu parecer final, haja vista a sábia interpretação que soube dar às imagens colacionadas pela autora:

No entanto, merece destaque o conjunto de fotografias colacionadas às fls. 95/107. Se alguma dúvida ainda resta, sobre a existência do relacionamento havido entre a autora e V., com toda a certeza, essa é dirimida. Referidas fotografias historiam o nascimento da relação, a divisão de momentos alegres, mas, também, demosntram a indispensável solidariedade exigida entre qualquer convivente, isto é, quando um deles assume os cuidados do outro convivente, em razão de grave enfermidade. É o que se vê, mirando as fotografias de fls. 1001 e 103. Esse relacionamento, como se vê dos autos, somente teve fim com o falecimento de V. (fl. 176).

Certamente esses documentos, por si só, não têm o poder de formar a convicção do Juízo acerca da veracidade das alegações do autora. Contudo, ao se harmonizar ao conjunto probatório, têm a função de reforçar outros elementos de convicção presentes no feito, como a prova testemunhal e o conjunto de documentos juntados, apontando para a existência de uma relação familiar entre a autora e sua falecida companheira, na medida em que tanto a prova testemunhal quando a documental demonstram que havia uma interdependência entre ambas que, somada ao relacionamento afetivo-sexual, impõe a conclusão de que se tratava de um núcleo familiar.

Superada a matéria de fato, há que se enfrentar a matéria de direito, posto que também nessa esfera argumenta o Ministério Público contrariamente ao pedido.

4. MATÉRIA DE DIREITO

Dado que a jurisprudência do TJRS é pacífica no que tange ao reconhecimento das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo e, ainda, em face do Provimento nº 06/04-CGJ do TJRS, que não deixa dúvida sobre a possibilidade de reconhecimento de efeitos jurídicos – no âmbito do Direito de Família – às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, limita-se a presente fundamentação a enfrentar os argumentos sustentados pelo Ministério Público no parecer em que opina pela improcedência do pedido.


4.1 Concepção religiosa de família – casamento para procriação

A concepção de família condicionada à geração de prole não está respaldada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

No dizer de Daniel Borrillo, “Uma vez produzida a secularização do matrimônio, a característica da consumação (como união de duas carnes) do sacramento religioso é substituída pelo consentimento (como união de duas vontades) própria ao direito civil. Sendo o acordo de vontades, e não a copula carnalis o que faz a essência do matrimônio, a conditio sine qua non de sua existência não pode continuar sendo a diferença dos sexos das partes contratantes. Em outras palavras, para o direito secular, o que conta não é a natureza física da instituição, mas a sua dimensão psicológica. À carne sexuada da regra canônica, o direito moderno opõe o sujeito abstrato, livre e consciente” (Borrillo, 2006: 03).

Fertilidade não é condição para o casamento, como já teve oportunidade de afirmar a Suprema Corte de Massachussets, EUA, em famosa decisão de 2003 (Sullivan, 2004, 112-120). Para chegar à mesma conclusão no caso brasileiro, basta que se examinem os dispositivos legais pertinentes, a começar pelo artigo 1.511, do Código Civil, que define o casamento, sem aludir à obrigatoriedade de geração de prole: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

Percebe-se que tanto as pessoas estéreis ou mulheres que já atingiram a menopausa podem se casar, quanto podem permanecer casadas aquelas cujos filhos já são adultos e constituíram novas famílias.

Fosse outra a legislação homens e mulheres teriam que provar sua capacidade reprodutiva para poderem acessar o instituto do casamento no Brasil. Estaríamos, então, frente a uma hipótese que não é desconhecida dos estudos antropológicos como salienta, com absoluta pertinência para o caso em exame, Laburthe-Tolra: “O casamento é uma instituição no sentido de que deve se conformar a certas regras sociais que dão legitimidade à aliança, mesmo se a vida sexual fora do casamento é mais ou menos tolerada em toda parte, com suas próprias regras, muito variáveis, como já foi dito, de uma sociedade a outra: por exemplo, aqui a virgindade da moça deve ser conservada e comprovada na noite de núpcias, ali ela só poderá se casar se uma maternidade anterior comprovou a sua fecundidade” (Laburthe-Tolra, 1999: 81).

Todavia, mesmo que no Brasil fosse exigível a procriação como requisito para se ter o direito de casar (constituir família), ainda assim seria equivocada a premissa do argumento lançado pelo Ministério Público no caso dos autos, porque restringe a possibilidade de procriação, sem qualquer justificativa, à hipótese de filiação biológica.

