População flutuante

Justiça manda IBGE refazer censo em cidade gaúcha

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5 de janeiro de 2008, 23h01

A cidade de Cachoeirinha, no interior do Rio Grande do Sul, conseguiu decisão liminar que a coloca na faixa daquelas que recebem o índice de 3,4% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Pela contagem de habitantes do IBGE, a prefeitura deveria receber o índice de 3,2%.

Se for mantida a decisão da juíza Maria Isabel Pezzi Klein, da Justiça Federal de Porto Alegre, a cidade ganhará R$ 1 milhão a mais da verba repassada. A liminar determina também que a União reserve o dinheiro para a prefeitura caso ela vença também no mérito.

O pedido de recontagem foi feito pelo procurador Adler Baum, que entrou com uma Ação Ordinária reclamando do número de habitantes levantado pelo instituto, que faz parte da administração pública federal.

No levantamento divulgado em dezembro de 2007, foram computados 112.603 moradores. Faltaram apenas 2.862 habitantes para a cidade alcançar o índice maior. Segundo o procurador, do período da contagem em 2006 até agora a população aumentou. A informação se baseia em dados das companhias de água e energia do Rio Grande do Sul e do Detran.

Este argumento não foi aceito pela juíza. “A contagem populacional é incumbência exclusiva do IBGE, presumindo-se legítimos os números por ele apurados. Os dados apresentados pela parte autora, ainda que sinalizem para eventuais equívocos no processo de recenseamento, não têm o condão de demonstrar conclusivamente o atual contingente populacional do Município”, decidiu Maria Isabel.

A juíza considerou, no entanto, a margem de erro de 2 a 3% que o IBGE admite. “Significa dizer que numa população de 112.000 habitantes é perfeitamente normal que algo entre 2.200 e 3.400 pessoas não sejam de fato contabilizadas, sem que, por isso, devam ser considerados inválidos os dados obtidos”, anotou Maria Isabel.

Como a contagem de habitantes do IBGE é legítima para fundamentar o FPM, segundo jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª (Porto Alegre), a juíza não determinou que o valor seja repassado imediatamente, mas que seja reservado pela União.

Rebelião dos números

Os números do censo 2007 do IBGE provocaram uma rebelião de prefeitos de todo país. Prefeitos e munícipes sempre acreditam que vivem numa cidade maior e mais populosa do que ela é na verdade. E sempre acreditam que suas impressões são mais verdadeiras do que as estatísticas do censo. Ser maior, obviamente, representa também vantagens na destinação de verbas federais e estaduais para os municípios.

Em diversos estados, municípios estão entrando na Justiça para exigir a recontagem porque a população foi reduzida. O índice populacional tem impacto direto no cálculo do FPM, principal receita de grande parte das prefeituras, e também influi nos cálculos para repasse de recursos do Sistema Único de Saúde.

Só na Justiça Federal da 5ª Região (Recife), por exemplo, correm 106 ações do gênero: 35 em Pernambuco, 26 em Alagoas, 16 no Rio Grande do Norte, 14 na Paraíba, 12 no Ceará e três em Sergipe. Segundo a Advocacia-geral da União, o IBGE está preocupado com o efeito multiplicador de decisões deste tipo favoráveis aos municípios.

Leia decisão liminar

AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)

2007.71.00.047577-3/RS

AUTOR — MUNICIPIO DE CACHOEIRINHA – RS

ADVOGADO — ADLER BAUM

RÉU — UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

FUNDACAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA – IBGE

DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)

Vistos, etc.

Trata-se de analisar pedido de antecipação de tutela em ação ordinária proposta pelo Município de Cachoeirinha contra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e a União, por meio do qual pretende seja-lhe garantido o repasse de verbas do Fundo de Participação dos Municípios, de acordo com o coeficiente de 3,4%, vigente no exercício de 2007.

