Retrospectiva 2007

Empresas nacionais passaram a investir mais no exterior

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31 de dezembro de 2007, 23h00

Este texto sobre Fusões e Aquisições faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou.

O mercado brasileiro assistiu ao longo do ano de 2007 a uma imensa movimentação no setor de fusões e aquisições (M&As — Mergers and Acquisitions, na sigla em inglês). Operações desse tipo ocorreram em todos os setores da economia, sendo que os setores que mais se destacaram foram os de alimentos, bebidas e fumo, tecnologia da informação, imobiliário e shopping centers, conforme demonstrado no relatório da Pesquisa de Fusões e Aquisições 2007 — 3º Trimestre, divulgado pela KPMG Corporate Finance.

Grandes operações no setor de mineração e metalurgia também ocorreram nesse período, em razão dos elevados preços de tais commodities no mercado externo. Uma retrospectiva do comportamento do mercado de fusões e aquisições durante o ano de 2007 demonstra que o Brasil está passando por um excelente momento, que tem sido bem aproveitado pelas empresas nacionais e estrangeiras, que, apesar dos entraves estruturais e legais existentes no país, encontram por aqui um ambiente seguro para a realização de investimentos.

Embora o aumento do número de operações de M&As no Brasil durante o ano de 2007 seja uma grande notícia, tal fato por si só não pode ser considerado uma grande novidade, uma vez que desde 2003 esse número tem crescido de maneira consistente. A grande novidade observada nesse período é a mudança de posicionamento das empresas nacionais frente às estrangeiras. No ano de 2007 as empresas nacionais passaram a fazer investimentos relevantes no exterior, adquirindo empresas estrangeiras por todo o mundo.

O relatório divulgado pela KPMG demonstra que nos nove primeiros meses de 2007 foram divulgados 70 acordos envolvendo fusões e aquisições de empresas estrangeiras por empresas nacionais, número que supera em mais de 10% a quantidade de operações desse tipo no mesmo período de 2006. Embora o mercado de fusões e aquisições no Brasil durante o ano de 2007 não tenha girado apenas em torno de M&As liderados por empresas brasileiras em torno de empresas estrangeiras, em uma retrospectiva sobre o ano que passou, esse acontecimento apresenta-se como um dos de maior relevância.

O incrível aumento do número de empresas que completaram em 2007 o processo de abertura de capital (IPO — Initial Public Offering, na sigla em inglês) na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) também representou um acontecimento notável, gerando enorme influência sobre o aumento de M&As realizados por empresas brasileiras. Muitas empresas se prepararam para sua abertura de capital adquirindo outras empresas de porte pequeno ou médio, visando assim fortalecer sua participação no mercado e atrair mais investidores qualificados. Em outros casos, as empresas que passaram por IPOs utilizaram os recursos captados por meio da abertura de capital para a busca de novas aquisições, seja no Brasil ou no exterior.

Como não poderia deixar de ser, embora as empresas nacionais estejam se destacando no mercado de M&As, na posição de compradoras, de maneira nunca vista antes, a participação de estrangeiros no mercado de fusões e aquisições no Brasil ainda é notável. O enorme fluxo de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) no ano de 2007 demonstra com clareza a atração que o mercado nacional exerce sobre as empresas estrangeiras.

Embora o grande momento atualmente vivido pelo Brasil e as empresas nacionais seja em grande parte fruto de uma conjuntura mundial extremamente favorável, caracterizada por enormes níveis de liquidez, é certo que a solidez das instituições envolvidas nesse mercado também desempenha um relevante papel nesse sucesso.

O Banco Central do Brasil, ao flexibilizar suas normas sobre a entrada e saída de capitais no país, dando maior autonomia para as partes e os bancos comerciais envolvidos em cada transação, contribuiu de maneira extremamente positiva para esse processo. Uma excelente medida adotada pelo Banco Central em 2007 foi a relativa ao capital contaminado das empresas (capital estrangeiro investido no Brasil sem registro), em muitos dos casos resultante de operações de M&A, que pôde ser registrado sem a imposição de qualquer penalidade.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também desempenhou em 2007 um excelente papel na função de reguladora do mercado de capitais. A atuação firme e objetiva da CVM nesse mercado contribuiu de maneira decisiva para o sucesso dos IPOs realizados, uma vez que a confiança do investidor na regulação do mercado é imprescindível para o sucesso de qualquer abertura de capital. Merece também destaque a atuação das agências reguladoras, que têm a cada ano demonstrado que de fato vieram para regular o funcionamento dos mercados em que atuam, e não para proteger as empresas nacionais.

Uma das questões que ficaram pendentes em 2007 foi a relativa à participação de estrangeiros no capital de instituições financeiras nacionais. A regulação atualmente em vigor determina que a participação estrangeira em instituições financeiras locais depende de análise prévia do Banco Central e autorização expressa do governo, mediante decreto. A autorização é dispensada caso a participação envolva apenas ações preferenciais de instituição financeira que seja companhia aberta listada em bolsa de valores. Apesar de tal discussão já existir no governo, a mudança ainda não ocorreu e seria muito positiva para o mercado de M&As, uma vez que flexibilizaria as regras atualmente existentes, o que certamente atrairia a atenção dos investidores.

Ficaram pendentes também as mudanças na estrutura de funcionamento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que envolve o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). O modelo atual de análise de atos de concentração (muitas vezes decorrentes de operações de M&A), que permite que os três órgãos envolvidos analisem isoladamente os atos apresentados para sua apreciação, em muitas das vezes é demorada, o que causa enormes incertezas para as partes envolvidas. A mudança do modelo atual de análise dos atos de concentração é imprescindível para o desenvolvimento do mercado de M&As, uma vez que as incertezas atualmente geradas pela análise dos atos de concentração desestimulam as empresas a realizaram operações que possam alterar de maneira significativa o mercado.

É necessário também mencionar, embora não seja novidade, que a grande maioria das reformas estruturais prometidas pelo governo federal, principalmente no que tange às reformas tributária e trabalhista, também não ocorreram em 2007. A imensa carga tributária suportada pelas empresas nacionais e a complexidade do sistema trabalhista e fiscal em vigor representa um dos maiores entraves para o desenvolvimento do mercado de M&As no Brasil, impede o fortalecimento financeiro das empresas nacionais e afugenta as empresas estrangeiras no processo de consolidação e/ou tomada de decisão sobre novos investimentos. Os gargalos na infra-estrutura do Brasil também não foram resolvidos, sendo que a maioria das soluções prometidas pelo governo ficou apenas no papel.

Todavia, apesar das questões que ficaram pendentes em 2007, é certo que este ano será importante para o mercado de fusões e aquisições. A conjugação de um cenário de liquidez mundial sem parâmetros na história recente com a solidez das instituições envolvidas no mercado criou um ambiente extremamente favorável para esse tipo de operação no Brasil, sendo certo que a cada dia as empresas brasileiras têm se mostrado cada vez mais preparadas para enfrentar os desafios do mercado global.

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