Rota de colisão

Agentes federais entram em choque com delegados

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20 de fevereiro de 2008, 0h01

A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) entrou em rota de colisão com os delegados que ajudam os agentes na elaboração de uma nova Lei Orgânica para a PF. Sinal disso é um comunicado emitido nesta semana. O documento é visto por alguns na categoria como apenas um petardo contra os delegados. Mas, para outros, é o prenúncio de uma ruptura com o diretor da Polícia Federal, delegado Luiz Fernando Corrêa.

Há 15 dias o presidente da Fenapef, Marcos Wink,declarou à revista Consultor Jurídico que esperavam ver sob o mandato do novo diretor da PF a criação de um plano de carreira que permita a agentes se tornarem delegados, se quiserem. “Se a nova lei orgânica da PF não avançar nesse sentido, haverá greve”, disse.

Marcos Wink alega que “há policiais com mais de 20 anos de carreira, agentes de primeira linha, que sabem tudo de combate ao crime, que jamais poderão se tornar delegados, e são comandados por delegados jovens, que acabaram de entrar na corporação”. Para Wink, essa situação seria impensável nos Estados Unidos. “A Polícia Federal deles, o FBI, permite que a pessoa entre na corporação como agente, perito ou mesmo papiloscopista e vire delegado, ou até diretor.”

De acordo com o comunicado divulgado esta semana pela Fenapef, “um sindicato de delegados faz uma assembléia e distribui um ‘Comunicado Urgente’ acusando a Fenapef de ‘radicalismo’, dizendo explicitamente: ‘desejam a implantação de carreira única no DPF, com desaparecimento dos Delegados, em verdadeira agressão à ordem Constitucional’. Que bobagem! Ninguém quer o desaparecimento de ninguém, está se discutindo, sim, a extinção de certos cargos”.

O que mais mexe com os delegados é que os agentes defendem o fim daquele que é considerado um ponto de honra para os primeiros: o inquérito policial. O ex-presidente e fundador da Fenapef, Francisco Carlos Garisto, chamava ao inquérito de “balcão de negócios”. As críticas atuais não ficam longe disso. “Já, o insepulto inquérito policial, é um caso à parte. Inútil e desnecessário, é repetido na fase judicial. Apesar de antidemocrático, pois não oferece nenhum tipo de contraditório, parece que tem vida própria”, afirma a nota da diretoria da Fenapef.

Leia o comunicado

Depois de muita expectativa o senhor Diretor Geral através de Portaria criou um Grupo de Trabalho com a finalidade de elaborar o texto da Lei Orgânica da Polícia Federal. Ninguém desconhece que a elaboração de uma Lei Orgânica é algo polêmico, pois em qualquer setor da atividade humana os beneficiados não abrem mão de vantagens e poder. Maquiavel já dizia em seus conselhos ao príncipe, que não há coisa mais difícil, nem de êxito mais duvidoso, nem mais perigosa, do que o estabelecimento de novas leis. O novo legislador terá por inimigos todos àqueles a quem as leis antigas beneficiavam, e terá tímidos defensores nos que forem beneficiados pelo novo estado de coisas.

O grupo de trabalho foi criado com representantes de todos os segmentos que compõem a Polícia Federal. Não foi preciso muito tempo para ficar claro que alguns aceitaram o convite, mas chegaram com posições irredutíveis como se fossem donos de verdades absolutas. Não se contentando com posições fechadas ainda apresentam atitudes imperiais, ostentando um velho comportamento que pensávamos tivesse acabado: a velha arrogância intimidatória. Querem escolher interlocutores e tentam expulsar das discussões quem se “atreve” a colocar na mesa assuntos básicos como carreira, cargo único e inquérito policial. Para ficar de bem com as tais “autoridades” todos precisam concordar com eles – é o preço do pedágio.

Não contentes, um sindicato de delegados faz uma assembléia e distribui um “Comunicado Urgente” acusando a Fenapef de “radicalismo”, dizendo explicitamente: “desejam a implantação de carreira única no DPF, com desaparecimento dos Delegados, em verdadeira agressão à ordem Constitucional”. Que bobagem! Ninguém quer o desaparecimento de ninguém, está se discutindo, sim, a extinção de certos cargos… Quanto a ordem Constitucional, se fosse por esse tipo de gente, teríamos ainda no Brasil a escravidão e o império, pois certamente tais situações estavam previstas nas disposições da época…

Acusam a Fenapef de radicalismo e sugerem aos representantes dos delegados à mesa de reuniões, que não assinem qualquer termo ou ato ofertado pela comissão, informando ainda que irão apresentar sua própria Lei Orgânica como ocorre com Juízes e Procuradores da República. Para eles isso é algo normal, parecem aqueles meninos que, contrariados, abandonam o jogo na condição de donos da bola… Mais: Enquanto acusam outros de se negaram a prestar concurso público para isso ou para aquilo correm atrás de carreiras jurídicas sem terem prestado concurso para tal e até uma lei orgânica semelhante a juízes e procuradores pretendem reivindicar.