Como esclarece Françoise Héritier “Não existem, até nossos dias, sociedades humanas que sejam fundadas unicamente sobre a simples consideração da procriação biológica ou que lhe tenham atribuído a mesma importância que a filiação socialmente definida. Todas consagram a primazia do social – da convenção jurídica que funda o social – sobre o biológico puro. A filiação não é, portanto, jamais um simples derivado da procriação. é uma terceira constante” (Héritier, 2000:102).

Portanto, mesmo na hipótese de que fosse a procriação um requisito para o casamento – que não é –, esta poderia se dar através da adoção, o que invalidaria a exigência de capacidade reprodutiva em termos meramente biológicos.[6]

De resto, para não deixar de enfrentar o rigor formal inerente à celebração da família através do contrato de casamento, convém explicitar que também no capítulo III, do Código Civil, ao tratar dos impedimentos ao casamento, o legislador não fez qualquer alusão à capacidade reprodutiva dos cônjuges, podendo-se concluir que não há lugar para uma tal exigência por parte do Poder Judiciário.

Para que fique bem definido que não há suporte legal à tese de que o casamento civil tem por fim a procriação, convém aprofundar o exame desse ponto. Isto porque, se por um lado o Código Civil não estabelece qualquer vinculação entre casamento e capacidade reprodutiva, por outro, a Constituição Federal assegura que o casamento esteja, a critério dos cônjuges, dissociado da procriação.


Para tanto, estabelece o artigo 226, § 7º, da Constituição Federal: “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

Esse dispositivo estabelece a liberdade de o casal decidir sobre ter ou não ter filhos; o número de filhos; e qual o espaçamento entre os mesmos. Garante também o direito de acesso aos recursos educacionais e ferramentas tecnológicas disponíveis, seja para ter filhos seja para não tê-los.

É dizer, em matéria de direitos sexuais e reprodutivos[7], compete ao Estado assegurar que a vontade do casal seja soberana num ou noutro sentido, sendo-lhe vedada qualquer interferência contrária à vontade do casal, sob pena de violação da cidadania sexual.

Definida, portanto, a inexistência de qualquer amparo legal à exigência de capacidade reprodutiva dos cônjuges, cabe indagar qual a natureza do argumento que postula a dualidade de sexos como requisito para o casamento.

Na legislação eclesiástica podemos encontrar uma provável origem para o argumento, de vez que no cânone 1.055, § 1º, do Código de Direito Canônico, aparece uma definição de casamento, na qual, diferentemente da lei civil, vê-se contemplada a sua finalidade reprodutiva nos seguintes termos: “O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si consórcio para toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento” (Hortal, 2005: 479).

Percebe-se, então, que essa é justamente a concepção de família natural que tem sido utilizada como fundamento para o Ministério Público opinar pelo indeferimento do pedido inicial, adotando a “geração de prole” como se fosse um requisito jurídico para a constituição da família.

Constatada a natureza religiosa do argumento, conclui-se que o mesmo não é válido para embasar uma decisão judicial, pois implicaria na sua nulidade, haja vista que a Constituição Federal, quando assegura as liberdades laicas (artigo 5º, VI), veda que se imponham valores religiosos através do Estado.

Em outras palavras, a Constituição Federal assegura ao cidadão que o enfrentamento judicial de suas demandas não esteja contaminado por convicções pessoais de ordem religiosa (Roaro, 1998; Welter, 2004; Palomino, 2005).

4.2. A garantia das liberdades laicas no caso concreto

As liberdades laicas (art. 5º, VI, da CF), enquanto garantias fundamentais, consistem em uma limitação à atuação administrativa, legislativa e judicial do Estado Democrático de Direito. É dizer, o princípio da liberdade religiosa contém uma importante dimensão negativa, em que pese essa noção não receba a necessária visibilidade no cenário jurídico brasileiro.

Dentre outros reflexos, decorre das liberdades laicas, o direito à imunidade à coação estatal em matéria religiosa e o direito de não revelar a própria convicção religiosa[8].

Para uma melhor compreensão dessa postura devida ao Estado laico, é preciso ter em mente que o Estado não pode ficar neutro frente ao exercício das liberdades de consciência e de crença. Ele deve tomar partido, assegurando a sua promoção, posto que se trata de um princípio basilar das democracias modernas.

