Contribuintes passivos

Para cobrar dívidas, governo usa meios ilegais e imorais

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22 de fevereiro de 2008, 0h01

Judiciário fará mutirão para agilizar as execuções fiscais e estão usando a penhora online via Bacen-jud. Duas notícias que trouxeram intranqüilidade a todos os nela envolvidos. A Procuradoria da Fazenda Nacional, que executa dívidas fiscais do governo federal, inclusive do INSS, está requerendo a utilização da indigitada penhora online nas execuções fiscais para constrição dos contribuintes, e o pior, sem lei. Trata-se de artifício utilizado em decorrência da passividade dos contribuintes, que vêm sendo massacrados pelo fisco ao longo do tempo.

Fizeram uma experiência, colocando um sapo numa bacia de água fervendo; percebeu o calor da água, saltou fora da bacia e se salvou. Novamente colocaram o mesmo sapo numa bacia de água fria, levaram-na ao fogo, a água foi mornando e esquentando aos poucos, chegou a ferver e o sapo, não percebendo a mudança lenta na temperatura da água, morreu cozido. Fenômeno idêntico vem acontecendo com os contribuintes brasileiros.

Em 1994, a carga tributária era de 25% do PIB. Em 2007 chegou-se a mais de 38%. Como o sapo, os contribuintes foram se acostumando pouco a pouco com os aumentos dos tributos, não percebendo a perda financeira decorrentes dos aumentos principalmente das contribuições e, o que é pior, sem a contraprestação do governo em serviços de qualidade garantidos pela Constituição Federal para os contribuintes. Quem quiser serviço melhor que ande de carro (contra péssimo transporte público); que ande de carro blindado (contra insegurança); que tenha plano privado de saúde (contra o caos e a sucata da pública); que pague plano de aposentadoria privada, se espera algum dia se aposentar.

Para cobrar suas dívidas o governo utiliza-se de meios ilegais, imorais, que os contribuintes acostumaram a aceitar (como o sapo), sem reagir.

Nós, operadores do Direito, não somos sapos e não vamos aceitar os absurdos cometidos pela voracidade fiscal, que nos últimos 13 anos aumentou o percentual da carga tributária em 50% (em valores reais), ao seu bel prazer. As pessoas que assenhoram do poder vêm utilizando-se de toda truculência para se obter aumentos na arrecadação e tem conseguido: somente em 2007 arrecadou 11% (fora a inflação) a mais que em 2006. Enforcaram Tiradentes que protestou pelo quinto. Estamos quase nos dois quintos e que não haja necessidade de dois enforcamentos, afinal estamos comemorando 20 anos de democracia, da Constituição cidadã. Não vamos permitir tal barbárie!

Sabemos que a evolução tecnológica veio para ficar e na área tributária não é diferente. As várias declarações online, a escrituração digital, os processos virtuais, enfim, todas as novidades inseridas nos últimos anos são irreversíveis. Mas para isto é preciso respeitar o direito dos contribuintes, fundamentados na Constituição democrática de 1988, que se aproxima da maioridade. Vamos comemorar a democracia, praticando-a no dia-a-dia, a começar pelos detentores do poder. Para que as ferramentas modernas sejam utilizadas é preciso atualizar a legislação em vigor para que haja equilíbrio entre as partes litigantes, evitando loclupetamento ilícito por uma das partes. Veja-se alguns tópicos onde o desequilíbrio entre as partes é uma aberração, quase inacreditável para quem não milita no meio.

O indigesto Decreto-Lei 1.025/1969… Fruto do AI-5!

Suponhamos a seguinte situação: cidadão “a” dirigindo seu veículo colide com o de “b”. Discutem os estragos e chegam à conclusão que “a” deva pagar a “b” a quantia de 1.000,00 para os reparos; “a” vai assinar nota promissória — título executivo, com presunção de liquidez — em favor de “b” mas este diz, ao preenchê-la: não são 1.000,00 agora são 1.200,00, apenas pelo fato de escrever o título; “a” é obrigado a aceitar esse novo valor, sem discutir. Esse fato, por si só já é — do ponto de vista psicológico — desmotivador para se quitar a dívida.

É o que dispõem um tal DL 1.025/19691. Aumenta a dívida do contribuinte em 20% apenas pelo fato de inscrevê-lo na dívida ativa, procedimento eletrônico praticamente a custo zero, pois todas as informações dos contribuintes já estão no banco de dados do fisco, seja pelas declarações dos próprios contribuintes ou por notificações e autos de infração lavrados pelo fisco. Basta acionar uma tecla do computador e já está inscrito. Pagar 20% para acionar uma tecla? Só no Brasil!

