Contra o calote

Precatório deve ser usado para quitar dívida tributária

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2 de janeiro de 2008, 16h10

[Artigo publicado originalmente no jornal Estado de Minas, de 30 de dezembro de 2007].

O Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou sobre os precatórios definitivamente. Enquanto isso outros tribunais mostram a postura resoluta do Poder Judiciário em prol da cidadania. É conferir o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, relatado pelo desembargador Sérgio Rodrigues, quem o enviou por fax:

“O credor, como de resto acontece, peregrinou pelos caminhos do contencioso, enfrentando uma enorme gama de dificuldades, prazos dilatados, recursos e mais recursos, para obter o título de seu crédito, cuja satisfação, segundo previsto no texto constitucional básico, se daria no exercício financeiro seguinte (artigo 100, parágrafo 1º da Constituição Federal), com a ressalva da atualização obrigatória. O devedor público alega não dispor de recursos financeiros para pagar seus credores, aplica a moratória, com parcelamento imposto pela Emenda Constituição de número 30. Para conforto dos mesmos fez incluir o parágrafo 2º, com o esclarecimento de que as prestações anuais terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. A EC 30/2000 surgiu em decorrência dos inúmeros pedidos de seqüestro de receitas tanto da União, como dos estados e municípios e também pelo caminho da intervenção no âmbito estadual ou municipal.

Agora não há como protelar e nem o Judiciário deve compartilhar com tal propósito, o que nos cabe, é ofertar à expressão poder liberatório, o mesmo significado da ‘solutio’ dos romanos, isto é, como todo fato jurídico que tenha o efeito de extinguir a obrigação. Na verdade, o vocábulo pagamento deve ser entendido no sentido jurídico mais amplo, ou seja, não está ele necessariamente ligado a uma determinada instrumentalização, pois, tanto se paga com dinheiro, moeda corrente, como através de outros títulos, inclusive no tradicional abate de contas, tão comum no Direito Comercial, de onde surge a expressão compensação, isso porque, nesta modalidade de instrumento, o que se busca é contrabalançar as contas, ou seja, créditos havidos por cada um dos títulos, isso porque se a pessoa é ao mesmo tempo devedor e credor, ajustam-se as contas, de tal forma que uma paga a outra. Tanto isso é verdade que a própria emenda, por não poder conferir ao precatório o mesmo sentido de pecúnia, esta de circulação geral, permitiu a cessão dos créditos (artigo 78 caput), assim se deu justamente porque o poder liberatório ficou restrito ao pagamento de tributos da entidade devedora.

Justifica-se, portanto, a interpretação no sentido de que o legislador constituinte desejou facilitar as coisas: quem não tem dívida fiscal a pagar pode transferir seu crédito a alguém que dele possa aproveitar com tal finalidade. Por fim e como decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em recurso relatado pelo juiz Geraldo Apoliano, adotou o entendimento no sentido de que a compensação não fica vinculada ao poder discricionário da administração (Revista do STJ e Tribunais Federais — LEX — volumes 106/609).

No aspecto doutrinário, é oportuna a lição de Sacha Calmon Navarro Coelho, no sentido de que ‘a palavra pagamento, na teoria das obrigações, tem um sentido amplo e outro restrito, no primeiro sentido significa o adimplemento de todo tipo de obrigação, no segundo sentido significa o adimplemento das obrigações pecuniárias.

O CTN usa o vocábulo em sentido estrito, até porque o pagamento do tributo só pode ser mesmo em moeda ou em valor que nela se possa exprimir (papel selado, selo, estampilha, vale postal, cheque). O devedor não tem escolha, seu ato, por isso que necessitado consiste em dar dinheiro ou valor que nele se possa exprimir’ (Curso de Direito Tributário — Ed. Forense). Já se percebe até mesmo em decorrência da elaboração técnica, que o legislador constituinte, ao usar a expressão poder liberatório, para pagamento de tributos devidos à entidade devedora, não teve outra intenção, senão aquela que é a conferir aos créditos decorrentes das parcelas não liquidadas, a mesma função pecuniária, revelando-se documento hábil para pagar os tributos devidos à mesma entidade.”

O judiciário com atribuir poder liberatório dos precatórios age bem. Só o Fisco já arrecadou até novembro R$ 590 bilhões. União, estados e municípios até 31 de dezembro de 2007 arrecadaram cerca de 1 trilhão de reais. Mesmo assim são maus pagadores, mas os procuradores da Fazenda estão a cobrar milhões. Aos fiscos é preciso enfiar-lhes boca adentro a suas dívidas não pagas para quitar tributos. O Tribunal de Justiça do Paraná merece encômios. Cuidava-se de pagar ICMS com precatórios alimentares cedidos. A não ser assim, os contribuintes não conseguem pagar e os credores do Estado não alcançam receber.

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    é advogado tributarista, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.

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