Contudo, não é correto afirmar que o Estado tenha interesse em promover a religiosidade em si mesma. Sobre a confusão entre garantir as liberdades laicas e valorar positivamente a religião, elucida Marco Palomino “Isto não é dizer que o Estado valore positivamente a religião, pois segundo nossa firme posição isso não é conseqüência necessária do princípio da cooperação ou do princípio da liberdade religiosa e, ademais, viola a necessária neutralidade estatal frente às crenças, sejam estas ideológicas ou religiosas” (Palomino, 2005: 349).


Esta questão assume especial relevância quando cabe ao Poder Judiciário definir um conceito de família. Como no caso dos autos, onde a autora pretende que sua relação com outra pessoa do mesmo sexo seja reconhecida como uma entidade familiar. Nesse momento se mostra equivocado adotar uma determinada concepção religiosa de família — por mais respeitável que fosse — como se fosse um modelo a ser imposto através do Estado-juiz.

A imposição – via decisão judicial – de uma determinada visão de mundo, calcada na fé, viola as liberdades laicas e, por isso mesmo, é inconstitucional. Como destaca Daniel Sarmento “a laicidade do Estado não se compadece com o exercício da autoridade pública com fundamento em dogmas de fé – ainda que professados pela religião majoritária -, pois ela impõe aos poderes estatais uma postura de imparcialidade e eqüidistante em relação às diferentes crenças religiosas, cosmovisões e concepções morais que lhes são subjacentes” (Sarmento, 2006: 116).

No caso específico dos autos, parece ainda necessário trazer à lembrança a distinção entre as diferentes visões do casamento: a religiosa vê o casamento como um sacramento, nos moldes em que concebido no Concílio de Trento, em 1563: “Se alguém disser que o Matrimônio não é verdadeiro e propriamente um dos sete Sacramentos da lei Evangélica, instituído por Cristo nosso Senhor, porém, inventado pelos homens na Igreja, e que não confere a graça, seja excomungado”.

Essa visão estatal do casamento, como algo sagrado, foi superada no Brasil pelo Decreto nº 119-A de 7 de janeiro de 1890, que separava a Igreja do Estado, e estabelecia o casamento civil, donde o matrimônio passa a ser regido desde uma perspectiva laica.

Como destaca Josette Lordello “Essa foi uma das primeiras providências da República, de tal forma angustiava a quantos eram atingidos pela discriminação religiosa que se impusera no Império nesse particular. A separação dos poderes temporal/espiritual era tão urgente que no dia 9 de dezembro de 1889 foi apresentado o projeto e já em 7 de janeiro de 1890 vigorava a lei.”(Lordello, 2002: 144).

Consolidada a distinção entre o casamento religioso e o casamento civil fica nítida a impossibilidade de o Estado adotar um conceito de família lastreado em concepções religiosas. Como destaca Alexandre de Moraes “a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo” (2006: 123).

No mesmo sentido, Ariani Sudatti, manifestando-se acerca da necessidade de razoabilidade nas decisões judiciais, sustenta que “O juízo que emana de um juiz ou tribunal, depois do trânsito em julgado da sentença, é lei entre as partes. Ou este juízo se pauta em critérios identificáveis e passíveis de racionalização ou está fadado à arbitrariedade” (Sudatti, 2003: 13).

Também Luís Barroso e Ana Barcellos afirmam a necessidade de que a fundamentação judicial esteja afastada de convicções pessoais, “no caso da interpretação constitucional a argumentação assume, muitas vezes, um papel decisivo: é que o caráter aberto de muitas normas, o espaço de indefinição de conduta deixado pelos princípios e os conceitos indeterminados conferem ao intérprete elevado grau de subjetividade. A demonstração lógica adequada do raciocínio desenvolvido é vital para a legitimidade da decisão proferida” (Barroso e Barcellos, 2006: 356).

Vê-se, então, que argumentos oriundos do campo religioso não satisfazem esses critérios, pois emanam da fé e não da razão. Por isso não é possível sua aferição dentro de uma lógica capaz de atender o princício da persuasão racional inerente às decisões do Poder Judiciário.

4.3 O casamento civil é um direito humano – não um privlégio heterossexual

Negar o acesso ao casamento civil em função da orientação sexual é uma forma de segregação. É tratar as pessoas de modo desigual com base na sua orientação sexual. O mesmo já foi feito em função da cor da pele das pessoas. Conviver com essa desigualdade é aceitar o apartheid sexual. Ambas as hipóteses de segregação são rechaçadas pela Constituição Cidadã, quando afirma que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem qualquer forma de discriminação (art. 3º, I e IV).


