Informação secreta

Supremo mantém em sigilo gastos confidenciais da Presidência

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19 de fevereiro de 2008, 14h31

Fracassou a tentativa do PPS de derrubar o sigilo das despesas confidenciais do governo. O pedido, feito em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, foi negado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.

O argumento sustentado na ação é o de que o artigo 86 do Decreto-Lei 200/67, que instituiu o sigilo, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por confrontar com o artigo 5º, incisos XXXIII e LX da CF. A Constituição prevê a publicidade dos atos da administração pública como regra e afirma que o sigilo só pode ser decretado quando envolver questão de segurança da sociedade e do Estado.

O artigo 86 do Decreto-Lei 200/67 diz que “a movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter serão tomadas as contas dos responsáveis.”

Roberto Freire, presidente do PPS, sustenta que para ser decretado o sigilo, não basta simplesmente alegar a existência de motivos para sua manutenção. É preciso apresentar fundamentação que sustente essa posição. “Se não fosse assim, bastaria alegar em qualquer situação que se está diante de questão de segurança do Estado e a regra da publicidade seria remetida às calendas”, ressalta Freire.

Ele afirma, ainda, que as exceções previstas na Constituição permitem o sigilo apenas em questões que envolvam segurança nacional. “Despesas públicas não se enquadram nas hipóteses legitimadoras do sigilo”, conclui.

Ao analisar o caso, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, observou que os requisitos necessários para a concessão da liminar não estão presentes na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Ele explicou que o princípio da publicidade na administração pública não é absoluto, uma vez que a própria Constituição restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

“Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto o artigo 5º, XXXIII, da Lei Maior, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública”, destacou o relator.

O ministro Lewandowski entendeu que não se justifica a concessão da liminar “porque o sigilo dos dados e informações da administração pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna, seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré-estabelecidas”.

Assim, sem prejuízo de uma melhor análise do assunto na ocasião do julgamento pelo Plenário, o ministro negou o pedido de liminar.

Leia a decisão

MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 129-3 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

ARGÜENTE(S): PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS

ADVOGADO(A/S): ROBERTO JOÃO PEREIRA FREIRE

ARGÜIDO(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida liminar, proposta pelo Partido Popular Socialista — PPS, objetivando que esta Corte declare que não foi recepcionado pela Constituição de 1988 o art. 86 do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, diploma que “dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências”.

Eis o teor da norma impugnada:

“Art. 86. A movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter serão tomadas as contas dos responsáveis”.

Sustenta o subscritor da ação que o referido dispositivo legal não teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional, visto que colide com o estabelecido nos incisos XXXIII e LX do art. 5º da Constituição vigente, os quais têm a seguinte redação:

“Art. 5º.

(…)

XXXIII — todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

(…)

LX — a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;”

Alega, também, que não cabe, na espécie, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para impugnar a norma em questão, porque ela foi editada sob a égide da ordem constitucional anterior, razão pela qual somente pode ser atacada por meio do presente instrumento de controle concentrado (fl. 3).

Sustenta, ainda, que a nova Constituição privilegiou o princípio da publicidade, em detrimento da norma que protege o sigilo das informações, sendo este admissível apenas quando o interesse público assim o exigir e, mesmo assim, desde que devidamente motivado (fls. 4-5).

Diz, mais, que, não tendo o art. 86 do Decreto-Lei 200/67, objeto da presente argüição, especificado as hipóteses em que seriam admitidas as movimentações de créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais, estaria caracterizada a afronta à Constituição e, em conseqüência, vedado qualquer sigilo no tocante aos gastos da Administração Pública (fl. 6-8).

Entende que está presente o periculum in mora, porque a delonga no julgamento da presente ação, segundo afirma, “prorrogará ainda mais a imposição indevida do sigilo na movimentação dos créditos públicos, persistindo a afronta à Carta Política” (fl. 9).

Nesses termos, pleiteia a concessão da medida liminar, “objetivando-se a suspensão imediata do sigilo na movimentação de quaisquer créditos públicos” (fl. 8).

Por fim, requer o julgamento definitivo da ação, para que, no mérito, seja declarado que o art. 86 do Decreto-Lei 200/67 não foi recepcionado pela Constituição em vigor (fl. 9).

É o relatório.

Decido.