Estamos sendo vítima de resíduo legislativo (?) da ditadura militar, que fixa ônus de 20% para o contribuinte somente pelo fato do débito tributário ser inscrito em dívida na dívida ativa. Desde 1988 — a carta magna está fazendo 20 anos em 2008 — dizem que estamos vivendo uma democracia. Mas para o Poder Executivo, quando o lixo decreto-legislativo (?) do autoritarismo lhe convém (pró-arrecadação) utiliza-se dele para esquentar a dívida. É incompatível do ponto de vista legal (Decreto-lei X Constituição de 1988), também imoral e só engorda o caixa do governo. Como o sapo, os contribuintes vêm sendo minados em suas forças. E o Judiciário, que não sepulta o tal DL 1.025/1969 (ver nos DARF’s da dívida ativa o dito cujo). Foi assim com governo do PMDB, do PSDB e continua no do PT. Todos se auto denominaram democratas, mas não se livram da legislação viciada, quando lhe beneficiam.


No início dos anos 70 foi descentralizado o sistema de cobrança da dívida ativa do atual INSS e os tais 20% eram utilizados como instrumento de persuasão. Os contribuintes eram intimados a quitarem ou parcelarem suas dívidas, “senão vai para a dívida ativa e aumentará seu valor em 20%”. Passados mais de 37 anos e o argumento é o mesmo. Passou da hora de vermos expurgado esse lixo autoritário.

A desigualdade processual entre as partes, no confronto Fisco x Contribuinte

Existe uma proteção exagerada ao governo no Judiciário, criado por legislação processual também oriunda da ditadura militar.

1) Prazos: Em dobro para a fazenda pública. Que privilégio!

2) Procuradores não perdem prazo uma vez que o prazo para Fazenda Pública somente começa a contar após a retirada dos autos do cartório. Não têm que se preocupar com publicação, contagem de prazo em cartório, etc…

3) Vistas as partes (10 dias):

Advogados dos contribuintes não podem retirar os autos (vista às partes). Passados 5 dias para os contribuintes a Fazenda Pública pode retirar os autos, justamente porque o prazo para ela é contado em dobro; passados os 5 dias o sentido do despacho passa a ser vista à Fazenda Pública. Seus procuradores retiram os autos e não devolvem no final dos 5 dias restantes.

4) Advogados dos contribuintes retiram os autos com vista; se atrasarem vem publicação para devolver em 24 horas sob pena de busca e apreensão. Os procuradores da Fazenda Pública retiram os processos, ficando até 6 meses e…. nada acontece. Não são culpados; são concursados, capazes, zelosos em seus afazeres, apenas utilizam de privilégios concedidos por lei, nixo da indigitada ditadura.

5) Contribuintes pagam custa, arcando com conseqüência de atrasos e/ou omissões. Fazenda Pública não. Serviços gratuitos do Judiciário ao Poder Executivo. Judiciário colocado como subserviente.

6) Advogados particulares trabalham em determinado escritório. Prestam concurso para juiz — se bem sucedidos — tomam posse. Algum tempo depois aparece uma causa patrocinada por um ex-colega de escritório; dar-se por suspeito. Já os procuradores da Fazenda passam nos concursos para juiz. Tomam posse e vão justamente para as varas da Fazenda Pública, sob o argumento de “especialização”. Sem suspeição. Ora, se era para continuar cobrando impostos continuariam como procuradores. Fora os casos de juízes (as) que são casados com procuradores (as) e vice-versa, ou com parentesco com os mesmos. Ainda resta o caso de procurador do interior do país que é transferido, já como juiz, para a mesma comarca onde exerceu cargo de procurador. E suspeição nada.

7) Nem sempre as varas de Fazenda Pública publicam seus atos processuais regularmente como nas outras varas. Nem o conhecido sistema “push” funciona igual à outras. Os contribuintes vêm sendo tolhidos em seu sagrado direito de defesa, há muito tempo. Estão como o sapo.

Não existe um Código de Defesa dos Contribuintes. Essa desigualdade processual é incompatível com o símbolo da Justiça.

A penhora online nas execuções fiscais:

Incabível. Chega a ser imprudente a utilização de tal artifício de constrição dada a possibilidade de se cometer injustiça, principalmente com os pequenos e indefesos possíveis devedores. Com a tecnologia do DNA muitas mortes de americanos estão sendo evitadas; foram condenados injustamente. Cada operador de Direito, com certeza, conhece — como nós — vários casos de execuções fiscais, com penhora de conta salário de ex-sócios minoritários, sem poder de gerência, condição esta constando do contrato social, e decorrente de débitos já com prescrição intercorrente reconhecida, às vezes até fora do banco de dados da Previdência. E o dinheiro continua preso à disposição da Justiça. Reiteramos, o mecanismo é moderno, veio para ficar, mas não consta na Lei de Execuções fiscais2 — também da época da ditadura — portanto inaplicável à espécie. O que não está na lei não está no mundo.

