Livre para jogar

STJD livra Romário de suspensão por doping

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14 de fevereiro de 2008, 18h24

Apesar de a droga finasterida constar na lista de substâncias proibidas para atletas, ela só tem o poder de aumentar o desempenho esportivo quando usada em conjunto com outras substâncias proibidas, de acordo com a classificação da Agência Mundial Anti-Dopagem (Wada). Como no caso do jogador Romário, suspenso por 120 dias por ingerir a droga, não foram feitos novos exames para identificar se havia a presença de outras substâncias, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva considerou que houve cerceamento de defesa do jogador e o absolveu da acusação de doping.

A decisão, unânime, foi tomada nesta quinta-feira (14/2). Com a decisão, o atacante pode voltar a jogar. O contrato com o Vasco vai até o final de março, mas ele deixou o clube depois de uma discussão com o diretor Eurico Miranda. O seu futuro ainda está indefinido.

Em outubro de 2007, depois do empate no clássico Vasco x Palmeiras (2 a 2), pelo Campeonato Brasileiro, Romário foi sorteado para fazer o exame anti-doping. Na amostra foi encontrada a substância finasterida, proibida pelo Regulamento de Controle de Dopagem da Confederação Brasileira de Futebol, com base na lista da Wada.

Em nenhum momento Romário contestou o laudo do exame. Mas argumentava que a substância encontrada fazia parte da composição de um comprimido que tomava para conter a queda de cabelos. E o seu advogado fez considerações sobre a conduta do atacante que, em vinte anos de carreira, nunca foi pego em exames anti-doping.

No dia 7 de dezembro, a Procuradoria da Justiça Desportiva apresentou denúncia contra o atleta acusando-o de infração ao artigo 244 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. O dispositivo prevê suspensão de 120 a 360 dias por acusação de doping. Requeria o recebimento da denúncia, a produção de provas e a condenação de Romário.

A 2ª Comissão Disciplinar do Tribunal aceitou a denúncia e suspendeu o Baixinho por 120 dias. À época, ele atuava como jogador e treinador do Vasco.

Nesta quinta-feira, Romário se emocionou durante o julgamento. Para começar a análise da questão, o relator, auditor Caio Cesar Vieira Rocha, colocou em discussão a tese da responsabilidade objetiva e a da responsabilidade subjetiva. Explicou que a primeira entende que o atleta é responsável por tudo o que ingere. E a segunda tese, sustenta que o jogador pode se eximir da responsabilidade se comprovar que não agiu com dolo ou culpa.

Como em nenhum momento Romário negou a ingestão da substância, o relator concluiu que “é certo que na amostra coletada havia a presença daquela substância, e que ela foi ingerida por ele espontaneamente”.

E afirma, em seu voto, que a defesa pediu para que fossem feitos novos procedimentos laboratoriais, reconhecidos pela Agência Mundial Anti-Dopagem. O pedido sequer foi analisado. “Dessa forma, reconheço por evidente que houve cerceamento do direito de defesa do atleta recorrente, tendo em vista que a prova pericial é prova admissível na justiça desportiva, conforme artigo 68 do CBJD”, decidiu o auditor Caio Rocha.

Leia o voto do relator

Recurso Voluntário 286/2007

RECORRENTE: Romário de Souza Farias, atleta do Club de Regatas Vasco da Gama.

RECORRIDA: Segunda Comissão Disciplinar

Relatório:

O atleta Romário de Souza Farias foi sorteado para realização de exame anti-doping na partida disputada entre sua equipe Club de Regatas Vasco da Gama e a agremiação Sociedade Esportiva Palmeiras, pela Série “A” do Campeonato Brasileiro de 2007, realizada em 28 de outubro de 2007 no Estádio de São Januário.


