Lentidão caótica

Família e sucessões merece tratamento especial em São Paulo

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26 de fevereiro de 2008, 12h09

Artigo originalmente publicado na edição de terça-feira (26/2) do diário Folha de S. Paulo

É inegável que o Poder Judiciário atravessa uma grave crise, que se expressa na morosidade dos julgamentos. No estado de São Paulo, isso é intensificado pela extinção dos Tribunais de Alçada, unificados no Tribunal de Justiça por meio da Emenda Constitucional número 45, de 31 de dezembro de 2004. Como conseqüência dessa decisão, procedeu-se à distribuição de um acervo aproximado a 600 mil processos, cabendo a cada desembargador mais de 1.500. A esse volume, que não encontra paralelo nos demais estados da Federação, podemos acrescentar os recursos diariamente distribuídos (em 2005, 54.183; em 2006, 56.346 e em 2007, 62.606).

A urgência imposta pela Emenda Constitucional 45, acrescida da falta de previsão e de planejamento, sem que sejam garantidas condições físicas e materiais que viabilizariam o pronto atendimento dessa demanda, impôs desmedidos sacrifícios a funcionários e juízes. Dessa forma, a lentidão, que já era evidente, tornou-se caótica, mantendo hoje um acervo de 76.250 processos, ou seja, número superior à distribuição de 2007 e relativo à antiga competência do Tribunal de Justiça.

É, pois, imperioso pesquisar formas de minimizar a crise. Uma análise do volume total de feitos e de sua composição por matéria indica, claramente, a expressiva participação de processos de família e sucessões. Esses recursos apresentam crescimento vertiginoso, atingindo pouco mais de um terço do volume total e representando, desde a unificação, quase a metade do movimento de todos os recursos da matéria cível.

Dentre as diversas hipóteses de solução, releva-se a especialização de câmaras ou turmas de julgamento, como contribuição para agilizar decisões e impedir a formação de novo acervo. Essa é proposta expressamente prevista na Recomendação 5, de 4 de julho de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, em razão do pedido de Providências 166, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, aguardando-se para breve o pronunciamento da Ordem dos Advogados do Brasil, pela respectiva subsecção.

Essa solução se impõe não só para racionalizar a atividade jurisdicional, como, sobretudo, para atender ao interesse público. A recusa à especialização não se submete aos caprichos ou à capciosa interpretação do interesse individual, corporativo ou vocacional de qualquer magistrado. O juiz é pago para decidir processos.

A especialização deve estar submetida ao caráter provisório e à eventual repercussão sazonal, como, por exemplo, nas questões do Direito Imobiliário, dos planos econômicos, de erro médico, do consumidor etc. É irrecusável, assim, que a matéria de família e sucessões, pela relevância e urgência de suas decisões, mereça tratamento diferenciado. Mais a mais, é parte expressiva de todo o movimento da Corte.

Qual, então, a razão de não ter o Judiciário paulista, até o momento, adotado, a exemplo do que já fizeram outros estados, como Rio Grande do Sul e Paraná, respectivamente desde 1984 e 2003, uma solução sabidamente eficaz para o problema?

O sucesso da criação de câmaras especializadas de falência e recuperações judiciais, meio ambiente e crimes de prefeitos reforça a tese de que a medida deve ser estendida a outras matérias, sem se submeter a paliativos, soluções precárias ou postergadas, e reacende esperanças.

Aguarda-se, assim, do novo Conselho Superior da Magistratura, eleito para o biênio 2008/2009, vontade política. Ainda que não seja essa suficiente, pois há que estar jungida à mudança de mentalidades e ao apoio irrestrito dos lidadores do Direito. Ao cabo, são esses os ingredientes essenciais no atendimento às necessidades públicas e à concretização da pacificação dos contendores.

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