Constrangimento público

Aluna impedida de assistir aula deve ser indenizada

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7 de janeiro de 2008, 10h26

Impedir aluno de assistir aula é motivo suficiente para garantir o pagamento de indenização por danos morais. O entendimento é da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os desembargadores condenaram a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) a pagar R$ 7,6 mil de indenização para uma universitária, obrigada a se retirar da sala de aula. Ela já tinha pagado a prestação, mas a informação não constava no sistema da universidade.

De acordo com o processo, dentro da sala de aula, a professora solicitou que a aluna apresentasse o comprovante de pagamento da mensalidade. Apesar de ter apresentado o documento, pago inclusive com antecedência, a aluna teve de sair da sala de aula. Para se defender, a instituição argumentou que não há prova do dano sofrido pela aluna e negou a exigência de afastamento do curso. Defendeu ainda que o pagamento só foi regularizado um dia após a abordagem em aula.

A primeira instância confirmou a ocorrência de dano moral e a indenização foi fixada em R$ 20 mil. A Universidade recorreu para reduzir o valor da reparação. O relator, desembargador Paulo Sergio Scarparo, apontou que as testemunhas apresentadas, bem como o comprovante de pagamento, demonstram a versão da aluna. “Se houve mora ou imprecisões na transferência de dados existentes entre a demandada e os prepostos por ela eleitos para o recebimento de valores tal fato é inoponível à autora que cumpriu com sua obrigação”, afirmou.

O desembargador entendeu que a situação a qual a universitária foi submetida causou lesão grave e irreparável à sua imagem diante dos colegas, o que configura a ocorrência dos danos morais. No entanto, o valor da indenização foi reduzido para R$ 7,6 mil que, na avaliação do desembargador, assegura o caráter repressivo-pedagógico da medida e não representa enriquecimento ilícito à autora da ação. Cabe recurso.

Processo 70.022.342.182

Leia a decisão

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. OBSTACULIZAÇÃO PARA PERMANÊNCIA EM SALA DE AULA EM FUNÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DE MATRÍCULA. CONDUTA ILÍCITA VERIFICADA. DANO MORAL. CONFIGURADO. QUANTUM MINORADO.

Enseja abalo sensível ao elemento anímico de qualquer indivíduo o fato de ter obstada a permanência em sala de aula, diante dos colegas, em razão de suposta inadimplência de valor a título de matricula, sendo que a importância já se encontrava quitada antes mesmo do vencimento.

Na mensuração do dano, não havendo no sistema brasileiro critérios fixos e objetivos para tanto, mister que o juiz considere aspectos subjetivos dos envolvidos. Assim, características como a condição social, a cultural, a condição financeira, bem como o abalo psíquico suportado, hão de ser ponderadas para a adequada e justa quantificação da cifra reparatório-pedagógica. Minoração do quantum indenizatório.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.

APELAÇÃO CÍVEL: QUINTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70022342182: COMARCA DE SAPIRANGA

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA: APELANTE

LISIANE GASSNER: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LEO LIMA (PRESIDENTE) E DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO.

Porto Alegre, 12 de dezembro de 2007.

DES. PAULO SERGIO SCARPARO,

Relator.

RELATÓRIO

DES. PAULO SERGIO SCARPARO (RELATOR)

No intuito de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença de primeiro grau, in verbis:

Lisiane Gassner ajuizou ação ordinária contra a Universidade Luterana do Brasil – Ulbra, ambas já qualificadas, referindo ser aluna da demandada e alegando que, no dia 12 de julho de 2004, quando estava em sala de aula, sua professora pediu que mostrasse o comprovante de pagamento da mensalidade, vencida no dia 10 de abril do mesmo ano. Afirmou que, mesmo tendo apresentado o comprovante, foi solicitada sua saída da sala de aula e das dependências da faculdade, sob o argumento de que o pagamento não constava do sistema. Requereu a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Pediu a concessão de assistência judiciária gratuita e juntou documentos.

A assistência judiciária gratuita foi concedida.

A demandada apresentou resposta, negando a existência de prova do alegado dano, bem como da exigência de afastamento da autora do curso, embora só tenha regularizado o pagamento de sua matrícula um dia após a suposta abordagem em sala de aula. Sustentou a impossibilidade de constrangimento em razão do efetivo atraso no pagamento da mensalidade. Requereu a improcedência do pedido e juntou documentos.


A autora manifestou-se sobre a reiterando os termos da inicial.

Durante a instrução foram ouvidas a autora e duas testemunhas.