Afastada a possibilidade de adotar uma concepção religiosa de família, resta examinar o pedido da autora à luz do ordenamento jurídico, o qual não apresenta nenhum obstáculo ao reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Admitir o contrário, é chancelar uma prática discriminatória, como leciona José Lopes, citando Didier Eribon:

“A injúria homofóbica inscreve-se em um contínuo que vai desde a palavra dita na rua que cada gay ou lésbica pode ouvir (veado sem-vergonha, sapata sem-vergonha) até as palavras que estão implicitamente escritas na porta de entrada da sala de casamentos da prefeitura: ‘proibida a entrada de homossexuais’ e, portanto, até as práticas profissionais dos juristas que inscrevem esta proibição no direito, e até os discursos de todos aqueles e aquelas que justificam estas discriminações nos artigos que se apresentam como elaborações intelectuais (filosóficas, sociológicas, antropológicas, psicanalíticas, etc) e que não passam de discursos pseudo-científicos destinados a perpetuar a ordem desigual, a reinstituí-la, seja invocando a natureza ou a cultura, a lei divina ou as leis de uma ordem simbólica imemorial. Todos estes discursos são atos, e atos de violência.” (apud LOPES: 2003;20-21).

Com relação à união estável entre pessoas do mesmo sexo, consolidou-se orientação jurisprudencial alicerçada na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito, que assegura a todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual, o direito de acesso à tutela estatal.

Para esse efeito, não foi obstáculo o parágrafo 3º, do artigo 226, da Constituição Federal, assim redigido: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.” Comprova-o a farta jurisprudência sobre o tema, cujo estudo remete à obra de Maria Berenice Dias (2003) sobre as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca das uniões homossexuais.

Contudo, pode-se ainda referir, porque alheio ao cotidiano das Varas de Família, um acórdão paradigmático orignário do Tribunal Superior Eleitoral, de outubro de 2004. Trata-se de um novo marco jurídico no tema das uniões homossexuais. Isto porque se restringiu os direitos políticos de uma candidata sob o argumento de que sua união estável com outra pessoa do mesmo sexo (a então prefeita do Município) se equiparava ao casamento, tornando-a inelegível com base no artigo 14, § 7º, da Constituição Federal.

“Ementa REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. Decisão O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do relator. (ACÓRDÃO 24564 VISEU – PA 01/10/2004 Relator(a) GILMAR FERREIRA MENDES Relator(a) designado(a) Publicação PSESS – Publicado em Sessão, Data 01/10/2004”.

Não resta dúvida de que a restrição às liberdades encontra lugar somente onde já consolidada a implementação dos direitos decorrentes dessa mesma situação fática. Seria incoerente o Estado restringir os direitos políticos em razão da relação afetivo-sexual mantida pela candidata com outra pessoa do mesmo sexo para, em situações análogas, negar os benefícios inerentes ao reconhecimento da entidade familiar formada.

Representando no caso concreto uma restrição às liberdades, o acórdão do TSE, sob a relatoria de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, traduziu, em termos jurisprudenciais, a inclusão definitiva das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo no rol das famílias sob a proteção do Estado.

Também merece destaque, porque sedimenta esse entendimento por parte do Estado, a edição, por ordem judicial, da Instrução Normativa nº 25/2000, do Instituto Nacional de Seguridade Social, INSS, assegurando os benefícios previdenciários ao companheiro, independentemente da orientação sexual do casal (Leivas: 2003;111).

De resto, a jurisprudência do TJRS rechaça a aplicação da Súmula 380 do STF, na medida em que as relações de que estamos tratando não são estabelecidas em bases econômico-financeiras mas sim afetivo-sexuais.


Aprofundando o exame da matéria de direito posta em lide, convém lembrar que o direito de casar e constituir uma família está assegurado no artigo 16, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Como no Brasil o casamento civil está sob a jurisdição do Poder Judiciário, conclui-se que não basta todos serem iguais perante a lei, é preciso que todos sejam iguais perante o juiz.

No ordenamento jurídico brasileiro, o casamento civil está disponível a todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual (Lorea, 2005). Essa conclusão decorre não apenas do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no primeiro artigo da Constituição Federal, o que torna o apartheid sexual inconstitucional, mas também da nova definição legal da família brasileira, que expressamente contempla os casais formadas por pessoas do mesmo sexo.

