Vontade de legislar

Resoluções do Contran causam insegurança jurídica para o trânsito

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7 de janeiro de 2008, 11h21

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran), como é cediço, é o órgão máximo, normativo, consultivo e coordenador do Sistema Nacional de Trânsito, ao qual, dentre outras atribuições, compete estabelecer as normas regulamentares referidas no Código de Trânsito Brasileiro, bem como zelar pela sua uniformidade e cumprimento. Mas, a nosso ver, está difícil longe de cumprir com usas atribuições.

Embora o artigo 314 do CTB tenha estabelecido um prazo 240 dias, a partir de sua publicação, para que o Contran expedisse as resoluções necessárias à sua melhor execução, bem como para que revisasse todas as resoluções anteriores à sua publicação, isso, infelizmente, ainda não aconteceu.

Em vez de procurar consolidar as normas já existentes, a fim de facilitar o trabalho de todos nós, cidadãos, autoridades e agentes de trânsito, o Contran está adquirindo o condenável hábito de editar, alterar e revogar normas que nem sequer chegam a entrar em vigor, causando, assim, enorme insegurança jurídica — no trânsito.

A mais recente de suas proezas diz respeito ao disposto no artigo 98 do CTB, segundo o qual nenhum proprietário ou responsável poderá, sem prévia autorização da autoridade competente, fazer ou ordenar que sejam feitas no veículo modificações de suas características de fábrica. Isso, aliás, já era previsto no artigo 39 do (revogado) Código Nacional de Trânsito — CNT, bem como no artigo 80 de seu (insubsistente) Regulamento (RCNT).

Pois bem. Com o advento do CTB, o Contran editou a Resolução 25/98, de 21 de maio de 1998 (Diário Oficial da União de 22 de maio de 1998), dispondo sobre modificações de veículos e, ao mesmo tempo, revogando a Resolução 775/93, que, até então, tratava do assunto.

É oportuno ressaltar que os artigos 1º a 8º, da Resolução 25/98, tratam da modificação de veículos, enquanto os demais (9º a 11º) cuidam dos conceitos de danos de pequena, média e grande monta, decorrentes de acidente de trânsito, para fins de lançamento em Boletim de Ocorrência e providências pertinentes.

Decorridos mais de oito anos de vigência da Resolução 25/98, o Contran resolveu editar as Resoluções 200/2006 (que dispõe sobre a concessão de código de marca/modelo/versão para veículos, que também acabou sendo revogada antes de entrar em vigor) e 201/2006 (que dispõe sobre modificações de veículos e outras providências), ambas de 25 de agosto de 2006 (DOU de 11 de setembro de 2006), estabelecendo um prazo de 180 dias, contados da data de sua publicação, para entrada em vigor das referidas normas, o que deveria ocorrer em 10 de março de 2007, quando, então, seriam revogados os artigos 1º a 8º da já mencionada Resolução 25/98, bem como a Resolução 77/98 (que dispõe sobre a concessão de marca/modelo/versão para veículos).

No entanto, antes mesmo que isso ocorresse, veio a Resolução 229/2007, de 2 de março de 2007 (DOU de 9 de março de 2007), prorrogando até 31 de agosto de 2007 o prazo de entrada em vigor das Resoluções 200/2006 e 201/2006.

Posteriormente, veio a Deliberação 60/2007, de 28 de agosto de 2007 (DOU de 29 de agosto de 2007), do presidente do Contran, referendada pela Resolução 252/2007, de 24 de setembro de 2007 (DOU de 10 de outubro de 2007), prorrogando (mais uma vez) até 31 de dezembro de 2007 o prazo de entrada em vigor das Resoluções 200/2006 e 201/2007, e revogando a Resolução 229/2007.

Para a nossa “surpresa” e indignação, vieram as Resoluções 261/2007 e 262/2007, ambas de 14 de dezembro de 2007 (DOU de 27 de dezembro de 2007), revogando, respectivamente, desde a data de sua publicação, as Resoluções 200/2006 e 201/2006.

As novas Resoluções (261/2007 e 262/2007) entraram em vigor na data de sua publicação (27 de dezembro de 2007), porém, só produzirão seus efeitos a partir de 1º de maio de 2008, quando, então, serão revogados os artigos 1º a 8º da Resolução 25/98, assim como a Resolução 77/98, isto é, caso não haja mais nenhuma alteração.

Essas abomináveis indecisões do Contran podem até parecer inofensivas, mas, a nosso ver, não são. Elas produzem uma série de prejuízos, para toda a sociedade, inclusive para o meio ambiente, em função do desperdício de papel, conforme se verá a seguir.

