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Prefeito só perde cargo depois de decisão definitiva

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12 de fevereiro de 2008, 10h48

Perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só poderão ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Com este entendimento, o ministro Peçanha Martins, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, acolheu o pedido do prefeito de Itabela (BA), Paulo Ernesto Passanha da Silva, para retornar ao cargo.

Paulo Ernesto foi afastado por uma liminar da Vara Única da Subseção Judiciária de Eunápolis (BA). O prefeito é acusado de improbidade administrativa em uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público estadual.

A defesa pediu a suspensão da liminar para a presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que negou o recurso. O município, então, formulou novo pedido ao STJ. Sustentou que “não há previsão de antecipação de tutela para suspensão dos direitos políticos, de modo que o afastamento do prefeito municipal do cargo em que se encontra investido representa uma inadmissível afronta aos princípios constitucionais democráticos”.

Peçanha Martins acolheu o argumento. De acordo com ele, o artigo 20 da Lei 8.429/92 prevê que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só poderão ocorrer depois de transitar em julgado a sentença condenatória. “Assim sendo, não vejo, ‘data vênia’, como se possa admitir a suspensão, ainda que momentânea, por mero afastamento de cargo com investidura por mandato conferido pelo povo, em pleito livre ratificado pelo Poder Judiciário, dos direitos políticos do mandatário popular”, afirmou.

O ministro destacou, ainda, que a suspensão, por qualquer tempo ou forma, dos direitos políticos contraria a vontade do eleitor. “Por isso mesmo e para evitar a invasão de competência entre os poderes da República, submete-se o mandato político ao julgamento do próprio povo, pelos seus órgãos representativos e à sentença condenatória, como previsto no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 20 da Lei 8.429/92”, concluiu.

SLS 822

Leia a decisão

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 822 – BA (2008/0025751-4)

REQUERENTE: MUNICÍPIO DE ITABELA

ADVOGADO: JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTRO(S)

REQUERIDO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO

INTERES.: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INTERES.: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

DECISÃO

Vistos, etc.

1. Nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado da Bahia, o MM. Juiz Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Eunápolis/BA deferiu o pedido de liminar para, com fulcro no artigo 20, parágrafo único da Lei n. 8.429/92, afastar Paulo Ernesto Pessanha da Silva do cargo de prefeito municipal de Itabela.

Irresignado, o referido município requereu a suspensão do decisório à Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que indeferiu o pedido.

Daí este novo pedido de suspensão, formulado pelo Município de Itabela/BA com base no art. 4o, § 4º, da Lei n. 8.437/1992, sob alegação de lesão à ordem administrativa. Sustenta o requerente, em síntese, que “não há previsão de antecipação de tutela para suspensão dos direitos políticos, de modo que o afastamento do Prefeito Municipal do cargo em que se encontra investido representa uma inadmissível afronta aos princípios constitucionais democráticos”.

2. Preliminarmente, compete à Presidência do Superior Tribunal de Justiça o exame deste pleito, uma vez que houve a anterior interposição de pedido de suspensão perante a Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que o indeferiu.

3. No mérito, merece acolhida o pedido.

A decisão que ora se busca suspender, exarada pelo MM. Juiz Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Eunápolis/BA nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa, afastou o Sr. Paulo Ernesto Pessanha da Silva do cargo de prefeito do município de Itabela, localizado na Bahia. Lastreou-se a decisão recorrida no parágrafo único do art. 20 da Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992.

Dizem os citados dispositivos legais:

“Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.”

De notar-se que o artigo distingue as penalidades imponíveis aos agentes públicos, distinguindo-as, também, quanto a aplicabilidade a eles. A perda da função pública é dirigida aos servidores públicos, e a suspensão dos direitos políticos aplicável também aos agentes públicos exercentes de mandato político.

É certo que também aos funcionários públicos poder-se-á penalizar com a suspensão dos direitos políticos, a teor do art. 37, § 4, da C.F./88. De qualquer sorte, na dicção do art. 20 a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só poderão ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A decisão objurgada, porém, entendeu cabível o “afastamento” do Prefeito do Cargo para o qual foi eleito pelo povo e diplomado pelo Eg. Tribunal Regional Eleitoral.

