Aventura jurídica

Universal, em nota, ameaça: igreja tem cinco milhões de fiéis

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19 de fevereiro de 2008, 20h49

A Igreja Universal do Reino de Deus negou, em nota à imprensa, que incentiva seus fiéis a processar individualmente jornais e jornalistas. No entender da Igreja do bispo Edir Macedo, a imprensa é que estaria cerceando o acesso das pessoas à Justiça. Segundo a nota, a Universal foi procurada por fiéis de várias partes do país, indignados com as notícias “lamentáveis” sobre a Igreja, veiculadas em vários jornais — cujos nomes não são citados. Embora não informe o que a Igreja recomenda aos fiéis que a procuram, a nota fornece outra informação que pode soar como uma ameaça a quem contrariar ou discordar dela: a Universal tem 5 milhões de seguidores.

A série de ações de fiéis da Universal contra jornais começou depois que a Folha de S.Paulo publicou a reportagem Universal chega aos 30 anos como império empresarial, em 15 de dezembro. No texto, a repórter Elvira Lobato relatou que a Universal construiu um conglomerado empresarial. A jornalista informou que uma das empresas da Igreja, a Unimetro, está ligada à Cableinvest, registrada no paraíso fiscal da ilha de Jersey, no canal da Mancha. “O elo aparece nos registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Uma hipótese é que os dízimos dos fiéis sejam esquentados em paraísos fiscais”, informou.

Até agora, são 96 processos de fiéis: 56 contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato; 35 ações contra o jornal A Tarde, de Salvador, e o repórter Valmar Hupsel; e cinco ações contra jornal Extra, do Rio, e seu diretor de redação, Bruno Thys. O próximo alvo é o jornal O Globo. Fiéis prometem processar o jornal por causa de uma reportagem na qual a Universal foi chamada de seita.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou apoiar os jornalistas processados. A associação diz que entende o direito do cidadão de buscar na Justiça reparação por alguma ofensa, mas afirma que a intenção da Universal é mandar um “recado” para jornais e jornalistas para impedi-los de investigar, relatar e publicar.

Citando Levantamento da revista Consultor Jurídico, a Abraji alerta para o crescimento “da tendência de utilizar a Justiça na tentativa de impedir a livre circulação de informações”. No ano passado, a ConJur revelou que há no Brasil 3.133 processos contra profissionais da mídia. E que o valor médio das indenizações requeridas em 2003 era de R$ 20 mil e no ano passado foi de R$ 80 mil.

A OAB nacional também se manifestou sobre o movimento da Universal. O presidente da entidade, Cezar Britto, afirmou que “a busca de reparação judicial é recurso legítimo do Estado Democrático de Direito; não pode, no entanto, esse direito transformar-se em instrumento de perseguição política, exercendo papel de censura e de intimidação à liberdade de expressão”. Para Cezar Britto, a campanha da Universal “deixa claro que o que se busca não é Justiça, mas o estabelecimento de forma oblíqua de censura, por meio de pressão econômica — e isso não é admissível”.

A jornalista Elvira Lobato deu uma entrevista para o Portal Imprensa dizendo que cumpriu sua tarefa de informar o leitor. “Nunca desrespeitei os fiéis, nunca falei que o dinheiro deles é sujo. Sei que eles são trabalhadores limpos. Espero que eles, os fiéis, tenham serenidade. Não sou inimiga da Igreja. Meu trabalho é informar.”

De acordo com a jornalista, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) examinou os processos e disse que esse este um caso único, sem precedentes na história do jornalismo brasileiro. “A Folha está se fazendo representar em todas as audiências. Estamos cuidando de todos. O jornal nomeia um jornalista ou chefe da região que vai junto com os advogados. Isso exige uma logística inacreditável de advogado para cima e para baixo”.

Leia a nota da Universal e, em seguida, da Abraji

Comunicado à imprensa

A Igreja Universal do Reino de Deus, entidade religiosa há 30 anos no Brasil, com mais de 5 milhões de fiéis e presente em 170 países, vem a público esclarecer que:

1. Fiéis de várias partes do país estão procurando a IURD para manifestar seu repúdio em relação às notícias classificadas como lamentáveis, publicadas por veículos de comunicação, especialmente no que se refere à origem e destinação de seus dízimos;

2. O dízimo é um aspecto da liberdade de crença consagrada pela Constituição Federal;

3. A IURD já ingressou com suas ações judiciais e não tem qualquer interesse de orquestrar e incentivar processos individuais por parte de seus fiéis;

4. A IURD respeita a liberdade de Imprensa, os jornalistas e suas entidades representativas, porém, não admite que reportagens sejam usadas para ofensas de outras garantias constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o acesso à Justiça, à liberdade de crença e à inviolabilidade da honra;

5. A Imprensa deve atuar com responsabilidade e não pré-julgar, manipular ou condenar precipitadamente;

6. A IURD não está à margem da sociedade. É uma entidade regularmente constituída, conforme a legislação brasileira, que deve ser respeitada como todas as outras denominações religiosas no estado democrático de direito. É inaceitável, que no uso de suas prerrogativas, a mídia utilize denominações ofensivas e preconceituosas como seita, bando e facção em referência à IURD;

7. A IURD apóia a posição de todas as entidades de classe quando está em questão a Democracia. A Imprensa, com responsabilidade, pode noticiar e os fiéis, da mesma forma, podem acessar a Justiça;

8. Cabe ao Judiciário, com a imparcialidade e independência que lhe são inerentes, a palavra final.

São Paulo, 19 de fevereiro de 2008.

