Depósito de vidas

Entrevista: Luís Guilherme Vieira, advogado criminalista

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24 de fevereiro de 2008, 0h00

Luís Guilherme Vieira - por SpaccaSpacca" data-GUID="luis_guilherme_vieira.jpeg">Em 2002, um grupo de estudiosos se reuniu para traçar um retrato do sistema prisional brasileiro. Depois de cálculos, pesquisas e discussões, concluíram que até 2010 o Brasil teria meio milhão de presos. Hoje, a previsão soa otimista. O país chegou ao fim de 2007 com 420 mil presos — mais de 270 mil são provisórios.

A situação é reflexo do raciocínio simplista e tacanho de que se resolvem problemas sociais e se combate a criminalidade e a violência criminalizando condutas. E revela que a cadeia se tornou nada mais do que o “símbolo da incompetência do ser humano em lidar com os atos dos seus semelhantes”.

A lição é do saudoso Evandro Lins e Silva — ministro aposentado do STF, escritor e um dos mais comemorados advogados do país, que morreu em 2002 — e foi repetida pelo advogado criminalista Luís Guilherme Vieira para mostrar que cadeia só teria de ser usada em última hipótese: para situações extremamente singulares e ímpares. Caso contrário, o que se tem é ilegalidade e a criação de um barril de pólvora pronto para explodir. Os primeiros sinais do fim dos tempos nos presídios já são dados. Este ano, juízes e corregedores começaram uma campanha para proibir entrada de mais acusados em diversas prisões, até que o Poder Público aplique políticas adequadas para a solução do problema.

Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, Luís Guilherme acredita que o caos prisional não se resolve só com a atuação do Poder Público. “Nós, da sociedade civil, que criminalizamos todas as condutas, precisamos nos organizar e repensar que o problema não é só do Poder Público. O problema é nosso”, afirma o advogado, na entrevista que deu para a revista Consultor Jurídico.

Luís Guilherme discorreu ainda sobre reforma do Código de Processo Penal, investigação criminal pelo Ministério Público, transferência de dados bancários para a Receita sem autorização do Judiciário e a tentativa de criminalização da advocacia criminal, entre outros temas.

O advogado fez escola com grandes criminalistas. No início dos anos 1980, quando ainda cursava Direito na Universidade Cândido Mendes, trabalhou como estagiário de Nilo Batista — um dos mais respeitados advogados criminalistas do país e ex-governador do Rio de Janeiro. Em 1986, montou seu próprio escritório e, desde então, batalha nas lides penais. O advogado trabalhou em algumas causas junto com Evaristo de Moraes Filho. Evaristo era contemporâneo do ministro Evandro Lins e Silva, o que permitiu a Luís Guilherme ter contato com toda a experiência de dois grandes juristas da história do Brasil.

“Nunca me imaginei em outra atividade. E é muito curioso. Na adolescência, sempre resolvi os problemas que a turma tinha com bola na janela da vizinha, confusões com a rádio patrulha. Era engraçadíssimo. Eu até relutei seguir este rumo, ainda mais quando fui pai, porque as crianças me questionavam. Mas hoje, se eu tivesse que começar tudo de novo, faria a mesma coisa, claro que com menos erros”, afirma.

Para os candidatos a advogado criminal, Luís Guilherme ensina: não dá pra trabalhar sem paixão, compaixão e ignorando as fragilidades do ser humano. “Tenho visto muita gente indo para concurso público, mesmo não sendo vocacionado. E aí o trabalho não é prazer. O trabalho é estorvo”, diz. Falta emoção aos advogados jovens. Também participaram da entrevista os jornalistas Maurício Cardoso e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — Na abertura do ano judiciário, o presidente Lula defendeu a reforma do Código de Processo Penal. Em que pé está o projeto de reforma?

Luís Guilherme Vieira — A reforma deveria ter sido apreciada há muito tempo. A última grande reforma que tivemos foi em 1977. Em 2001, uma comissão presidida pela professora Ada Grinover criou um anteprojeto, que desde então dormita pelas prateleiras do Congresso. Na ocasião, se resolveu fatiar o CPP para aprovar a reforma em tópicos, o que facilitaria sua apreciação. Mas não andou. A necessidade de reforma só é lembrada quando aparecem casos de grande clamor popular. O Código de Processo Penal Militar, de 1969, é mais progressista que o CPP. Mas eu defendo que antes da reforma do Código de Processo, o Brasil precisa reestruturar o Código Penal, até para recepcionar os novos crimes.