No âmbito do Rio Grande do Sul, a vigência da Lei estadual 11.872, de 2002, já assegurava o acesso ao casamento civil, independentemente de orientação sexual, posto que o legislador gaúcho expressamente afirmou ser “atentatório à dignidade humana e discriminatório: proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos” (art. 2º, inciso VIII).

Tratando-se de relações afetivo-sexuais de natureza familiar, tornava-se então insustentável a posição conservadora que ainda pensava o acesso ao casamento civil como um privilégio heterossexual.

Sabendo-se que no Brasil, diferentemente de muitos outros países, o casamento civil está submetido ao crivo do Poder Judiciário (art. 1.526 do CC), tornava-se então evidente que não poderia o juiz negar o acesso ao casamento em razão da orientação sexual, sob pena de violar princípios assegurados na Constituição Federal, cujo alcance – relativamente ao livre exercício da sexualidade – fora já explicitado na legislação estadual, justamente para contemplar a orientação sexual do cidadão como integrante do pleno desenvolvimento de sua personalidade.

O Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, através do Provimento nº 06/04, assegurou que “as pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação”.

Esta noção laica de família – juridicamente atualizada – se projetou para todo o território nacional. Através da Lei nº 11.340, de 2006, surgiu uma nova regulamentação legal da família brasileira, que passa a ser juridicamente compreendida como a “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; independentemente de orientação sexual” (art. 5º, inciso II, e parágrafo único).

Essa nova definição legal de família se harmoniza com o conceito de casamento “entre cônjuges” do art. 1.511, do Código Civil, não apenas deixando de fazer qualquer alusão à oposição de sexos, mas explicitando que a heterossexualidade não é condição para o casamento.

5. DISPOSITIVO

Assim, tudo examinado, tenho que a autora comprovou a existência da união estável descrita na inicial, demonstrando que sua relação com sua falecida companheira foi pública, duradoura, contínua e com o objetivo de constituir famíilia.

O direito aplicável aos fatos, conforme fundamentação supra, conduz ao reconhecimento de efeitos jurídicos à entidade familiar vivenciada pela autora durante 25 anos.

Isso posto, julgo procedente o pedido inicial, para reconhecer a existência de união estável entre a autora e sua falecida companheira, no período compreendido entre 1980 e 2005.

Custas e honorários advocatícios, esses fixados em 20% sobre o valor da causa, pela parte demandada, suspensa a exigibilidade em face da Assistência Judiciária Gratuita ora deferida a ambas as partes.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 07 de janeiro de 2008.

Roberto Arriada Lorea

Juiz de Direito

6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. — Imagem e Fotografia — Aprendendo a Olhar in Corpo e Significado, Ensaios de Antropologia Social (Ondina Fachel Leal, Org.). Editora da Universidade, Porto Alegre, 2001, p.429.

BARROSO, Luís Roberto (org.) e BARCELLOS, Ana Paula de — O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In A nova interpretação constitucional . Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 327-378.


BORRILLO, Daniel — Matrimônio entre pessoas do mesmo sexo e homoparentalidade; uma nova etapa da modernidade política e jurídica. Conferência proferida no Fórum do Casamento entre pessoas do mesmo sexo, no Centro de Estudos de Antropologia Social – ILGA Portugal. Disponível: http://pwp.netcabo.pt/0170871001/DanielBorrillo.pdf. Acesso: setembro/2006.

DIAS, Maria Berenice — Homoafetividade, o que diz a Justiça! As decisões pioneiras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

HÉRITIER, Françoise — A coxa de Júpiter. Reflexões sobre os novos modos de procriação. Revista Estudos Feministas, ano 8, vol. 1, 2000, pp. 99-114.

HORTAL, Jesús — Código de Direito Canônico. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

LABURTHE-TOLRA, Philipe e WARNIER, Jean-Pierre – Etnologia Antropologia. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo (2003) O direito ao reconhecimento de gays e lésbicas. In Célio GOLIN, Fernando Altair POCALY e Roger Raupp RIOS (Orgs.) A Justiça e os Direitos de Gays e Lésbicas – Jurisprudência Comentada. Porto Alegre, Editora Sulina, pp. 111-115.

LORDELLO, Josette Magalhães — A secularização do casamento no Brasil do século XIX. Entre o Reino de Deus e o Reino dos Homens. Brasília : Editora UnB, 2002.

