Convenção da OIT

Ratificação de Lula palidamente dificulta demissão arbitrária

Autor

  • José Carlos Arouca

    é advogado e juiz trabalhista aposentado. É também membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho do Instituto de Direito Social Cesarino Jr. e do Instituto dos Advogados do Brasil.

20 de fevereiro de 2008, 0h01

“A fábrica de extrato de tomates de Araçatuba demitiu 380 dos seus 450 trabalhadores”. Segundo a presidente do Sindicato “a empresa alegou que possui um grande estoque de polpa e está automatizando a linha de produção”[1]. Dois dias antes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso pedido de ratificação da Convenção 158 da OIT que palidamente dificulta a demissão arbitrária e trata das dispensas coletivas[2]. Não tivesse açodadamente sido denunciada no governo Fernando Henrique Cardoso, manchando sua biografia, a notícia seria bem outra.

No mês de maio de 2007 escrevi: No Brasil a Convenção 158 não foi além de um exercício de hermenêutica que dividiu juristas notáveis, a comprovar que o direito do trabalho cada vez mais assume feição nitidamente ideologizada, na medida em que o intérprete, quase sempre, imprime-lhe a força de seu comprometimento político.

No breve tempo de vida, a Convenção, para muitos, não passou de mais uma inutilidade, pois a multa sobre os depósitos do FGTS e as imunidades atribuídas à gestante e ao cipeiro bastavam para garantir a relação de emprego até que lei complementar venha dispor sobre indenização compensatória. O Poder Executivo não esperou o Supremo Tribunal Federal decidir a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional da Indústria, nem cuidou de ouvir o Poder Legislativo, apressando-se a denunciar o tratado que promulgou em abril de 1996[3].

Estranha a relação da Convenção com o Brasil. Como relatou o sociólogo José Pastore, que votou pela delegação governamental na OIT, naturalmente por sua rejeição, no que foi acompanhado pelo representante do patronato, o delegado brasileiro, deixou o Plenário, para não contrariar o Ministro do Trabalho Murilo Macedo[4]. O Brasil de então, vivia sob a ditadura militar, comandada pelo general Ernesto Geisel. Hoje festejamos a democracia presidida por Fernando Henrique Cardoso que se auto-exilara naqueles tempos de chumbo. Arnaldo Lopes Sussekind não aceitou o autoritarismo praticado em plena democracia, quando a Comissão Permanente de Direito do Trabalho, que integrava, ao arrepio das normas legais, não foi ouvida antes da denúncia da convenção[5]. Vicentinho, presidente da CUT, membro de outro colegiado, a Comissão de Legislação Social, foi além de Sussekind, pediu a conta e partiu para curta greve de fome.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade restringia-se aos dez primeiros artigos da Convenção, o que permite concluir terem os mentores da confederação dos industriais admitido, quando menos, a constitucionalidade dos demais dispositivos que cuidavam das dispensas coletivas.

Os Constituintes de 1988 acreditaram que seria bom proteger a relação de emprego contra dispensas arbitrárias ou sem justa causa. A aprovação da emenda passou por negociações que culminaram com a ressalva que exigiu lei complementar para disciplinar o dispositivo. Para uns, disciplinar o que a redação do texto constitucional esgotava: a garantia do emprego. Para outros, a indenização compensatória[6].

Fosse dada importância à função social da lei seria perfeitamente possível concluir que a denúncia vazia do contrato de trabalho, por ato unilateral e injustificado do empregador atentava contra a função social da empresa[7]. Afinal de contas, a Convenção entrou para nosso ordenamento jurídico pela ratificação de um tratado internacional e como anotou Antônio Álvares da Silva, para tanto não se exige quorum qualificado, única distinção entre lei comum e lei complementar. Além do mais, o artigo 5º da Constituição Federal, em seu parágrafo 2º é taxativo, dispondo que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Acrescente-se a isto a regra do parágrafo 1º do mesmo dispositivo, segundo a qual as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata e mais, o princípio do artigo 7º segundo o qual são direitos dos trabalhadores, não só os que vem nele elencados, mas, também, outros que visem a melhoria de sua condição social.


O sonho acabou. Através do Decreto 2.100, de 12 de dezembro de 1996, o Presidente da República tornou público que a Convenção só vale até 20 de novembro deste ano. Acabou e nem sobrou o que a confederação dos industriais reputou constitucional, a proteção contra dispensas coletivas.

Superado o período de autoritarismo representado pelas ditaduras militares (Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, etc.) e desmantelado o socialismo inspirado no modelo soviético, o capitalismo, sem esperar, viu-se absoluto numa sociedade perversa que ameaça transformar o emprego formal em favor das empresas transnacionais, sem bandeira, mas, também, sem alma e coração. Se antes a força de trabalho era o único bem do homem, agora, vale o trabalho informal, marginal, sem amparo, sem carteira assinada, sem futuro e acreditam os tecnocratas neoliberais que mesmo não havendo trabalho, haverá consumo, produção e lucro. E segurança, e paz.