Os professores e instrutores, dos mais variados Cursos e Estágios, precisam perder horas e horas para tentar entender o que o Contran (não) quer, a fim de, posteriormente, transmitir, com segurança, as “novidades” para seus alunos. Para tanto, diante de normas extensas como essas em questão, precisam produzir várias cópias (com, no mínimo, 10 laudas cada uma), para análise.

Os agentes dos órgãos e entidades executivos de trânsito, especialmente os responsáveis por setores técnicos, também precisam perder horas e horas de seu trabalho na análise detida e minuciosa de tudo isso, para, com a devida urgência, divulgar as “inovações”, por meio de preleções e normas de procedimento àqueles que exercem (na maioria das vezes, desprovidos de qualquer recurso) a atividade-fim, ou seja, a fiscalização diária de veículos e condutores, nas vias terrestres. Para tanto, gasta-se papel, tinta de impressora, toner, energia elétrica, pulsos telefônicos etc. Quem paga a conta? É claro que somos todos nós, cidadãos.

Aqueles que realmente trabalham na atividade-fim, diante das incertezas do Contran, passam a exercer suas funções com total insegurança, inclusive com receio de trabalhar “mal” e incidir em faltas disciplinares. Em razão disso, uma abordagem que poderia demorar, por exemplo, 30 minutos, para vistoria, lavratura de autuações, comprovantes de recolhimento etc., demorará, no mínimo, o dobro do tempo, haja vista que o agente precisará manter contato, via rádio ou telefone, com a respectiva Central de Operações, para certificar-se de que determinada norma está ou não em vigor.

Em alguns casos, nem a Central saberá sanar, com a devida precisão, a dúvida apresentada pelo agente fiscalizador. Com isso, o prejuízo, mais uma vez, será da sociedade, que, além de arcar com os custos provocados por tais incertezas, verdadeiros descasos e desrespeito com a coisa pública, ficará desprovida de mais uma viatura e sua guarnição. Alguém poderá até dizer que isso é difícil ocorrer. Não é. No caso em questão, como as novas Resoluções foram publicadas no último dia 27, num período de festas de final de ano, não haverá tempo hábil para que todos os agentes de trânsito sejam cientificados das “inovações” realizadas pelo Contran.

Logo, é perfeitamente possível que, no dia 1º de janeiro de 2008, data em que entrariam em vigor as Resoluções 200/2006 e 201/2006, estas sejam (indevidamente) aplicadas por agentes que ainda não tomaram conhecimento de sua revogação.

As editoras e livrarias, em especial aquelas que trabalham com obras que contém Resoluções do Contran, correm o risco de ficar com boa parte da produção encalhada nas prateleiras, visto que, como se sabe, o consumidor prefere aguardar uma nova edição, atualizada, o que, pelos motivos expostos, está se tornando cada vez mais difícil, ou melhor, impossível.

Não se pode negar que a atividade normativa é algo extremamente difícil. Transmitir aquilo que se quer ou não, principalmente de forma escrita, requer muito conhecimento técnico sobre o assunto e, sobretudo, habilidade com as palavras.

No entanto, isso não pode servir de pretexto para justificar os eventuais prejuízos causados a todos nós, cidadãos. Esses absurdos não podem continuar.

Se o Contran está encontrando dificuldades para tratar de casos mais complexos, notadamente sobre modificações de veículos, aproveito a oportunidade para sugerir-lhe que, antes de publicar suas decisões, passe a publicar minutas na Internet (afinal, estamos na era digital), com o intuito de buscar sugestões de todos, em especial dos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, sobre o assunto. Com isso, e após filtrar as sugestões apresentadas, ele poderá estabelecer o que realmente (não) quer, com maior segurança. Falhas e omissões podem ocorrer? Sim, é claro que podem ocorrer, pois somos seres humanos e, portanto, falíveis. Entretanto, creio que serão bem menos prejudiciais do que as que vêm ocorrendo.

A sugestão supra não exclui a possibilidade de se buscar a responsabilização civil daqueles que vêm causando prejuízos à sociedade, que, apesar de pagar seus impostos, não deixa de ver as constantes violações de princípios, em especial do da eficiência, que regem a Administração Pública, sabiamente esculpidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Aliás, não é demais lembrar que os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro, conforme prevê o artigo 1º, parágrafo 3º, do CTB.

Portanto, assim como os infratores de trânsito, aqueles que violam os nossos direitos, constitucionalmente assegurados, merecem ser responsabilizados pelos danos eventualmente causados.

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