Conforme o Laudo do Laboratório responsável, a análise laboratorial da amostra coletada do atleta teria apontado resultado positivo para a presença da substância CARBOXI-FINASTERIDA (metabólito de Finasterida), que seria de uso proibido pelo Regulamento de Controle de Dopagem da CBF, amparado na lista de substâncias proibidas definida anualmente pela Agência Mundial Anti-Dopagem (WADA). Referida análise foi procedida pelo Laboratório de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – LADETEC da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em razão disso, em 05 de dezembro de 2007, o Presidente da Comissão de Controle de Dopagem encaminhou ofício ao Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, o qual, na mesma data, remeteu toda a documentação à apreciação da Presidência deste egrégio STJD.

Anexo ao referido ofício, merecem destaques os seguintes documentos que a ele vieram acostados:

(a) Nota à imprensa divulgada pela Comissão de Controle de Dopagem (fl. 18) sobre o ora narrado;

(b) correspondência assinada pelo Presidente do Club de Regatas Vasco da Gama, Sr. Eurico Miranda, e pelo atleta ora recorrente, em que ambos informam que o atleta renuncia ao direito de contra-prova, tendo em vista que a substância acusada seria princípio ativo de medicamento denominado PROPECIA, do laboratório MERCK SHARP & DOME, utilizado pelo atleta no tratamento de calvície (fl. 19). Informam ainda que, ao preencher o formulário de coleta de amostras, o médico do clube quis declarar o uso do referido medicamento, o que teria sido dispensado pelos responsáveis pela coleta do material;

(c) ofício enviado pela Presidência da CBF ao Clube dando ciência do resultado positivo do exame anti-doping (fls. 20/21);

(d) Formulários de notificação e coleta de amostras (FNCAs) dos atletas sorteados para exame anti-doping na partida em cotejo, em especial o do atleta recorrente (fl. 24), de número 16524, em que consta, no campo Medicamentos Usados, (título que é seguido da orientação: “pergunte ao atleta os medicamentos usados por ele recentemente”), redigidos a mão de caneta, a seguinte relação: Celebra, vit A, vit D, vit C, vit E, Ginseng, Guaraná, Centrum, Citoririm, Energético, e, finalmente, uma expressão rasurada ilegível.

(e) Laudo do Laboratório (fl. 28), contendo observação de Resultado Analítico Adverso para a amostra 16524 (referente ao material biológico coletado do ora recorrente) informando que: “A amostra 16524, frasco A-16524, apresentou CARBOXI-FINASTERIDA (metabólico de FINASTERIDA) substância proibida de acordo com o Regulamento de Controle de Dopagem da CBF e da Agência Mundial Anti-Dopagem, o que constitui Resultado Analítico Adverso (RAA)”;

À fl. 29, decisão do eminente Presidente desta Corte, datada de 05.12.2007, em que determinou a suspensão provisória do atleta pelo prazo de 30 dias, bem como determinou sua citação para apresentar defesa.

O atleta, no dia 10 de dezembro de 2007, apresentou sua defesa consistente, em essência, dos seguintes pontos:

(a) Como prejudicial de mérito, sustentou a prescrição, tendo em vista a data do fato foi 28 de outubro de 2007, e o resultado do exame só ter sido divulgado em 04 de dezembro de 2007, portanto além dos 30 dias previstos no artigo 168 do CBJD;

(b) Teceu considerações acerca de sua conduta como desportista que, ao longo de mais de vinte anos de carreira jamais foi identificado como atleta usuário de substâncias dopantes ou vinculado a práticas indisciplinares;

(c) Alega a “possível” imprestabilidade do exame, tendo em vista a data da coleta ter sido dia 28 de outubro, e o exame ter se realizado somente no dia 26 de novembro, o que pode ter deteriorado a substância;


(d) Aduz que a FINASTERIDA, a partir do dia 22 de setembro de 2007, com a apresentação pela WADA do Sumário das Principais Alterações para o ano de 2008, deixou de ser considerada proibida por aquela entidade, passando a inteirar o rol das chamadas substâncias especificadas (Specified substances), que, por si não possui potencial dopante, mas apresenta a característica de bloqueadora de outros elementos dopantes, e que, por força dos recentes avanços tecnológicos/laboratoriais foram criados mecanismos analíticos capazes de determinar quando tais substâncias bloqueadoras são utilizadas em conjunto com algum esteróide androgênico. Pede, por isso, a produção de prova pericial;