Além do mais as Certidões da Dívida Ativa estão com a presunção de certeza e liquidez maculadas, seja pela inclusão indevida dos nomes dos sócios no pólo passivo, seja pela mudança da jurisprudência no que diz respeito à decadência, prescrição, etc., até pelas conseqüências da declaração de inconstitucionalidade, pela Excelsa Corte, da garantia dos recursos administrativos, podendo voltar ao status quo onde lhe foi negado o direito de defesa, para que seus recursos administrativos sejam recebidos e apreciados pelos órgãos competentes.

Nesses casos, como ficam tais depósitos? Estão em poder do governo, de forma ilegal. É locupletamento alheio. Por que não se utiliza o Bacen-Jud para devolver os indevidos, inconstitucionais e agora ilegais depósitos para quem de direito? Tal e qual, não consta de nenhuma lei tal procedimento. Se formos aprofundarmos nas conseqüências desse enriquecimento ilícito poder-se-á chegar ao Código Penal, pelo excesso de exação3: Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena — reclusão, de três a oito anos, e multa.


Urge a devolução do dinheiro alheio. É o preço que o poder tributante terá que pagar pela truculência excessiva usada contra os contribuintes nos últimos anos, utilizando de legislação inconstitucional.

Penhora online para o devedor, para o credor off, pois o montante bloqueado não chega ao credor. O Judiciário continua lento, por vários motivos, desnecessário enumerá-los. Noticiou-se que somente em determinado banco há cerca de 37 milhões bloqueados e não transferidos para os credores. Os bancos adoraram a utilização do sistema pelo Judiciário. O sistema, pois, precisa ser repensado, para atender ambas as partes envolvidas no processo. Afinal a penhora online foi criada para o credor e não para os bancos.

As procuradorias do Poder Público são ágeis para cobrar dos pequenos e lenta para os grandes. Veja-se este caso real: Em outubro de 2003 o então ministro Berzoine publicou lista dos 28 maiores devedores da Previdência Social. O maior era a Varig com R$ 378 milhões. É bem de se ver que as consultas dos devedores da Previdência é livre no site previdência.gov.br, seja por nome, por CNPJ, por estado, faixa de valores, etc… Em 2007, a mesma empresa devia R$ 2,398 bilhões. Como deixaram a dívida crescer tanto e não a executaram? Basta listar devedores acima, por exemplo, de R$ 10 milhões e lá se encontram os grandes empregadores, responsáveis por milhões de pontos de trabalho com carteira assinada, tais como: transportes, mão de obra temporária, segurança, hospitais, colégios e faculdades (estas beneficiadas pelo Refis IV, ver site da receita federal) e prefeituras. A maioria está no código 535, ou seja, ainda não estão sendo cobrados para valer.

Por outro lado, as mesmas procuradorias peticionam e distribuem as execuções fiscais da Previdência, inferior a R$ 1.000, muitas com destaque: indício de crime de sonegação; e são obrigados a fazê-lo por imposição legal. Em dívidas abaixo de 60 salários mínimos, até em casos de empresas extintas, é comum ver penhora online de conta salário, de sócios ou ex-sócios minoritários que não participam ou participaram da gestão da empresa e, às vezes, já nem fazem parte do quadro societário. Essas ocorrências servem para desencorajar o pequeno empresário a abrir posto de trabalho com carteira assinada, pois para eles o risco é grande.

Conclusão

Por todo o exposto, as duas notícias recém divulgadas que o Judiciário fará mutirão para agilizar as execuções fiscais e que usarão da penhora online via Bacen-jud geraram temor da comunidade jurídica, pelos possíveis desrespeito a legislação vigente.

É chegado o momento de sepultar o indigitado decreto-lei1, de promulgar Nova Lei de Execuções Fiscais e, junto, um Código de Defesa dos Contribuintes, ambos precedidos de vasta discussão nacional, ouvindo todos os setores da sociedade, principalmente os grandes doutrinadores do direito de nossa nação. Com as leis modernas, aí sim, que se utilizem da penhora onlie do Bacen-Jud e dos mecanismos para estender o procedimento para veículos e imóveis, já que a Receita Federal do Brasil dispõe de todos os dados, oriundos das declarações obrigatórias e online feitas pelos contribuintes, que nos tornaram — sem nos consultar previamente — membros obrigatórios do big brother do fisco. Sepultaram nossos direitos e garantias individuais. Todos os problemas aqui discorridos apontam para a necessária e urgente reforma tributária.

Precisamos, sim, praticar a democracia. A começar pelos operadores do direito, essa minoria, que devem lutar pela democracia e zelar pelo que já foi conquistado. Essa minoria compõe-se de aproximadamente 650 mil advogados. Somos nós que temos que dar o pontapé inicial, lembrando Sobral Pinto. Abaixo os resíduos (i)legais da ditadura. Afinal não somos sapos!

Notas de rodapé

1. Decreto-lei 1025, de 1969.

2. Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980.

3. Artigo 316, parágrafo 1º — CP.

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