Controle das contas

O fim da CPMF e a questão do sigilo bancário

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4 de janeiro de 2008, 10h38

Baldados os esforços do Governo Federal na manutenção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) surgiram, de imediato, eloqüentes manifestações na defesa dos positivos efeitos exercidos pela sobredita contribuição no combate à sonegação fiscal.

Tais vozes afirmam que dita contribuição permitia o controle e conhecimento da quase totalidade dos fluxos financeiros do país, contribuindo com a identificação do dinheiro sem lastro, aquele do caixa 2, o dinheiro sonegado.

Impõe-se um retrospecto. A verificação, ao alvedrio do fisco, das movimentações financeiras de todos os cidadãos do país e não apenas dos suspeitos de sonegação, decorria da absurda e famigerada Lei Complementar 105/2001, que afirmava não constituir violação do dever de sigilo bancário o fornecimento das informações tratadas no 2° parágrafo do artigo 11 da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996 — diploma legal que instituiu a falecida contribuição sobre movimentação financeira.

A legislação infraconstitucional passou, então, a outorgar ao Poder Executivo a "legitimidade" de resolver o confronto entre o interesse público e o direito fundamental individual (cláusula pétrea) para determinar e promover a quebra do sigilo bancário por decisão exclusivamente sua, independentemente de autorização judicial.

No nosso ordenamento jurídico, o sigilo bancário encontra respaldo no artigo 5, X, da Constituição da República, considerado como sendo uma das "projeções específicas do direito à intimidade", na feliz expressão do Ministro Celso de Melo (STF, MSMC — 23639/DF).

Ao analisar a matéria do sigilo bancário sobre o prisma constitucional, José Delgado, ministro do Supremo Tribunal Federal nos ensinou que em face dessa elevação no panorama constitucional concedida ao sigilo bancário, deve ser tratado como sendo direito fundamental do indivíduo, portanto, merecedor de ser inserido no rol dos protegidos pelo artigo 60, 4º parágrafo, IV, da Constituição Federal. Insuscetível passa a ser de sofrer qualquer modificação por via de Emenda Constitucional, isto é, pelo constituinte derivado.

Portanto, o direito ao sigilo bancário, por ser uma extensão do direito à intimidade, integra a categoria dos direitos da personalidade, sendo, conseqüentemente, de natureza fundamental e, por isso mesmo, cláusula pétrea protegida pelo manto do artigo 60, 4º parágrafo, IV, da Lei Suprema, não sendo suscetível de ser abolido sequer por emenda constitucional. Para a Receita Federal do Brasil, todavia, Instrução Normativa supera, em efeitos e prerrogativas, a própria Constituição da República.

De fato, sem a CPMF e, portanto, sem os mecanismos, inconstitucionais de quebra do sigilo bancário, postos na Lei Complementar 105/2001, o que fizeram os técnicos da Receita Federal do Brasil?

Editaram uma Instrução Normativa 802, no apagar do ano de 2007, determinando às instituições financeiras em geral o dever de prestar, à Receita Federal do Brasil, informações semestrais relativas a cada modalidade de operação financeira em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior à R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 10 mil para pessoas jurídicas.

A inconstitucionalidade é tamanha que o Supremo Tribunal Federal, mesmo que não oficiosamente, já sinalizou sua repulsa a esta excrescência, nas palavras sempre firmes do Ministro Marco Aurélio: "É flagrantemente inconstitucional, salta aos olhos o conflito com a Constituição. Certamente a assessoria jurídica da Receita não foi ouvida", disse Marco Aurélio ao jornal Correio Braziliense, (2/01/2008).

Ao lado da evidente inconstitucionalidade da mencionada Instrução Normativa, o que surpreende é o ímpeto e a audácia do poder constituído em editar degenerescências desta natureza, a qual, ao lado de projetos não menos teratológicos, como a cobrança executiva do crédito fiscal sem procedimento judicial e a inscrição do nome dos devedores do fisco em cadastros de negativação creditícia (Serasa, Spc ), só para citar mais dois exemplos, se afeiçoam, muito mais, a regimes ditatoriais do que a sistemas ditos democráticos.

Autores

  • é advogado graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-graduado em Direito de Empresas e da Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista nas áreas do Direito Tributário e de Mercado de Capitais.

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