Em memoriais, a demandada repetiu os argumentos da contestação concluindo pela inexistência de prova do alegado dano. A autora, por sua vez, silenciou.

Acrescento que sobreveio sentença (fls. 124-128), vazada nos seguintes termos:

Em face do exposto, julgo procedente o pedido para condenar a demandada ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros legais de 12% ao ano, a contar da citação, e correção monetária pelo IGPM, a partir desta data. Por conseqüência, condeno a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 2.000,00 (dois mil reais), tendo-se em conta o disposto no artigo 20, § 3° e 4°, do Código de Processo Civil.

Irresignada, a demandada apelou nas fls. 132-137, reforçando os argumentos expendidos durante a tramitação do feito, postulando a reforma da sentença de primeiro grau. Subsidiariamente, pugnou pela minoração da indenização arbitrada.

Contra-razões nas fls. 143-144, nas quais a autora postulou a majoração da indenização arbitrada para 200 salários mínimos, bem como o desprovimento do apelo da ré.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

DES. PAULO SERGIO SCARPARO (RELATOR)

Inicialmente, estou conhecendo apenas em parte as contra-razões ofertadas pela autora.

Isso porque as contra-razões não se apresentam como meio adequado para dedução de pedido recursal, pelo que não conheço da peça na parte em que houve pedido de majoração da indenização arbitrada em primeiro grau.

Pertinente à matéria de fundo, não há reparo a ser realizado na sentença vergastada.

Basta atentar que os elementos de convicção trazidos à baila dão guarida a versão esposada na exordial, no sentido de que a autora foi impossibilitada de permanecer na sala de aula pelo fato de não ter quitado o valor da matricula, conquanto tal importância já se encontrasse paga.

O documento da fl. 16 dá conta de tal adimplemento já no dia 10/07/04, sendo que o título tinha prazo de vencimento apenas para o dia 12/07/2004.

Portanto, não há prevalecer a versão da demandada de que tal pagamento apenas restou aportado em seus registros em 13/07/04. Se houve mora ou imprecisões da transferência de dados existentes entre a demandada e os prepostos por ela eleitos para o recebimento de valores ― no caso o Banrisul ― tal fato é inoponível à autora que cumpriu escorreitamente com sua obrigação.

No mais, limito-me a bisar os bem lançados fundamentos do sentenciante singular, Dr. Jorge Alberto Silveira Borges, que judiciosamente analisou a prova carreada aos autos:

No caso em apreço, a prova documental comprova que, ao contrário do afirmado pela demandada, a autora efetuou o pagamento da mensalidade em 10 de julho de 2004, conforme se depreende do documento acostado à fl. 16, embora a demandada só reconheça a “confirmação de matrícula” no dia 13 do mesmo mês.

Do mesmo modo, analisando-se a prova oral constata-se que as alegações da autora foram confirmadas em juízo, demonstrando seguramente o dano experimentado em razão do procedimento adotado para cobrança de mensalidade já paga — o que pouco importa diante das circunstâncias apuradas e dos dispositivos legais já referidos.

Nesse sentido, a testemunha Odete de Oliveira Batista declarou que estava na sala de aula quando a professora Marta pediu que a autora se retirasse, já que o sistema não acusava o recebimento da mensalidade. Afirmou que a autora mostrou o comprovante do pagamento, mas ainda assim a professora disse que seria prejudicada se permitisse sua permanência na sala de aula. Referiu que todos os alunos presenciaram o fato.

Por sua vez, Patrícia Rodrigues da Cunha informou que estavam na aula quando a professora solicitou que a autora e mais duas colegas se retirassem da sala, sob o argumento de que seus nomes não constavam da chamada. Noticiou que a autora tentou argumentar com a professora, mas não obteve êxito. Disse que era uma turma com mais de cinqüenta alunos e todos prestaram atenção no fato, que gerou comentários sobre a correção do procedimento.

Lisiane declarou que uma funcionária da universidade comunicou a professora Marta, durante a aula, que não poderiam permanecer na sala as alunas que não constassem da lista de chamada, entre as quais estava a autora. Negou-se a sair, argumentando que havia pago pelo ensino, mas foi convencida pela professora a retirar-se. Dirigiu-se à coordenadora pedagógica Silvana, mas não obteve êxito e foi orientada a registrar ocorrência policial.

Disse ter recebido a solidariedade dos colegas de aula e manifestou sua indignação e revolta.


Pertinente à ocorrência do dano moral, no caso em apreço, ele se apresenta inafastável.