(e) Defende que este STJD já se manifestou anteriormente favorável à teoria da responsabilidade subjetiva, conforme posição já manifestada pelos Auditores Francisco Müssnich e Paulo Valed Perry, especificamente no julgamento do caso referente ao atleta Dodô, conforme votos que faz anexar;

Em apensado, junta documentos de fls. 43/74, entre os quais o referido “Sumário das Principais Modificações” da Lista de Substâncias Proibidas da WADA, datado de 22 de setembro de 2007; requerimento encaminhado ao LADETEC para que não se desfaça da amostra do atleta; e os votos dos insignes auditores Müssnich e Valed Perry retro-mencionados.

Às Fls. 75/76 autuou-se a defesa do Club de Regatas Vasco da Gama e de seu médico, Dr. Raphael Blum, em que sustentam não compartilhar nenhuma responsabilidade com o evento ocorrido.

Às Fls. 82/94 é juntada “Lista de Substâncias e Métodos Proibidos – Código Mundial Antidopagem” emitido pelo Conselho Nacional Antidopagem, entidade de Portugal, em que constam como proibidos (fl.85) os agentes mascarantes, que incluem, dentre outros, os inibidores de alfa-reductase (por exemplo finasteride, dutasteride).

Às fls. 95/100, é anexado o sumário de modificações da lista de substâncias e métodos proibidos de 2008 em relação à Lista de 2007, também emitido pelo Conselho Nacional de Dopagem de Portugal, que traz, no tópico intitulado Substâncias Específicas, a determinação de que “os inibidores de alfa-reductase (ex. finasteride, dutasteride) são agora considerados Substâncias Específicas. Embora estas substâncias possam ser usadas como agente mascarantes de esteróides anabolisantes, investigações recentes demonstram que existem processos laboratoriais que permitem determinar se foram utilizadas em associação com esteróides anabolisantes através de análise detalhada do perfil dos esteróides androgênicos”.

No dia 12 de dezembro de 2007, a Procuradoria da Justiça Desportiva apresenta denúncia contra o atleta acusando-o da infração prevista no art. 244 do CBJD, e pugnando pelo recebimento da denúncia, produção de provas, e finalmente pela condenação do atleta na pena descrita.

Em julgamento realizado no dia 18 de dezembro de 2007, por maioria de votos, a 2ª Comissão Disciplinar decidiu suspender o atleta recorrente por 120 dias pela prática da infração prevista no art. 244 do CBJD.

No seu voto-divergente, que foi vencedor, o nobre auditor Wladimir Cassani, sustenta sua posição em favor da responsabilidade objetiva (strict liability) por entender que o atleta deve ser punido porque constatada a presença da substância tida como proibida em seu organismo, independente da verificação de culpa ou dolo.

Em seu recurso, que repousa às fls. 117/120, o atleta reitera os argumentos alegados em sua defesa, e pede a atribuição de efeito suspensivo pelo eminente Presidente (fl. 114/116). Sustenta, em acréscimo e como preliminar, cerceamento do seu direito de defesa, tendo em vista que foi requerido e não teria sido apreciado o pedido de produção de prova pericial relativo ao material coletado a fim de verificar se a finasterida constatado na amostra do atleta foi utilizada em conjunto com esteróides, nos moldes do estabelecido pelas novas disposições da WADA, especificamente o trazido no Sumário de Principais alterações da lista de substâncias proibidas pela WADA em 2008 em relação ao ano de 2007, que afirma que novas investigações mostraram ser possível a verificação, em exames mais detalhados, de quando a presença das substâncias inibidoras de alfa-reductase, entre as quais se encontra a finasterida, for utilizada em conjunto com esteróides ou não.


Aduz ainda mais uma vez, que em 2008 a substância finasterida deixou de ser proibida pela WADA, passando a integrar o rol de substâncias especificadas, pois que “novos métodos de exame descobertos pelos bioquímicos daquela organização mundial, [torna] possível determinar se foi ela usada para mascarar o uso de esteróides anabolizantes”. Defende, com isso, a extinção da punibilidade, nos moldes descritos no art. 164, inc. II.