Todos sabem os motivos da existência de grupos contrários a implantação de uma carreira com início, meio e fim. Eles precisam explicar de maneira convincente o que isso pode causar de prejuízo à modernização da Instituição. Devem dizer por que se opõem à implantação de uma carreira alicerçada em princípios consagrados. Precisa ficar claro que ninguém é contra a existência de hierarquia, mas fundamentada na justiça que deve regular a convivência entre todos. Devido ao passionalismo, muitas vezes a discussão é evitada na esperança de que o governo olhe este assunto com uma visão estratégica de futuro, deixando quem é contra olhando os seus umbigos e repetindo pateticamente: “mexam com tudo, menos com o nosso atraso…”.

Quando alguns argumentos são usados contra a implantação da carreira única é impressionante a maneira maldosa e arrogante que isso é feito: são externados com uma conhecida retórica, vazia e repetitiva, repleta de preconceitos. O quadro que emerge dessa leitura é pouco edificante. Se este assunto não evoluir, certamente daqui para frente, a condição para o exercício de certos cargos, certos mandatos, será não concordar com uma carreira única na Polícia Federal.

Quando eles alimentam o impasse fica tudo tão pequeno, tão medíocre. Não conseguimos entender porque não existe concurso para general ou para desembargador. Até entre os religiosos, ninguém vê um bispo inexperiente, menos ainda um papa. Na Polícia Rodoviária Federal existe carreira única sem nenhum tipo de trauma. Só na Polícia Federal as pessoas nascem “calejadas”. Aliado ao conhecimento técnico elas acreditam que trazem do berço tudo o que precisam saber… Todos sabem que polícia é uma atividade que envolve um grande risco. Quem não tem vivência na profissão não deveria comandar ações que envolvem a vida de seres humanos, onde matar ou morrer é uma concreta possibilidade.

Os inimigos da carreira única renunciam ao exercício da razão agarrados a uma lógica primária de poder e de mando. É óbvio que eles não estão sozinhos, seus seguidores preconizam uma polícia confusa e com disputas internas. Com algumas exceções, apostam num órgão comandado por estudantes brilhantes, recém saídos da faculdade, de onde vão direto para organizações policiais, já dando ordens para homens experientes, muitos com a mesma formação acadêmica. É claro que eles não têm culpa de nada. A porta está aberta, o salário é razoável, a Instituição tem prestígio e, principalmente, existem policiais competentes (e constrangidos) para eles chefiarem, para eles utilizarem toda sua inexperiência na arte de liderar. Da Academia, eles já saem convictos de que isso é um fato normal, que precisa ser perpetuado.

Já, o insepulto inquérito policial, é um caso à parte. Inútil e desnecessário, é repetido na fase judicial. Apesar de antidemocrático, pois não oferece nenhum tipo de contraditório, parece que tem vida própria. Às vezes dá a impressão de que, na verdade, ninguém consegue fazer um inquérito policial – ele é que “faz” as pessoas… Algumas, depois de sessenta dias na Academia, voltam com uma gravata no pescoço exigindo tratamento de “doutor” e pior: eles usam, entre si, esse título acadêmico que não conquistaram. O inquérito policial tem o dom de dominar os corações e as mentes, talvez, pela idade vetusta ou pelo poder que alguns acham que ele empresta à polícia ou a quem o preside, acreditam outros…

É evidente que o IPL precisa ser discutido. É evidente que quem o preside reproduz um tempo que não viveu. Toma decisões usando olhos de outros. Seus atos são repetidos na fase processual, não ajudando em nada na redução de custos e na melhoria dos resultados. Quando o delegado afirma que é soberano ao presidir um inquérito, quando o MP afirma que é titular da ação penal e o magistrado diz que só ele decide na hora de sentenciar, falta alguém se pronunciar… Esse alguém é justamente quem mantém o sistema – o contribuinte, para quem se destina a montagem de todo este aparato. O sistema precisa ser mudado, a justiça precisa ser célere, o cidadão não pode ser massacrado por atos inúteis, demorados e desnecessários.

Sobre este assunto, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal-STF, Sepúlveda Pertence, numa entrevista para um veículo de circulação nacional, foi claro: “Nós temos na rotina da investigação criminal brasileira uma extrema burocratização do inquérito policial. O inquérito policial que deveria ser uma investigação a mais rápida possível se transformou em um procedimento extremamente burocratizado. O delegado se comporta como se fosse um magistrado e isso vai se repetir depois em juízo. Mais tarde, ao chegar em juízo, o fato muitas vezes está distante, as testemunhas se tornam inalcançáveis. O que chega é uma prova rala, esquálida”. Precisa mais? Só falta dizerem que a opinião de um presidente da nossa corte máxima não deve ser levada em conta…

A Polícia Federal não pode ser reduzida a um imenso cartório. Não podemos morrer asfixiados por toneladas de papéis, carimbos e despachos enquanto outros organismos começam a reivindicar o trabalho que deve continuar a ser realizado pela polícia de verdade – a que investiga e prende. Quem não acreditar na mudança que se abrace aos tais papéis e carimbos. Aos que pensam que tudo continuará como está, só podemos dizer que nenhum anacronismo se perpetua. Aos que não acreditam em mudanças, lembramos algo eterno: o cético não vive, desconfia. Não participa, espia. Não faz, assiste.

Diretoria da Federação Nacional dos Policiais Federais

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