Lição da história

Juízes municipais podem solucionar lentidão da Justiça

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de fevereiro de 2008, 17h07

1. O Judiciário e a explosão de processos

A enorme quantidade de processos nos Juízos e Tribunais, fenômeno decorrente da dinâmica da vida moderna, aliada ao absoluto e irrestrito acesso ao Poder Judiciário dado pela Constituição Federal de 1988, ocasionaram inquestionável acúmulo de processos no Poder Judiciário. Prestigiado pela sociedade, que ingressa cada vez mais na Justiça, paradoxalmente passou o Judiciário a ser por ela criticado, já que não consegue dar vazão aos pedidos de todos que o procuram. Trata-se de fato por todos conhecido e que dispensa maiores comentários.

2. A busca de soluções

Tal estado de coisas tem estimulado a busca de soluções. A parcial reforma do Judiciário, que resultou na Emenda Constitucional 45/2004, foi uma delas. Experiências novas criadas pelos próprios Tribunais, Conselho Nacional de Justiça, Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados, unificação dos Tribunais de Alçada aos de Justiça, novas Varas, informatização e outras tantas iniciativas, foram e vem sendo tomadas. Mas a morosidade persiste. Dos que se utilizam do serviço judicial aos que o ministram, parece que ninguém está satisfeito.

3. A descentralização dos serviços públicos

A complexidade da vida moderna, o gigantismo das principais cidades e a simples grandiosidade do território pátrio ou de alguns estados, levam à necessidade de descentralização dos serviços públicos. A administração pública, por si só, é complexa. Mas o gigantismo a torna mais lenta e burocrática. O elevado grau de corrupção multiplica as formas de controle e, com isto, as soluções se tornam mais cautelosas e demoradas. É por isso que, em diversas atividades, busca-se a descentralização como forma de maior efetividade. Acredita-se que o administrador local é cobrado e fiscalizado mais de perto pela população e, por isso mesmo, mais ágil e voltado para o interesse público. Assim, para dar-se apenas um exemplo, as Guardas Municipais, cuja vocação constitucional (art. 144, § 8º) é apenas a de proteger os bens, serviços e instalações do município, acabam por assumir funções outras (por exemplo, o município de Limeira, SP, possui Polícia Ambiental).

4. Os juízes municipais

O Brasil, quando colônia de Portugal, não conheceu juízes municipais. Na época, como ensina Gabriel Vianna (Organização e Distribuição da Justiça no Brasil, Revista do STF, v. XLIX, 1923, p. 322-3) eles se dividiam em juízes ordinários, juízes de fora (que eram letrados, ou seja, formados em Direito) e juízes de órfãos. Proclamada a Independência, a Constituição de 1824, ao tratar do Poder Judicial, previu os juízes de Direito (art. 153) e os juízes de paz (art. 162).

Em 29 de novembro de 1832, foi promulgado o Código do Processo Criminal de primeira instância, com disposição provisória acerca da administração da Justiça Civil. Este diploma, nos artigos 32 a 35, tratou pela primeira vez dos juízes municipais. Eram indicados em lista tríplice pela Câmara Municipal para escolha pelo Presidente da Província, devendo ser formados em Direito, mas admitindo-se que fossem “pessoas bem conceituadas e instruídas”. Tinham mandato de três anos e competia-lhes substituir o Juiz de Direito, executar suas sentenças e mandados, bem como exercitar, cumulativamente, a jurisdição policial.

A Lei 261, de 3 de dezembro de 1841, reformou o Código de Processo Criminal e, nos artigos 13 a 21, dispôs sobre as atribuições dos juízes municipais, fortalecendo-as. Passou-se a exigir que fossem bacharéis em Direito e a nomeação passou a ser do Imperador. Atuavam por quatro anos, substituíam os juízes de Direito e passaram a ter suplentes. Atuavam também na área cível, com competência prevista nos artigos 114 a 116 do referido Código. A Lei 2.033, de 20 de setembro de1871, no artigo 1º, § 4º, declarou incompatível o cargo de Juiz Municipal com o de qualquer autoridade policial. Até então estas atribuições eram mescladas. O artigo 3º deu-lhes competência para julgar, além de outras coisas, os crimes de contrabando e as infrações aos Termos de Segurança e Bem Viver firmados por Juiz de Paz, termos estes praticados pela Polícia até hoje nos rincões brasileiros mais distantes.