O eminente Presidente, em decisão fundamentada (fls. 123/125) negou o pedido de efeito suspensivo postulado.

O atleta recorrente, em 02 de janeiro, aforou pedido de reconsideração (fls. 127/130), reiterando o pedido de atribuição de efeito suspensivo.

Parecer da Procuradoria, às fls. 131/143, pelo não provimento do recurso.

Decisão do eminente Presidente, fls. 156/159, indeferindo o pedido de reconsideração formulado pelo recorrente e mantendo decisão anterior pela negativa de atribuição do efeito suspensivo ao recurso do atleta.

Às fls. 163/164, novo pedido do recorrente para permitir que o recorrente pudesse exercer a função de treinador, o qual foi novamente indeferido pela douta Presidência, em decisão de fls. 169/171.

Às fls. 174/175, novo pedido do recorrente de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, tendo em vista o cumprimento de metade da pena (60 dias), o qual foi novamente negado pelo Douto Presidente, em decisão manuscrita à fl. 176, pela qual fui designado relator.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, e está preparado, por isso que o conheço.

Deixo de apreciar a preliminar de prescrição apresentada pelo atleta em sua defesa, já que a mesma não foi reiterada quando da propositura do seu recurso voluntário.

É conhecido o embate teórico entre as teses da responsabilidade objetiva e da responsabilidade subjetiva.

A primeira, como se sabe, defende o entendimento de que o atleta é responsável por tudo o que ingere e, caso seja detectada a presença de substância proibida em seu organismo, necessariamente estará caracterizada a conduta típica do doping.

A segunda teoria, por outro lado, sustenta que o atleta pode se eximir da responsabilidade caso fique comprovado que não agiu com dolo ou culpa na ingestão da substância.

Ambos os lados justificam suas posições em argumentos sólidos norteados por valores de igual importância.

Os defensores da responsabilidade subjetiva possuem uma preocupação maior com o indivíduo, suposto autor do doping, e valorizam o seu direito individual à ampla defesa, à presunção de inocência; acreditam na sua boa-fé, desde que se prove o contrário. Os partidários da responsabilidade objetiva, por outro lado, dão maior importância à credibilidade do desporto, já que pode ser difícil constatar-se a presença do elemento subjetivo (culpa ou dolo); esta ala tem como valor prioritário resguardar a lisura e integridade desportivas. Ainda que para tanto, em um dado caso concreto, isso seja feito mediante o sacrifício de um direito individual, o que se justificaria pela proteção de um valor considerado mais importante.


Verifica-se, assim, que ambas as teses são amparadas em valores positivos e possuem justificativas plausíveis.

Nos últimos julgamentos realizados aqui neste Tribunal relacionados a casos de doping de atletas parece ter ficado claro que há uma tendência entre os auditores pela filiação à tese da responsabilidade subjetiva. Essa tendência tem estimulado, não sem razão, mas talvez de forma precipitada, a que os advogados de defesa espertamente sustentem que a posição do Tribunal Pleno já seria definida e pacificada nesse sentido.

Entretanto, não é necessariamente verdade que este Tribunal tenha pacificado o entendimento sobre o assunto. Já houve casos em que, por conta de mudança pontual na composição do Pleno (por vezes causadas pela ausência de apenas um auditor em determinada sessão) alterou-se o resultado de um julgamento semelhante ao ocorrido em sessão imediatamente anterior. Tampouco tem sido incomum a mudança de opinião de determinado auditor, seja pela constatação no caso concreto de algum elemento capaz de alterar seu convencimento, seja mesmo pelo amadurecimento de sua opinião a respeito de um tema específico.

A solução mais adequada ao referido embate teórico foi aquela encontrada pelo Código Mundial Antidopagem, já mencionada pelo ilustre Auditor Franscisco Müssnich, em voto-vencedor quando do julgamento do caso do atleta Dodô. Pelas normas daquele diploma, editado pela WADA, entidade especializada a que a FIFA é filiada, para a caracterização do doping não é necessária fazer prova da intenção, culpa, negligência ou do uso consciente (art. 2.1.1), mas possibilita a anulação da pena nas hipóteses do atleta acusado provar que não teve culpa ou negligência no cometimento da infração, ou comprovar a forma na qual a substância ingressou em seu organismo (art. 10.5.1).