LOREA, Roberto Arriada— O amor de Pedro por João à luz do Direito de Família. Reflexões sobre o “casamento gay”. Revista Brasileira de Direito de Família, ano VIII, nº 31, agosto-setembro de 2005, pp. 31-38.- Homoparentalidade por adoção no Direito brasileiro. Revista do Juizado da Infância e Juventude, ano III, nº 5, 2005, pp. 37-44. Versão eletrônica disponível em http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home

LOPES, José Reinaldo de Lima (2003).— O direito ao reconhecimento de gays e lésbicas. In Célio GOLIN, Fernando Altair POCALY e Roger Raupp RIOS (Orgs.) A Justiça e os Direitos de Gays e Lésbicas – Jurisprudência Comentada. Porto Alegre, Editora Sulina, pp.20-21.

MORAES, Alexandre de —Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Editora Atlas, 2006.

PALOMINO, Marco Huaco — Derecho de la Religíon. El principio y derecho de libertad religiosa em el ordenamiento jurídico peruano. Lima: Fondo Editorial de la UNMSM, 2005.

ROARO, Ester Martinez — Sexualidad, derecho y cristianismo. México: Instituto Cultural de Aguascalientes, 1998.

SARMENTO, Daniel — Livres e Iguais – Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

SUDATTI, Ariani Bueno — Raciocínio Jurídico e Nova Retórica. São Paulo: Quatier Latin, 2003.

SULLIVAN, Andrew — Same-sex marriage Pro & Com – A reader. New York: Vintage Books, 2004.

WELTER, Belmiro Pedro — A secularização do Direito de Família. In (Belmiro Welter e Holf Madaleno, coord.) Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, pp. 87-102.

ZAMBRANO, Elizabeth (et all) —O Direito à Homoparentalidade – cartilha sobre famílias constituídas por pais homossexuais. Porto Alegre: Ed. Vênus, 2006. Conteúdo disponível em www.nupacs.ufrgs.br



[1] Agravo de Instrumento nº 599075496, VIII Câmara Cível do TJRS, julgado em 17-06-1999.

[2] Apelação Cível nº 598362655, VI Câmara Cível do TJRS, julgado em 15-09-1999. Decisão unânime, cujo voto da relatora (então juíza de direito convocada para atuar junto ao Tribunal) foi acompanhado pelos Desembargadores Antônio Dall’Agnol e Décio Erpen.

[3]A resistência aos pedidos geralmente partia do representante do Ministério Público e, nos casos de habilitação de herdeiro para receber a herança do companheiro (do mesmo sexo) falecido, dos familiares deste.

[4]Apelação Cível nº 598362655, VIII Câmara Cível do TJRS, julgada em 01-03-2000. Decisão unânime, cujo voto do relator, Des. José Trindade, foi acompanhado pelos Desembargadores Augusto Stern e Rui Portanova.

[5] Acórdão citado (Apelação Cível nº 598362655, VIII Câmara Cível do TJRS, julgada em 01-03-2000), cuja relatoria esteve a cargo do Des. José Trindade.

[6] No Brasil, recentemente foram deferidas as primeiras adoções de crianças por casais formados por pessoas do mesmo sexo: sentença do juiz Marcos Danilo Edon Franco, da Comarca de Bagé (28-10-2005) unanimemente confirmada pela VII Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (caso nº 70013801592, julgado em 05.04.2006, Relator, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, decisão unânime que contou com a participação da Desa. Maria Berenice Dias e Des. Ricardo Raupp Ruschel). Sentença do juiz José Antônio Daltoé Cezar, da 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre (03-07-2006), da qual não foi interposto recurso. Sobre o tema, ver “Homoparentalidade por adoção no Direito brasileiro” (Lorea, 2005) e “Direito à Homoparentalidade” (Zambrano et all, 2006).

[7]No mesmo sentido, garantindo os direitos sexuais e reprodutivos, especialmente no que tange à autonomia das mulheres em relação ao livre exercício de sua sexualidade, surgem a Conferência do Cairo (1994), e a Conferência de Beijing (1995). Ambos os documentos são textos internacionais produzidos pela Organização das Nações Unidas e têm o Brasil como Estado signatário.

[8] A corrente de pensamento que defende a inércia do Estado frente ao uso de símbolos religiosos no espaço público, alegando ser obrigação da pessoa lesada invocar o seu desconforto frente à presença de símbolos religiosos, desconhece o direito do cidadão a não revelar a própria convicção religiosa.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!