Igreja Universal do Reino de Deus

Leia a nota da Abraji

A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) promove um inédito processo de intimidação contra três jornalistas brasileiros e contra os jornais para os quais trabalham. São alvos dessa orquestração por serem responsáveis por reportagens sobre a Iurd os jornalistas Elvira Lobato (Folha de S. Paulo), Bruno Thys (Extra, RJ) e Valmar Hupsel Filho (A Tarde, BA). A tática da Iurd é orientar seus fiéis a queixarem-se na Justiça contra os jornais e os jornalistas em diversas cidades, de vários Estados, com o objetivo de dificultar a defesa dos jornalistas e das empresas.

São mais de 50 ações contra Elvira Lobato, 35 contra Valmar Hupsel e cinco intimando Bruno Thys. Como os processos são abertos em cidades distantes umas das outras e, muitas vezes, com audiência no mesmo dia, o trabalho de defesa torna-se extremamente difícil e a presença do jornalista intimado, impossível. Uma particularidade chama a atenção no texto dos processos: todos são muito parecidos, sugerindo uma ação orquestrada. Reportagem veiculada no programa Domingo Espetacular, da Rede Record (de propriedade do bispo Edir Macedo, da Iurd), informa que as ações são parecidas porque foram todas orientadas por advogados da Universal.

Contra as reportagens veiculadas nos jornais “A Tarde” e “Extra”, pastores e integrantes da Iurd se dizem indignados com a publicação de texto relatando que um fiel danificara uma imagem de São Benedito, em uma igreja católica em Salvador (BA). O jornal “Folha de S. Paulo e a jornalista Elvira Lobato são acionados por causa da reportagem “Universal chega aos 30 anos com império empresarial”, publicada em 15 de dezembro passado

A expectativa é a de que O Globo também será processado. No programa Domingo Espetacular veiculado no último dia 17, um fiel se disse “ofendido” pelo fato de o jornal, ao noticiar o processo contra a Folha de S. Paulo, utilizar a palavra “seita” para se referir à Iurd. Em sua maior parte, o programa Domingo Espetacular referiu-se à reportagem da Folha de S. Paulo. Nos 14 minutos e 19 segundos de veiculação do assunto, não foi citado, em nenhum momento o amplo teor do texto de Elvira Lobato. Na reportagem, a jornalista revela: “Em 30 anos de existência, completados em julho, a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado empresarial em torno dela. Além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, o levantamento da ‘Folha’ identificou 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos”.

Tendo em vista o exposto, a Abraji:

1) Entende que o comportamento da Iurd difere do legítimo direito de todo cidadão de buscar na Justiça a reparação de uma ofensa, o que a Abraji reconhece e defende. A ação orquestrada dos processos, além da intenção imediata de intimidar os três jornalistas — o que por si só já seria grave —, mostra que a igreja tem um objetivo mais amplo, mais duradouro e mais deletério. É um recado enviado a repórteres e empresas de comunicação, buscando enredá-los em uma teia de temor difuso, que pode alcançar a todos e qualquer um, a qualquer momento, bastando que alguém se atreva a fazer aquilo que um jornalista faz cotidianamente por dever de ofício: investigar, relatar e publicar.

2) Alerta para o crescimento, em vários países do mundo, especialmente no Brasil, da tendência de utilizar a Justiça na tentativa de impedir a livre circulação de informações. Processados judicialmente, muitos jornais e jornalistas sentem-se intimidados para continuar a fazer investigações jornalísticas. Levantamento da revista eletrônica Consultor Jurídico indica haver no Brasil 3.133 processos contra profissionais da mídia. O valor médio das indenizações requeridas em 2003 era de R$ 20 mil e no ano passado foi de R$ 80 mil.

3) Propõe a discussão aprofundada do fenômeno conhecido como “indústria de ações judiciais”. É e deve continuar a ser inalienável o direito de uma pessoa, instituição ou empresa buscar a reparação de seus direitos na Justiça por possíveis danos causados pela mídia. Mas também são necessários mecanismos para impedir a eventual litigância de má-fé contra jornalistas e empresas de comunicação. É urgente debater o tema também nos meios jurídicos e nos poderes da República. Sem providências institucionais, corre perigo um dos pilares do Brasil democrático: o livre exercício do jornalismo para fiscalizar e bem informar a população.

Por fim, a Abraji declara solidariedade irrestrita aos jornalistas e jornais atingidos e tem confiança de que o Poder Judiciário dará um desfecho para as ações de modo a não colocar em risco, de nenhuma forma, a prática do bom jornalismo e a liberdade de imprensa no Brasil.

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