Feitas essas ponderações iniciais, passo a apreciar ponto que considero crucial para a resolução do litígio.

O atleta recorrente, em nenhum momento, contestou o laudo laboratorial ou negou a ingestão da substância FINASTERIDA. Portanto, é certo que na amostra coletada havia a presença daquela substância, e que ela foi ingerida por ele espontaneamente.

Referida substância, é enquadrada nas relações de substâncias proibidas da WADA. Referida lista é o paradigma mundial em referência às substâncias dopantes, que regem todas as demais listas do gênero mundo afora. Como se sabe, a FINASTERIDA não é incluída naquele rol por possuir efeito dopante, no sentido de potencializar o desempenho atlético, mas está inserida na categoria de substâncias bloqueadoras, ou mascarantes, proibidas por que são capazes de comprometer a detecção de outras substâncias, no caso da Finasterida, especificamente os esteróides androgênicos.

Referidas substâncias mascarantes ou bloqueadores, são consideradas pela própria WADA como menos graves do que as outras, aquelas catalisadoras da performance desportiva. Na própria lista de 2008 emitida por aquela entidade, é feita especial ressalva a determinadas substâncias especificadas, dentre as quais as alfa-reductases, gênero no qual se enquadra a FINASTERIDA. Diz a mencionada observação, em tradução livre deste relator: “A presente lista pode identificar substâncias especificadas que são particularmente suscetíveis ao descumprimento não intencional de norma antidopagem seja porque são disponíveis de forma geral em produtos médicos, seja porque são menos passives de serem utilizadas com sucesso como agentes dopantes. Uma violação às normas de doping envolvendo referidas substâncias pode resultar em uma sanção reduzida, desde que o atleta possa estabelecer que o uso de referida substância especificada não teve a intenção de incrementar a performance desportiva.”

Além disso, merece destaque que, entre as modificações procedidas entre a lista de 2007 e 2008, conforme se verifica do Sumário de principais modificações (fl. 43) da WADA, consta a observação de que as substâncias especificadas, dentre as quais a Finasterida, “embora possam ser usadas como agentes mascarantes de esteróides anabolisantes, investigações recentes demonstraram que existem processos laboratoriais que permitem determinar se foram utilizadas em associação com esteróides anabolisantes através da análise detalhada do perfil dos esteróides androgênicos”.


Notem que o Sumário de Principais Modificações da WADA data de 22 de setembro de 2007, portanto antes mesmo da data do fato.

O atleta, em sua defesa, amparado nessa nova norma, pediu a realização de prova pericial para que fosse realizado na amostra do atleta esses novos procedimentos laboratoriais, reconhecidos publicamente pela WADA desde de 22 de setembro de 2007.

Entretanto, não há nos autos nenhuma deliberação acerca do pedido de prova pericial formulado.

Dessa forma, reconheço por evidente que houve cerceamento do direito de defesa do atleta recorrente, tendo em vista que a prova pericial é prova admissível na justiça desportiva, conforme art. 68 do CBJD. E, pelas circunstâncias especiais dos autos, essa prova pericial seria de importância crucial para o deslinde da questão, pois caso realizados os novos procedimentos de exames laboratoriais mencionados pela WADA em suas diretrizes mais atualizadas, poderíamos ter a certeza se a substância foi ou não utilizada para mascarar a presença de algum outro esteróide.

Entretanto, deixo de acolher referida preliminar, pois entendo que o caso permite ir mais além.

A norma da WADA é clara: durante o ano de 2007, foi constatado que há novos meios de exame laboratoriais que possibilitam a verificação se determinado atleta consumiu substâncias alpha-reductoras (dentre as quais consta a FINASTERIDA) em conjunto com algum esteróide anabolizante.