A Constituição Republicana de 1891 não dispôs sobre os juízes municipais (arts. 55 a 62). Não havia menção nem à Justiça Estadual, porque se entendia que isso era matéria a ser tratada nas Constituições Estaduais. Exatamente da mesma forma se procedeu na Constituição de 1934 (art. 63, alíneas “a” a “d”). Na Carta de 1937 houve referência à Justiça dos Estados (art. 90, “b”) e expressa previsão à possibilidade das unidades da Federação criarem juízes com investidura limitada no tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor, inclusive atuar em substituição aos vitalícios (art. 106). Estes juízes não eram municipais. A Constituição de 1946 manteve previsão de juízes com investidura limitada no tempo (art. 124, inc. XI).

5. Juízes municipais, previsão legal

Pesquisar a existência de juízes municipais na legislação de todos os estados é missão difícil, quase impossível. A busca se limitará, portanto, ao Estado do Rio Grande do Sul. A Revolução Farroupilha propunha, em 1842, um novo Estado, independente, denominado “República Rio-Grandense”. E o Projeto de Constituição então elaborado, previa a existência de tantos juízes de Direito quantos fossem necessários para a boa administração da Justiça (art. 159) e que, além deles, existiriam juízes de paz eleitos pelo mesmo tempo e maneira que se elegem os vereadores (art. 164). Não havia referência a juízes municipais.

Proclamada a República em 1889, a Constituição Estadual gaúcha previu a existência do juiz distrital na sede de cada termo (art. 53). Não se tratava de juiz municipal, pois eram nomeados pelo presidente do Estado (nomeação à época dada aos governadores). Mas era um embrião da municipalização judiciária. O cargo de juiz distrital foi previsto no artigo 59 da Lei 269, de 15 de junho de 1922.

Na Constituição Estadual de 1935, o capítulo X, ao tratar do Poder Judiciário, expressamente previu no artigo 72, “d”, a existência de juízes municipais, nos termos. E no artigo 86 dispôs sobre esta classe de juízes, estabelecendo que deveriam ser brasileiros natos, formados em Direito, nomeados por cinco anos, gozando das mesmas garantias e estando sujeitos às mesmas incompatibilidades dos magistrados. Em 1947, nova Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, ao tratar do Poder Judiciário no artigo 105, omitiu-se quanto aos juízes municipais, muito embora deixasse uma possibilidade no inciso VII, que previa “outros tribunais e juízes criados em lei”.

Finalmente, o Código de Organização Judiciária do Estado, Lei 5.256, de 02 de agosto de 1966, previu a existência de juízes municipais Vitalícios, ou seja, uma situação nova. Atribuiu-lhes competência para o cumprimento de precatórias, processo e julgamento das contravenções penais e dos crimes apenados com multa ou no máximo um ano de prisão e outras de menor relevância. Com certeza, foi aí a última referência aos juízes municipais, já que não foram mencionados no Código de Organização Judiciária de 1970.

6. Juízes municipais teriam utilidade nos anos 2000?

A resposta é difícil. Todas as grandes mudanças guardam uma reserva de incerteza. Não há nada absolutamente previsível nas iniciativas de descentralização administrativa, principalmente na área do Poder Judiciário. Mas é sempre bom cogitar de todas as formas possíveis para o aprimoramento da Justiça. Daí porque a discussão é válida. Façamos um balanço das vantagens e desvantagens:

6.1. Vantagens

a) Gratuita, mais próxima da população, inclusive em áreas urbanas mais densas e populosas;

b) Mais informal, com competência restrita a casos de menor repercussão ou, quiçá, apenas a conciliações, arbitragens ou mediação;

c) Composta por uma mescla de juízes formados em Direito e leigos, de forma a agir com mais equidade do que no rigor da lei;

d) Juízes temporários, eleitos ou nomeados com a participação das comunidades;

e) Restrita a municípios com um número mínimo de habitantes e que, voluntariamente, se dispusessem a instalá-la, vez que haveria uma sobrecarga nos custos sem retorno financeiro;

6.2 Desvantagens

a) Risco de politização partidária dos juízes e conciliadores;

b) Risco de reivindicações das prerrogativas constitucionais da magistratura, com isto tornando-se uma Justiça formal e inadequada para as suas finalidades;

c) Risco de originar conflitos de jurisdição, eternizando os conflitos;

d) Risco de abrir-se a possibilidade de inúmeros recursos, caindo-se na vala comum de diversas instâncias e atraso na definição do conflito;

7. Conclusão

Em conclusão, é possível afirmar que: a) a discussão é válida; b) que eventual criação de uma Justiça Municipal deveria ser precedida de estudos por cientistas, mas também pelos que conhecem a realidade prática de tentativas de implantação de uma Justiça mais próxima do povo (por exemplo, Juizados Especiais); c) que, de alguma forma, seria imprescindível uma supervisão dos Tribunais de Justiça, a fim de que essa nova forma de Justiça tivesse uniformidade no âmbito do território estadual.

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