Isso porque o fato de a autora ter sido impedida de permanecer em sala de aula por suposta dívida ― que, inclusive, relevou-se inexistente ―, na frente de seus colegas e amigos, é circunstância que fere sensivelmente o âmago de qualquer pessoa, melhor que seja sua condição psíquica.

Não houve mero dissabor, mas, sim, lesão grave e irreparável à imagem da autora perante seus pares, o que justifica a reparação pecuniária por tais prejuízos.

Quanto ao valor, adianto que não se trata de tarifar de forma pecuniária o sentimento íntimo da pessoa. Tal seria impensável e até mesmo amoral. Todavia, a prestação pecuniária se presta a amenizar a dor experimentada em decorrência do ato praticado e reprovável. Embora a vantagem pecuniária a ser aferida não fará com que se retorne ao status quo ante ― situação essa ideal, porém impossível ― proporcionará uma compensação, parcial e indireta, pelos males sofridos.

Por esse enfoque, deve-se ter em mente que a indenização deve ser em valor tal que garanta à parte credora uma reparação (se possível) pela lesão experimentada, bem como implique, àquele que efetuou a conduta reprovável, impacto suficiente para dissuadi-lo na repetição de procedimento símile.

Nesta linha, entendo que a condição econômica das partes, a repercussão do fato, assim como a conduta do agente devem ser perquiridos para a justa dosimetria do valor indenizatório, no intuito de evitar o enriquecimento injustificado da autora e aplicação de pena exarcebada à demandada. Noutro sentido não me parecem as ponderações exaradas por Sergio Cavalieri Filho, ao tratar do arbitramento do dano moral:

Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.”1

Outrossim, veja-se, a propósito, aresto da lavra do eminente Des. Osvaldo Stefanello, com a seguinte ementa:

DANO MORAL. SUA MENSURAÇÃO. NA FIXAÇÃO DO ‘QUANTUM’ REFERENTE À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, NÃO SE ENCONTRANDO NO SISTEMA NORMATIVO BRASILEIRO MÉTODO PRATICO E OBJETIVO, O JUIZ HÁ QUE CONSIDERAR AS CONDIÇÕES PESSOAIS DE OFENSOR E OFENDIDO; GRAU DE CULTURA DO OFENDIDO; SEU RAMO DE ATIVIDADE; PERSPECTIVAS DE AVANÇO E DESENVOLVIMENTO NA ATIVIDADE QUE EXERCIA, OU EM OUTRO QUE PUDESSE VIR A EXERCER; GRAU DE SUPORTABILIDADE DO ENCARGO PELO OFENSOR, E OUTROS REQUISITOS QUE, CASO A CASO, POSSAM SER LEVADOS EM CONSIDERAÇÃO. REQUISITOS QUE HÁ DE VALORAR COM CRITÉRIO DE JUSTIÇA, COM PREDOMÍNIO DO BOM SENSO, DA RAZOABILIDADE EDA EXEQUIDADE DO ENCARGO A SER SUPORTADO PELO DEVEDOR. “QUANTUM” QUE NEM SEMPRE DEVERA SER INFERIOR AO DO DANO PATRIMONIAL. EIS QUE A AUTO-ESTIMA, A VALORAÇÃO PESSOAL, O EGO, SÃO VALORES HUMANOS CERTAMENTE MAIS VALIOSOS QUE OS BENS MERAMENTE MATERIAIS OU ECONÔMICOS. INCONFORMIDADE COM A SENTENÇA QUE FIXOU O MONTANTE DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPROVIMENTO DO APELO DA DEVEDORA. (Apelação Cível Nº. 592066575, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 23/11/1993).

Tecidas essas ponderações, entendo que se mostra elevado o valor fixado pelo juiz singular, valor esse que merece majoração. Fixo, então, o valor da indenização pelo abalo moral sofrido em R$ 7.600,00, montante esse que, a meu sentir, atende às suas finalidade. Porque, por um lado, não se mostra baixo, assegurando o caráter repressivo-pedagógico próprio da indenização por danos morais; por outro, não se apresenta elevado a ponto de caracterizar um enriquecimento sem causa da parte-autora.

Sobre o valor deverá incidir correção pelo IGP-M, deste a data do presente julgamento, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.

Voto em dar parcial provimento ao recurso.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (REVISOR) – De acordo.

DES. LEO LIMA (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. LEO LIMA – Presidente – Apelação Cível nº 70022342182, Comarca de Sapiranga: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: JORGE ALBERTO SILVEIRA BORGES

Nota de rodapé

1. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. 4ª Tiragem. rev., aum. e atual. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2001. Págs. 81-82.

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