ConJur — Como seria a reforma do Código Penal?

Luís Guilherme Vieira — É preciso revisar todas as leis extravagantes, editadas sempre em cima de crimes de apelo popular. Só não sei se temos maturidade para fazer isso. Além de precisar mudar a cultura legislativa, a sociedade precisa estar aberta a debates aprofundados. E isto é muito difícil em um país como o nosso.


ConJur — A reforma do Código Penal está mais crua do que a do Código do Processo.

Luís Guilherme Vieira — Essa não anda de jeito nenhum.

ConJur — O que deve ser reformado e o que tem de ficar como está no processo penal?

Luís Guilherme Vieira — Tem de ficar a parte que garante os direitos fundamentais, conforme previsto na Constituição Federal. A Constituição tem privilégio sobre qualquer norma infralegal. O que sobrar tem de ser repensado.

ConJur — Interrogatório online é admitido?

Luís Guilherme Vieira — O Supremo já sinalizou que este tipo de interrogatório prejudica o direito de defesa. O pai da videoconferência é o advogado Luiz Flávio Gomes. Quando era juiz, foi o primeiro a fazer este tipo de interrogatório e a partir daí começou a defender a idéia. Disse que era legal, desde que observados os princípios e garantias constitucionais. Eu entendo que é inconstitucional o interrogatório online. Primeiro, o Brasil precisa se informatizar. Depois, o interrogatório é a única oportunidade que o acusado tem para estar com o juiz e este contato é muito importante. Por fim, a questão de segurança e dos gastos com transporte não justificam a negação de um direito constitucional.

ConJur — A questão da legalidade da videoconferência chegou ao Supremo em um pedido de Habeas Corpus ajuizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Como o senhor vê o desempenho dos defensores?

Luís Guilherme Vieira — A Defensoria Pública no Brasil é uma instituição deixada à própria sorte. Ela não tem o mesmo tratamento dado pelo Poder Público para a magistratura e para o Ministério Público, e é tão importante quanto eles. Está na Constituição: o advogado é indispensável para a administração da Justiça. O estado de São Paulo é o maior exemplo de descaso. A defensoria foi criada há cerca de dois anos, apenas. Por isso, ganhou força o trabalho dos advogados dativos. Não tenho nada contra o trabalho deles, mas acredito que a defesa das pessoas carentes não deve ser feita pela advocacia privada, por uma única razão: assim não desejou o legislador constituinte. Quem dá acesso ao Judiciário não é o advogado, com seu escritório privado. Ele é um braço. Quem dá acesso à Justiça é a Defensoria Pública, que representa a maior parcela da população. Um modelo que pode ser seguido é o do Rio de Janeiro. Além dos defensores que atuam no contencioso, a defensoria tem vários núcleos de assistência. O mais atuante é o que trabalha com a população carcerária. Trinta e cinco defensores atuam como a voz dos presos aqui fora, além de ajudá-los a conhecer sua situação prisional, o que para o preso é muito importante. Este tipo de ajuda tem gerado resultados muito positivos. As estatísticas não poderiam ser melhores. E este é só um dos inúmeros trabalhos desenvolvidos.

ConJur — Qual é a população carcerária no Brasil?

Luís Guilherme Vieira — Já passamos dos 420 mil presos, sem considerar as pessoas que estão presas sem identificação e registro. Quando chegamos ao século XXI, estudiosos diziam que até 2010 teríamos meio milhão de detentos. Terminamos 2007 com 420 mil. Desses, 65% são presos provisórios (não condenados). Esse número tem de ser olhado com ressalvas porque existe um passivo não apurado. O advogado Augusto Thompson explica que para se ter uma estatística real sobre a criminalidade, precisaríamos ter os seguintes dados: saber o número de ocorrências que chegam à delegacia e saber se foram registradas. Depois, saber se houve inquérito policial. Com o inquérito, saber se a autoria foi apurada. Apurada autoria, se houve processo criminal. Do processo criminal, surge a sentença que se torna condenatória depois de esgotados todos os recursos. Se fizermos esse cálculo, vamos perceber que é mínimo o número de processos que chegam até a última etapa. E isto não é uma questão de política de governo. Nós, da sociedade civil, que criminalizamos todas as condutas, precisamos nos organizar e repensar que o problema não é só do Poder Público. O problema é nosso.