Portanto, a Convenção 158 já era e a proteção contra as dispensas coletivas que ninguém reputou inconstitucional sumiu na defesa do absolutismo patronal, batizado de poder potestativo, que significa despedir por despedir sem ter que dar satisfação a ninguém.

Muitos afirmam que o protecionismo gera insegurança e provoca o desemprego. A propósito, Élio Gaspari lembrou que quando da discussão do projeto que deu na lei do ventre livre, a imprensa proclamava que a medida prejudicaria as crianças negras, a ponto de chamá-la Lei de Herodes. Os escravagistas diziam que a providência acabaria por prejudicar os escravos, inclusive porque a abolição era um estratagema dos capitalistas ingleses contra a economia nacional[8].

Na verdade, a proteção contra dispensas coletivas não fere o absolutismo das empresas, mas exige delas um mínimo de lealdade, ainda mais quando se assiste o fenômeno que para os adeptos do neoliberalismo é coisa natural a redução dos empregos, o desmonte da legislação de proteção ao trabalho.

Indispensável, em nome da boa fé, que a empresa, antes de causar um dano à coletividade, prevendo a necessidade de dispensas em função de motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, represente ao sindicato e à autoridade administrativa para assuntos do trabalho, informando as razões determinantes, o número de pessoas que serão atingidos, a época em que isto se dará, como estabelece o artigo 13 da Convenção.

Claro que a notificação ao órgão local do Ministério do Trabalho, na qualidade de autoridade administrativa, não tem a ver com o papel repressor exercido ao tempo da ditadura quando executava as intervenções solicitadas pelo DOPS e o delegado outra coisa não fazia senão correr atrás dos dirigentes assustados. Cumpriria à autoridade exercer o papel de mediadora para, em nome da sociedade minimizar a extensão do conflito.

De sua parte, o sindicato, como representante dos trabalhadores promoveria as negociações coletivas para impedir as dispensas, reduzir o número de atingidos ou atenuar o tamanho do conflito. Neste ponto, os sindicatos mais atuantes têm experiências para contar. É o caso da associação dos borracheiros de São Paulo que tem conseguido, mesmo a duras penas, indenizações complementares, a manutenção por determinado tempo da assistência médica. Os metalúrgicos de sua parte, quantas vezes não conseguiram, pelo menos a abertura do voluntariado, evitando casuismos e retaliações de chefes insensíveis.

O que mais causava espanto, inclusive porque permitia a intervenção do Estado, era a possibilidade de o ato patronal ser revisto, e pior, anuladas as dispensas. Decisão do Tribunal de São Paulo, ainda tímida, mas que punha a claro a coragem do juiz relator Floriano Corrêa Vaz da Silva, acima de tudo revelou que o absolutismo patronal seria limitado. Os juízes mais avançados apontavam um novo caminho, capaz de resgatar o papel social do Judiciário trabalhista.

Francisco Antônio de Oliveira em decisão memorável destacou que existe uma diferença fundamental entre o juiz do trabalho e o juiz da justiça comum; este, escreveu, envolve-se com temas patrimoniais e aquele com a própria sobrevivência do trabalhador e sua família, concluindo que o juiz do trabalho há que ser mais sensível, pressionado que é diuturnamente pelo enredo social[9].

Mas, como disse antes, o sonho acabou e daqui pouco mais de seis meses as dispensas coletivas estarão liberadas."E foi o que se deu repetidamente, não só rotatividade da mão-de-obra, mas dispensas coletivas como forma de redução de custos, disputa com os concorrentes, e especialmente automação capaz de produzir lucros, desprezando a mão-de-obra e assim como fator de retrocesso social ao invés de avanço”.


E foi o que se deu repetidamente, não só rotatividade da mão-de-obra.


[1] O Estado de S.Paulo, 17.2.2008.

[2] Folha de S.Paulo, 15.2.2008.

[3] Decreto n° 1.855, de 10.4.96

[4] Argeu Egídio dos Santos, conforme seu depoimento, então presidente da Federação dos Metalúrgicos de São Paulo.

[5] Sussekind foi ministro do Trabalho na ditadura chefiada pelo marechal Castelo Branco.

[6] José Alberto Couto Maciel, Garantia no emprego já em vigor, Ed. LTr., 1994, págs. 134/135; Antônio Álvares da Silva, Questões Polêmicas de Direito do Trabalho, vol. VIII, A Convenção Coletiva 158 e a Garantia no Emprego, Ed. LTr, 1996, pg. 43.

[7] Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5°.

[8] Folha de S.Paulo, 3.11. 96

[9] Processo TRT/SP n° 029.502.08236 , DJ/SP 26.8.96, p. 42.

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    é advogado e juiz trabalhista aposentado. É também membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, do Instituto de Direito Social Cesarino Jr. e do Instituto dos Advogados do Brasil.

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