Preliminarmente, reconheço a legitimidade ativa ad causam da agremiação partidária que assina a inicial, tendo em vista o disposto no art. 2º, I, da Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999, combinado com o art. 103, VIII, da Constituição (RTJ 158/441-442, Rel. Min. Celso de Mello).

Depois, anoto que, a teor do art. 1º, parágrafo único, da citada Lei 9.882/99, é cabível a argüição de descumprimento de preceito fundamental para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição.

Cumpre registrar que o ajuizamento dessa ação subordina-se ao princípio da subsidiariedade, de que trata o art. 4º, § 1º, da referida Lei 9.882/99, significando que a admissibilidade da argüição pressupõe a inexistência de outro meio juridicamente idôneo, apto a sanar, de forma eficaz, eventual lesão à ordem constitucional causada pela norma ou ato impugnados (ADPF 3/CE, ADPF 12/DF, ADPF 13/SP).

Sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade e a fiscalização de constitucionalidade do direito pré-constitucional, convém trazer à colação o seguinte trecho do voto prolatado pelo Ministro Gilmar Mendes, na ADPF 33/PA:

“… não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade — isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata —, há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

É o que ocorre, fundamentalmente, nos casos relativos ao controle de legitimidade do direito pré-constitucional, do direito municipal em face da Constituição Federal e nas controvérsias sobre direito pós-constitucional já revogado ou cujos efeitos já se exauriram.

Esse é um outro problema concreto da ordem constitucional brasileira, porque diante da Constituição analítica e da pletora de reformas constitucionais — já estamos vivenciando esse problema na ADI — tem-se o direito legal pós-constitucional em relação às normas originárias da Constituição de 88, mas pré-constitucional em relação às Emendas Constitucionais, o que acaba por gerar dificuldades até mesmo para dar prosseguimento aos processos de controle abstrato.

Nesses casos, em face do não-cabimento da ação direta de inconstitucionalidade, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental.”

Assim, numa primeira análise dos autos, reconheço que se afigura admissível a utilização da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, sob o aspecto do princípio da subsidiariedade, vez que a norma nela impugnada veio a lume antes da vigência da Constituição de 1988.

No que concerne ao pedido de medida liminar, todavia, verifico que não se mostram presentes os requisitos autorizadores de sua concessão, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Com efeito, observo que o dispositivo atacado estabeleceu que a tomada de contas referentes à movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita em caráter sigiloso. Ocorre, porém, que o princípio da publicidade na Administração Pública não é absoluto, porquanto a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIII, in fine, restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, conforme segue:

“Art. 5º

(…)

XXXIII — todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” (grifei).

Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto o art. 5º, XXXIII, da Lei Maior, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública.

Registro, ademais, que a matéria foi em parte regulada pela Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que “dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências”, ostentando o seu art. 23, § 1º, a seguinte dicção:

“Art. 23

(…)

§ 1º — Os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas são originariamente sigilosos”.

Tal artigo, por sua vez, foi regulamentado pelo Decreto 4.553, de 27 de dezembro de 2002, o qual “dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações e documentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública e dá outras providências”.

Esse diploma estabelece critérios e define as autoridades responsáveis pela classificação dos dados e informações estatais nas categorias explicitadas no art. 5º, a saber: “ultra-secreto, secreto, confidencial e reservado, em razão de seus elementos intrínsecos”.

A Lei 11.111, de 5 de maio de 2005, de seu turno, “regulamenta a parte final do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição e dá outras providências”.

Não considero, portanto, suficientemente caracterizado o fumus boni iuris, seja porque o sigilo dos dados e informações da Administração Pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna, seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré-estabelecidas.

Por outro lado, constato que o art. 86 do Decreto-Lei 200, ora atacado, vigora desde 25 de fevereiro de 1967, e vem produzindo efeitos há mais de 30 (trinta) anos, não constando que tenha sido retirado da ordem jurídica por qualquer decisão judicial, razão pela qual entendo que também não se encontra evidenciado o periculum in mora.

Em face do exposto, exercendo um juízo de mera delibação, e sem prejuízo de melhor exame do tema no momento processual oportuno, indefiro o pedido de medida liminar.

Requisitem-se as informações de estilo. Após, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 18 de fevereiro de 2008.

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

Relator

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