ConJur — Cadeia é problema ou solução?

Luís Guilherme Vieira — A cadeia é o símbolo da incompetência do ser humano em lidar com os atos dos seus semelhantes. A frase não é minha. É do Evandro Lins e Silva. Sempre que a sociedade se sente vítima deste ou daquele crime, com maior ou menor clamor, surge como ave de rapina o segmento da chamada direita penal, ou o segmento da esquerda punitiva, pronta para solucionar o problema com uma lei, como se criminalizar esta ou aquela conduta fosse suficiente para resolver tudo em um passe de mágica. Sabemos que não é. Já está mais do que comprovado que a cadeia, seguindo a premissa de Evandro Lins e Silva, só pode ser usada em última hipótese, para situações extremamente singulares e ímpares. E não de forma banalizada como se vê por aí.


ConJur — Como o senhor vê o papel da imprensa nesse processo?

Luís Guilherme Vieira — Desde o começo da década de 1990 percebo que a imprensa tem passado por um período de conscientização. Mas o que temos, de fato, é uma grande bipolaridade. Tenho pavor quando penso que as pessoas ligam a televisão para assistir aqueles programas sensacionalistas. O que se passa nesses programas está longe de informação e muito perto do conceito de exposição ilegal de um indivíduo acusado. A imprensa livre é fundamental para a sociedade, mas não há liberdade sem limites. Quanto mais limites, mais liberdade. A imprensa precisa entender o poder que tem quando mostra a prisão em flagrante de um pobre, que tem a cabeça levantada por um policial para que mostre o rosto. Logo, a sensação do telespectador ou leitor é de que a Polícia fez seu trabalho. Mais um bandido preso. Não é assim que se combate a criminalidade. Mas quando é mostrada a prisão de alguém do topo da pirâmide social, as pessoas ficam vigorosamente estupefatas e vêem o fato como abuso policial. É esse o poder da mídia.

ConJur — É o caso da prisão do juiz no Rio de Janeiro, algemado e levado para a delegacia por policiais por suposto crime de desacato.

Luís Guilherme Vieira — Sim. Só conheço o caso pelo que li nos jornais. Mas, primeiro, cabe ressaltar que neste caso específico não cabia prisão em flagrante. Desacato é considerado infração de menor potencial ofensivo. E a regra não é só para juiz. Depois, o uso da algema foi rigorosamente desnecessário. O uso de algema é o maior símbolo do Poder Público de repressão, submissão e humilhação. Não sei se o juiz está ou não certo. O que é preocupante é que isso acontece a cada meia hora, com cidadãos comuns, e não tem ninguém preocupado. Inclusive nós, advogados. A situação do juiz foi simbólica, mas há milhares de casos como o dele.

ConJur — Quando a algema deve ser usada?

Luís Guilherme Vieira — A algema deve ser usada a partir de um critério de ponderação. A Polícia pode pegar um acusado por um crime extremamente bárbaro e que não ofereça qualquer risco no momento da prisão. Daí, a algema é desnecessária. Por outro lado, pode pegar alguém que cometeu infração de menor potencial ofensivo e que precisa ir para delegacia para lavrar o termo circunstanciado, mas que neste momento a se revela agressivo. Neste caso, a utilização das algemas é necessária. Nunca haverá uma lei que consiga regular isso, apesar de essa ser uma exigência do atual regramento. O que não podemos admitir é o uso de algema para humilhar o cidadão. A Polícia gosta de exibir para a televisão cidadãos presos com as mãos para frente, propositalmente. A imagem dá uma bela fotografia. Se a gente estudar um pouco de anatomia, vai entender que uma das funções do braço no corpo humano é dar equilíbrio. Alguém com as mãos algemadas para frente tem condição de sacar a arma de um policial e de correr, porque o equilíbrio e a força são mantidos. Se a pessoa está algemada assim é porque não oferece risco. Só dá ibope. Já o cidadão algemado com as mãos para trás significa que precisou ser contido imediatamente. Neste caso, ele perde parte da mobilidade. Então o uso da algema não foi abusivo. O que não dá para negar é que, hoje, a algema é um grande símbolo. E o seu uso só é criticado quando alguém do topo da pirâmide social é flagrado nesta situação.

ConJur — Qual o remédio para evitar este tipo de situação?

Luís Guilherme Vieira — É a mobilização da sociedade. De toda a sociedade, sem qualquer discriminação.

