Gastos com cartões

Sigilo de gastos do presidente é questão de segurança nacional

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15 de fevereiro de 2008, 16h11

Em um duelo de princípios constitucionais deve prevalecer o da proteção à soberania nacional sobre o da publicidade da administração pública. A opinião é do advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, que defendeu o sigilo dos gastos do presidente da República com sua segurança e de sua família no caso dos cartões corporativos.

“Como se dá segurança ao chefe de Estado brasileiro sem ter o sigilo de determinadas situações que envolvem desde alimentação até estratégia de locomoção e equipe de apoio? Como dar segurança a um chefe de Estado publicizando tudo que envolve esta segurança?”, questionou e, em seguida, respondeu: “É impossível”.

O sigilo, tão discutido nas últimas semanas, inclusive alvo de ações no Supremo Tribunal Federal, é questão de proteção à segurança nacional na visão do ministro. “No Brasil, o chefe do Estado é também o chefe de governo na figura do presidente da República. Sendo chefe de Estado, existe toda uma situação que é de segurança do próprio Estado brasileiro, na figura do presidente e de sua família”, disse Toffoli em entrevista à revista Consultor Jurídico.

Muitos criticam o sigilo dos gastos do presidente quando lembram da Instrução Normativa 802, da Receita Federal, instituída com o fim da CPMF. A norma determina aos bancos o repasse das informações financeiras dos correntistas para o Fisco e já está sendo questionada no Supremo. O governo argumenta que a regra em nada altera o sistema anterior que previa como obrigação acessória a prestação de informações semelhantes.

Segundo o advogado-geral da União, a lei complementar que trata hoje do sistema de informações da Recita Federal permite que haja a transferência do dever de sigilo. Por isso, o banco que tem as informações do correntista pode repassá-las ao Fisco desde que os dados não sejam abertos para terceiros. “A questão é a seguinte: esses dados podem ser transferidos a uma outra instituição sob a mesma pena de crime caso se viole a intimidade da pessoa? No nosso entendimento, pode”, diz ele.

De acordo com Toffoli, só há um sigilo sujeito a decisão judicial, que é o telefônico. “Quanto aos outros sigilos, a lei pode tratar e dizer quem pode ter acesso ou não”, entende.

Leia a entrevista

ConJur — O PPS entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal contestando um decreto lei da época da ditadura usado até para justificar o sigilo das contas presidenciais. A AGU já tem posição sobre isso?

Toffoli — Eu não tenho conhecimento ainda desta ação. Com certeza, a AGU vai ser chamada a se manifestar sobre este tema.

ConJur — Recentemente o presidente Lula declarou que os gastos com a sua segurança e de sua família devem mantidos em sigilo. Qual o limite do sigilo nas contas do presidente da República?

Toffoli — A Constituição garante a publicidade dos atos administrativos. Há o princípio da publicidade. Por outro lado, você a tem a figura do presidente da República que não é só um chefe de governo, mas o chefe do Estado brasileiro. Isso é uma coisa que o brasileiro e muitas autoridades não percebem. No Brasil, o chefe do Estado é também o chefe de governo na figura do presidente da República. Sendo chefe de Estado, existe toda uma situação que é de segurança do próprio Estado brasileiro, na figura do presidente e de sua família. Essas questões de segurança, no meu entendimento, se confrontadas com o princípio da publicidade, cairiam por terra. Como se dá segurança ao chefe de Estado brasileiro sem ter sigilo de determinadas situações que envolvem a sua segurança pessoal, desde alimentação até estratégia de locomoção e equipe de apoio? Como dar segurança a um chefe de Estado publicizando tudo que envolve esta segurança? É impossível.

ConJur — Há um conflito de princípios.

Toffoli — No meu entendimento, os princípios da segurança, na defesa do Estado brasileiro e da soberania do Estado brasileiro, devem prevalecer sob o princípio da publicidade da administração pública, sob este aspecto, porque envolve a soberania do próprio Estado brasileiro. São questões que envolvem relações com outros países porque estamos falando da segurança do chefe de Estado brasileiro que representa o Brasil perante as outras 200 nações do mundo.

ConJur — Como a AGU pode e pretende defender o sigilo do presidente?

Toffoli — Sobre as ações que estão no Supremo eu não gostaria de me manifestar agora porque ainda não tenho conhecimento do que elas abordam. Falo em tese do meu posicionamento diante de dois princípios constitucionais. De um lado a soberania do país e a segurança que o país deve dar ao seu chefe de Estado, e do outro o princípio da publicidade da administração pública. O que deve prevalecer? Se abrir todas as contas que envolvem a segurança do presidente a qualquer cidadão do país significa abrir a qualquer cidadão do mundo também.

ConJur — Há também no Supremo a contestação da Instrução Normativa da Receita Federal que estabeleceu controle sobre a movimentação bancária dos contribuintes. Isso não seria uma invasão de privacidade? Até onde o governo pode acessar e trocar informações sobre dados dos contribuintes?

Toffoli — Só tem um sigilo que na Constituição é reservado a decisão judicial, que é o sigilo telefônico. Quanto aos outros sigilos a lei pode tratar e dizer quem pode ter acesso ou não. No nosso entendimento, a lei complementar que trata hoje sobre o sistema de informações da Recita Federal permite que haja a transferência do dever de sigilo. Por exemplo: você tem uma conta corrente e o gerente do seu banco tem acesso a ela. Qualquer funcionário do banco com uma senha tem acesso a ela. Isso é quebra do seu sigilo? Não. Ele tem o dever de manter esse sigilo. Ele não pode contar a terceiros este sigilo, se não ele estará cometendo um crime, violando a sua intimidade. A questão é a seguinte: esses dados podem ser transferidos a uma outra instituição sob a mesma pena de crime caso se viole a intimidade da pessoa? No nosso entendimento, pode. Se essa instituição vier a dar publicidade a isso de forma ilegal vai estar cometendo crime de quebra de sigilo. Ou seja, o ato ilícito não pode ser socorrido pela idéia do sigilo.

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