Balança da Justiça

Não interessa se réu é rico ou pobre, mas se crime é grave

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31 de dezembro de 2007, 23h00

O Direito Penal já foi batizado de “Direito Penal dos Pobres”. Crimes como roubos, furtos, homicídios e estupros ocorreriam com maior freqüência num meio economicamente desfavorecido, tanto quanto o tráfico de entorpecentes na escala em que é perseguido.

As prisões seriam concebidas para os pobres, eis a idéia desse discurso. Nelas não se veriam nem empresários, nem políticos. Esse pano de fundo gerou um novo modelo de Direito Penal, que é o “Direito Penal dos Ricos”, muito em voga atualmente.

Ele baseia-se numa ideologia que nasce para contrabalançar a ideologia do “Direito Penal dos Pobres”. Pretende-se punir os crimes praticados pelos segmentos mais abastados e historicamente impunes.

Esse “Direito Penal dos Ricos” tutela interesses difusos, pois abrange a ordem econômica, ambiental, financeira, tributária. Os delitos são considerados gravíssimos porque atentam contra bens jurídicos invisíveis. O que não se vê seria, em tese, mais importante do que o que se vê, do que o palpável, dentro dessa lógica peculiar de raciocínio. A corrupção seria mais violenta do que um homicídio, costuma-se dizer nessa linha de pensamento.

Trata-se de um Direito Penal de cunho funcional, calcado em ilícitos de perigo, porque o perfil dos autores — que não se adaptam às regras do sistema — indica tendência à impunidade. São pessoas que manipulariam as regras sociais, razão pela qual o sistema deveria ser rigoroso e duro com esse segmento. Nesse contexto, tornar-se-ia necessário reduzir os direitos de defesa dos acusados em geral.

O “Direito Penal dos Empresários” seria turbinado pela redução das garantias individuais, ao mesmo tempo em que o “Direito Penal dos Pobres” expande generosamente suas garantias. Eis o panorama atual: autores de crimes violentos são soltos pela Justiça ao passo que empresários são algemados e presos, para dar o exemplo à sociedade. É o “Direito Penal dos Ricos” falando. Por trás desse discurso, há outro: é um pecado ter dinheiro numa sociedade tão desigual. A menor transgressão deve ser severamente punida, em se tratando de um crime objeto da tutela do “Direito Penal Empresarial”.

O que é necessário enfatizar é o perigoso retorno a um autoritário Direito Penal do autor, que criminaliza não o fato, mas o autor em si. A criminalização excessiva pode levar à paralisia social e às transgressões contínuas.

É óbvio que não se pode aceitar a ocorrência de crimes contra o sistema tributário, financeiro ou previdenciário, mesmo porque se tratam de bens jurídicos importantes. No entanto, cuida-se de equacionar de maneira realista questões complexas. Fiquemos num campo estratégico e importante: o que leva um empresário, muitas vezes, à sonegação de tributos? A carga tributária excessiva, voraz e desigual é um fator relevante, até mesmo na competição. Se o vizinho sonega, e não é fiscalizado, tal fator estimula a sonegação.

Então, o problema começa na falta de fiscalização administrativa e na desigualdade de competição, à luz das regras de mercado. É injusto, desse modo, escolher o Direito Penal como instrumento de cobrança fiscal, coagindo o contribuinte e cidadão a abreviar seus direitos de defesa. Ele sabe que, se pagar o débito tributário, extingue a ação penal, o que se revela altamente motivador para o pagamento de um débito controverso.

Trata-se de distorção do sistema punitivo, que merece reflexão crítica. Não se pode aceitar que o Direito Punitivo se preste ao papel de reduzir e eliminar direitos individuais, cerceando a defesa dos acusados em geral. Ao propor a vinculação da ação penal à instância administrativa, de forma lógica e coerente, o Supremo Tribunal Federal também não deve dar guarida ao uso abusivo da ação penal como forma de coagir e reforçar a cobrança fiscal. Tal manipulação vem, lamentavelmente, ocorrendo. A Receita faz uma autuação. O cidadão se defende. Entra a ação penal.

O Judiciário tranca a ação no aguardo do desfecho do contencioso administrativo. Há, aí, um estímulo ao pagamento forçado. Uma espécie de coação. Enquanto houvesse tramitação de discussão administrativa, não poderia haver sequer a instauração de investigação criminal, muito menos a propositura de ação penal.

Não se pode instituir um Direito Penal do autor: não importa se alguém é rico ou pobre, mas sim a gravidade do delito cometido. “Direito Penal dos Ricos” ou “Direito Penal dos Pobres” constituem terminologias autoritárias e incompreensíveis num Estado de Direito, mas reais perante instituições e autoridades que atuam impregnadas por ideologias defasadas e comprometidas com uma visão sectária da sociedade.

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