ConJur — Como mobilizar a sociedade?

Luís Guilherme Vieira — Por meio de grupos da própria sociedade civil. Conseguimos isso no tempo da ditadura, porque haveria de ser diferente agora? Não dá para dizer: “vou andar de carro blindado porque minha irmã age assim, meu vizinho age assim”. Meu vizinho sequer tem carro, então ele anda de ônibus. O outro sequer tem condições de andar de ônibus, então ele anda a pé. Não podemos ir empurrando as situações e começar a viver em guetos. A sociedade civil está muito dispersa, o que é natural. Até há pouco tempo vivíamos debaixo de um regime completamente autoritário e reclamávamos da restrição de direitos restritos. Não havia liberdade de imprensa, por exemplo. Hoje vivemos sob uma Constituição amplamente garantista. Mas não é porque os direitos hoje nos são garantidos que não devemos reclamar do que está errado. Quando a sociedade civil quer, consegue fazer barulho. O exemplo é a aprovação do fim da cobrança da CPMF. A pressão e a vontade política ganharam a disputa. Vamos novamente nos organizar, largar o egoísmo e começar a nos doar mais um pouquinho. A sociedade civil precisa acordar porque assim pressiona o Poder Público.


ConJur — Qual sua opinião sobre transferência de dados bancários para a Receita Federal sem o aval do Judiciário?

Luís Guilherme Vieira — Fere a Constituição. Ou melhor, é estupidamente inconstitucional. A Constituição garantiu a privacidade como direito fundamental. O Supremo Tribunal Federal já tem posição firmada sobre isso. E ainda assim a Receita tomou esta medida. Acredito que o Supremo declare a norma inconstitucional. E se até o julgamento do caso a Receita já tiver quebrado o sigilo de milhares de brasileiros, que estes tomem as providências cabíveis para reparar tal constrangimento. Não há nada que justifique tamanha inconstitucionalidade.

ConJur — O Supremo discute hoje, em um pedido de Habeas Corpus, se pode-se transferir processos que corriam em varas comuns para varas especializadas, no caso as de combate à lavagem de dinheiro. Já são dois votos afirmando que o procedimento é nulo porque fere o princípio do devido processo legal. Mas decisão nesse sentido pode invalidar centenas de processos importantes de crimes financeiros. O que deve prevalecer?

Luís Guilherme Vieira — Esse é um ônus que a sociedade paga pelo fato de o Poder Público ter usado ferramenta inadequada para resolver questões que precisavam de resposta rápida, para atender ao clamor social. Agora pergunto: o que fazemos com o passado? Lamentamos. Se os princípios constitucionais fossem respeitados antes, não nos depararíamos com essa situação agora. Tenho dúvidas se o Supremo decidirá nesse sentido. Acho que vai ser uma decisão polêmica, mas justa. Talvez o STF module os efeitos da decisão, em homenagem à segurança jurídica. Mas, sinceramente, espero que sejam declarados nulos todos os processos. Não dá para criar uma situação e depois dizer: e agora, faço o quê? Agora, joga no lixo. É preciso fazer o que é certo. Não podemos abrir mão de princípios e garantias.

ConJur — O Ministério Público pode fazer investigação criminal?

Luís Guilherme Vieira — Não. Ministério Público só pode investigar os membros da sua instituição. Aí sim a Constituição lhe garante tais poderes.

ConJur — Mas essa é a única investigação que ele não quer fazer.

Luís Guilherme Vieira — Sim. Mas, quanto à investigação criminal pelo MP, o principal argumento é o de que a Polícia não tem condições para investigar. Eu até concordo. Mas, por outro lado, o MP não tem estrutura física para tal procedimento. Hoje, se você me perguntar se o inquérito e as investigações policiais caminham da forma como deveriam e se a Polícia investiga da forma correta, eu vou dizer que não. Mas isso não justifica ultrapassar um comando constitucional.

ConJur — Como as algemas, a prisão preventiva também é usada de maneira abusiva?