Na definição de agente público, a Lei 8.429, no art. 2º, não distinguiu quanto a forma de investidura ou vínculo nas entidades públicas. Mas o fez, penso, quanto as “disposições penais”. É que não há previsão legal de suspensão cautelar de direitos políticos. E o afastamento cautelar de prefeito ou qualquer outro agente público investido em cargo público por mandato político, conferido em eleição e chancelado pelo Tribunal Eleitoral, corresponderia à suspensão do direito político do mandatário.

O mandato de prefeito é por tempo certo. O seu afastamento do cargo implica suspensão de direito outorgado pelo povo, em eleição livre. E a lei não excepcionou quanto a suspensão dos direitos políticos, estabelecendo a suspensão temporária cautelar, como fez com relação a perda da função, possibilitando o afastamento temporário, “sem prejuízo da remuneração”, e “quando a medida se fizer necessária à instrução processual. “

Impõe-se interpretar o art. 20 e o parágrafo único da Lei 8.429/92 face às regras e princípios norteadores da C. F. /88, convindo relembrar que a República democrática brasileira repousa na célebre teoria de Montesquieu, não sendo possível admitir a interferência ou invasão de um poder na esfera de competência do outro. A lei é clara quando diz que ocorrerá a suspensão dos direitos políticos após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Ora, enquanto não transitada em julgado a sentença, a aplicação da regra do parágrafo único representaria a interrupção do mandato eletivo conferido pelo povo. E na democracia somente o povo, pelo seu órgão representativo, no caso a Câmara de Vereadores, é que pode, a seu tempo e modo determinar o afastamento dentro do processo de “impeachment”.

Regidos por uma Constituição denominada “cidadã”, erigida sobre os pilares da democracia – governo do povo, pelo povo e para o povo, consoante os desígnios da maioria, respeitados os direitos da minoria – assentados na liberdade e igualdade de todos perante a lei (art. 5 e incisos), o cidadão brasileiro só será considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5, LVII), assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5, LV).

Assim sendo, não vejo, “data venia”, como se possa admitir a suspensão, ainda que momentânea, por mero afastamento de cargo com investidura por mandato conferido pelo povo, em pleito livre ratificado pelo Poder Judiciário, dos direitos políticos do mandatário popular. E não se argumente que as penas de perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos não seriam de natureza penal. É de ler-se o enunciado da matéria contida no Capítulo VI da Lei n° 8.429 – “Das disposições penais” – c. c. o disposto no art. 5, incisos LV e LVII, da C. F./88. E não há pena mais degradante para o cidadão, sobretudo para o exercente de cargo público de investidura por mandato eleitoral, que a suspensão dos direitos políticos, tendo mesmo dúvidas quanto ao cabimento da ação civil pública na hipótese.

Demais disso, a suspensão por qualquer tempo ou forma, dos direitos políticos do mandatário político, importa em contrariedade à vontade do eleitor, mormente quando majoritária a eleição. Por isso mesmo e para evitar a invasão de competência entre os poderes da República, submete-se o mandato político ao julgamento do próprio povo, pelos seus órgãos representativos – Senado, Câmaras Federal e Estadual e de Vereadores, e à sentença condenatória, como previsto no art 37, § 4 da C. F. /88 e no artigo 20 da Lei 8.429/92.

O afastamento, “data venia”, só poderá ocorrer por julgamento político da Câmara de Vereadores, em processo de “impeachment”. O afastamento da função, previsto no parágrafo único do art. 20, “data maxima venia” só se pode aplicar ao servidor público comum, não ao titular de mandato político, por isso mesmo que a culpabilidade e a suspensão dos direitos políticos só poderão ocorrer com o trânsito em julgado da sentença condenatória (arts. 5, LXII, da C. F. /88 e 20 da Lei 8.429/92).

3. À vista do exposto, defiro o pedido de suspensão da decisão liminar exarada pelo MM. Juiz Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Eunápolis/BA nos autos da Ação Civil Pública n. 2007.33.10.000752-8

Comunique-se ao referido magistrado e ao Tribunal a quo.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 08 de fevereiro de 2008.

MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

Vice-Presidente, no exercício da Presidência

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