Alega que o coeficiente do município foi reduzido de 3,4% para 3,2%, dando ensejo a uma diminuição de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Que tal fato ocorreu em virtude de falhas no processo da contagem de população levada a efeito pelo IBGE por ocasião do censo realizado neste ano. Afirma que embora o IBGE tenha computado 112.603 habitantes, faltando apenas 2.862 habitantes para que fosse alcançado o contingente populacional necessário à aplicação do coeficiente 3,4%, foi constatado pelo Município que houve um efetivo crescimento populacional na cidade. Aponta informações prestadas pela CORSAN, RGE, DETRAN-RS e dados dos municípios vizinhos como fundamento para comprovar o crescimento da população de Cachoeirinha. Junta documentos (fls. 13/42).

A contagem populacional é incumbência exclusiva do IBGE, presumindo-se legítimos os números por ele apurados. Os dados apresentados pela parte autora, ainda que sinalizem para eventuais equívocos no processo de recenseamento, não têm o condão de demonstrar conclusivamente o atual contingente populacional do Município, o que só será possível, em última análise, mediante a realização de novo recenseamento pelo próprio IBGE.

Por outro lado, há de se considerar que o processo de recenseamento, embora tenha por objeto a contagem física da população, possui uma margem de erro que pode ser estimada, segundo afirmações obtidas na Internet, entre 2% e 3%. Significa dizer que numa população de 112.000 habitantes é perfeitamente normal que algo entre 2.200 e 3.400 pessoas não sejam de fato contabilizadas, sem que, por isso, devam ser considerados inválidos os dados obtidos.

Some-se a isso a tranqüila jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no sentido da validade dos levantamentos populacionais realizados pelo IBGE para fins de verificação da quota do Fundo de Participação dos Municípios. Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO. RETENÇÕES. DADOS POPULACIONAIS. DO IBGE A TÍTULO DE ESTIMATIVA.

1. É tranqüila a jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal de que o ato do Tribunal de Contas da União que aplica redutor ao coeficiente da quota do Fundo de Participação dos Municípios não ofende ao direito adquirido e ao princípio da legalidade.

2. A Carta Federal delegou à Lei Complementar o estabelecimento de normas sobre a entrega dos recursos referidos no art. 159 e sobre os critérios de rateio dos fundos previstos no seu inciso I. Competência do TCU para efetuar cálculo das quotas referentes a esses fundos.

3. Não se pode pretender que o Poder Judiciário exerça a competência atribuída pela Constituição, em substituição à Corte de Contas.”

(TRF 4ª Região, Agravo de Instrumento: 200704000131605/PR, D.E. DATA: 15/10/2007, Relator(a) MARGA INGE BARTH TESSLER)

“FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. CENSO. IBGE. VALIDADE ALTERAÇÃO DO COEFICIENTE POPULACIONAL. LC 91/97 E LEI Nº 8.443/92. ÔNUS DA PROVA. ISENÇÃO DE CUSTAS.

1. Os levantamentos populacionais, realizados pelo IBGE, e que influenciam no coeficiente para recebimento da quota do fundo de Participação dos Municípios, não restam descaracterizados com a apresentação, pelo município, de indicadores próprios da densidade populacional, isolados e assistemáticos, carentes de uma eficaz metodologia de interpretação.

2. Não já ilegalidade na aplicação de redutor ao coeficiente da quota do Fundo de Participação dos Municípios, realizada na forma da legislação em vigor (Lei Complementar 91/97), que obedece a dados populacionais oficialmente fornecidos pelo IBGE. Precedentes do STF.

(TRF 4ª Região, Apelação Cível: 200004011404139/PR, DJU DATA:02/10/2002 PÁGINA: 660, Relator(a) TAÍS SCHILLING FERRAZ)

Ainda assim, entendo que há fundamento para a concessão de liminar tão-somente para o fim de determinar à União a reserva do valor relativo à diferença do coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios de 3,2% para 3,4%, até o julgamento final da demanda.

Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de antecipação de tutela, tão-somente para o fim de determinar à União a reserva do valor relativo à diferença do coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios de 3,2% para 3,4%, até o julgamento final da demanda.

Intimem-se as partes da presente decisão.

Após, citem-se.

Porto Alegre, 19 de dezembro de 2007.

MARIA ISABEL PEZZI KLEIN

Juíza Federal

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