Luís Guilherme Vieira — Não acho tão abusiva a prisão preventiva, desde que a decisão seja fundamentada e prevista naquelas situações ímpares. Escárnio mesmo é o mau uso da prisão temporária. Prender para investigar tem se tornado prática muito comum, principalmente nas operações deflagradas pela Polícia Federal. O mais estranho é que todas essas operações nascem das mesmas situações. Primeiro é feita interceptação telefônica. A segunda etapa é a quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos. E culmina com buscas e apreensões e mandados de prisões temporárias, que são decretadas sem a mínima necessidade. E a prisão temporária decretada sem necessidade vira prisão preventiva ilegal. Hoje, 65% dos nossos 420 mil presos são provisórios. Este é um dado mais do que real e a culpa não é só do Judiciário. A culpa é da advocacia, a culpa é do Ministério Público, a culpa é da ausência de Defensoria Pública e da sociedade civil, que prefere viver em guetos ao invés de se mobilizar.

ConJur — Os centros de detenção provisória são os que mais apresentam problemas.

Luís Guilherme Vieira — O preso condenado sabe por que está preso. Sabe que, se tiver boa conduta, terá direito a benefícios. As cartas estão na mesa. Agora, quando se está preso, jogado dentro dessas pocilgas, em condições subumanas, e sem qualquer perspectiva, não dá para esperar muito. O preso trata o Estado como o Estado o trata. É a regra do jogo.

ConJur — A advocacia criminal passa por um momento extremamente crítico. Como você vê esta fase?

Luís Guilherme Vieira — Não acho que a crise é só da advocacia criminal, mas da advocacia como um todo. E primeiro por causa da proliferação dos cursos de Direito. São mais de mil faculdades. Algumas de finais de semana, outras virtuais. A maior parte dos bacharéis sai da faculdade completamente despreparada para lidar com o que é mais caro ao ser humano: sua fragilidade. E isso em qualquer área. O segundo aspecto está no que Nilo Batista chamou de criminalização da advocacia. Pretende-se hoje criminalizar a advocacia e, especificamente, criminalizar a advocacia criminal. Ou seja, querem calar os advogados. Essa história não é nova. A história mundial já mostrou que o primeiro a ser calado sempre foi o advogado. E, normalmente, pelo perfil, o primeiro é o advogado criminal, que, como dizia um famoso psiquiatra do Rio de Janeiro, tem uma dose acentuada de psicopatia, porque sai, sem qualquer temor, na defesa dos direitos daquele que lhe confiou sua liberdade.

ConJur — O que é o advogado?

Luís Guilherme Vieira — É, como diziam os romanos, o vozeiro do interesse e do direito da pessoa, independentemente de quem seja essa pessoa. Se o advogado não tiver esse perfil, não é advogado.

ConJur — O que você acha das tentativas de aprovar propostas que obrigam advogado a delatar cliente?

Luís Guilherme Vieira — Vou ser preso, porque não vou ser algoz do meu cliente.

ConJur — Existe dificuldade em entender o que é prerrogativa e o que são direitos e garantias individuais?

Luís Guilherme Vieira — As prerrogativas do advogado nada mais são do que uma projeção daqueles princípios e garantias do cidadão que, sem essas prerrogativas, jamais serão bem defendidos. Alguém precisa ser a voz desse cidadão que já sofre punição só por carregar o fardo do processo criminal e encarar o Estado-Policial. A imprensa também tem uma visão deturpada do que é o advogado criminal. E isso influencia as pessoas menos ou mais esclarecidas movidas pelo senso comum. Quando comecei na profissão me diziam que na fase da Ditadura o preso e os advogados eram muito mais respeitados do que na Democracia. Eu tinha dúvida, obviamente pela inexperiência, pouca idade e por não ter vivenciado esse processo. Hoje, sou obrigado a dar razão a eles. E isso só vai passar se houver uma reação. Se ficarmos inertes, estaremos liquidados.

ConJur — Com mais de 20 anos de trabalho como advogado criminalista, você já deve ter visto muita coisa. Qual cena mais te marcou?

Luís Guilherme Vieira — Eu estava no Superior Tribunal de Justiça e pude acompanhar a última sustentação oral da vida do ministro Evandro Lins e Silva. Ele já tinha quase 90 anos e estava muito emocionado porque defendia o filho de uma das pessoas que orientou seus passos na carreira de criminalista. O Evandro deixou a tribuna chorando. Ele saiu rápido para evitar que as pessoas reparassem, mas não teve jeito. Foi uma cena linda. Um exemplo de amor pela profissão e pela causa. Se ele, aos 90 anos e com todas as honras oferecidas, se permitiu emocionar, porque nós não podemos? Ou porque nossos jovens advogados não se permitem? Alguns ainda preferem vestir a capa da arrogância.

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