Então, a partir desse momento, a substância FINASTERIDA, apesar de ainda constar da lista de substâncias proibidas, recebeu uma classificação mais específica, deixou de ser meramente proibida, passando a ser substância especificada, a respeito das quais há meios tecnológicos novos de exame para saber quando forem utilizadas em conjunto com alguma outra substância proibida, capaz de aumentar o desempenho desportivo.

Dessa forma, entendo que não cabe ao atleta providenciar a realização do referido exame, até porque não tem como dispor da mesma amostra fornecida no dia da partida, que deve estar na posse do Laboratório responsável. Na verdade, é o órgão fiscalizador que deveria proceder todos os exames laboratoriais necessários para constatar a presença de substâncias dopantes. Se o laboratório contratado pela CBF para realizar tais exames não procedeu essa verificação, ou se não sabia da existência dessa nova diretriz da WADA, que deve ser acatada por todas as entidades congêneres nacionais, não pode ser o atleta o responsabilizado por isso.

O argumento de que as alterações das diretrizes da WADA ainda não teriam sido acatadas pela entidade nacional, a meu ver, é um argumento simplório, que, data vênia, não se sustenta. É que tais normas são típicas do direito internacional. A WADA é a instituição mais avançada e credenciada de todas as entidades de controle de dopagem do mundo. Suas diretrizes são, cedo ou tarde, seguidas por todas as entidades de controle de doping do cenário global. Certamente, se suas diretrizes ainda não foram acolhidas pela entidade nacional, ou se ainda não chegaram ao conhecimento da CBF, por exemplo, não é motivo para ignorá-las.

Caso fossem ignoradas, poder-se-ia imaginar a situação inversa: se uma nova substância dopante fosse criada e inserida na relação da WADA, certamente não seria necessário a confirmação da entidade nacional para que o uso de hipotética substância fosse caracterizado como dopagem. Não se pode submeter um assunto sério como o doping, aos impasses advindos da burocracia das entidades nacionais. Até porque, como já julgamos anteriormente, e um caso exemplar foi o do técnico Dunga, o futebol é um esporte mundial, cujas regras são definidas em última instância pela FIFA, entidade maior, que, no quesito doping, adota as diretrizes da WADA.

No julgamento do caso Dodô, mencionado pela Procuradoria, não foram aplicadas as regras nacionais. Pelo contrário, as normas nacionais foram interpretadas em harmonia e consonância com o Código Mundial Antidopagem, que foi detalhadamente dissecado, interpretado e explicado no magistral voto-vencedor do ilustre Auditor Francisco Müssnich.

Quanto à possibilidade de reavaliação do caso, não pela FIFIA, mas pelo Tribunal de Arbitragem Esportiva – TAS, considero-a, em todos os casos, extremamente salutar. Tal revisão nos permitirá ter certeza da boa distribuição da jurisdição desportiva, caso confirmatórias de nossas decisões, ou aprimorar nossos conhecimentos, em caso de reforma.

Não se poderia nunca falar em doping no presente caso. O que houve, na verdade, foi um laudo feito sem a observância das novas diretrizes da WADA, que atesta, repito, a existência de exames para verificar a presença de esteróides em casos similares.

A substância finasterida não deixou de ser proibida, como anunciado especialmente pela imprensa no decorrer deste processo. Na verdade, ela passou a ser qualificada em categoria especial, junto com as substâncias ditas especificadas, pois seu uso pode significar doping, caso seja verificada em conjunto com outros elementos esteróides.

Em outras palavras, a partir do momento que a WADA admite existirem exames capazes de constatar se a finasterida foi utilizada em conjunto com outros esteróides, ela só terá potencial dopante se tais exames forem realizados e tiverem resultados positivos.

No caso dos autos, a amostra do atleta não foi submetida a esses novos exames, apesar do requerido por ele, razão pela qual não há como afirmar se a substância foi utilizada como bloqueador de algum elemento dopante.

Sendo assim, por tais fundamentos, voto pelo provimento integral do presente Recurso Voluntário, a fim de absolver o atleta da imputação do art. 244 do CBJD.

É como voto.

Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2008.

Caio Cesar Vieira Rocha

Auditor

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