Direito à progressão

Acusado de tentar furtar pinga ganha alvará de soltura

Autor

12 de fevereiro de 2008, 17h43

A Justiça concedeu liberdade ao catador de sucata, Reginaldo Pereira da Silva, de 30 anos. Ele estava preso no Centro de Detenção Provisória 2 de Osasco, na Grande São Paulo, há sete meses, sob acusação de tentar furtar pinga de R$1, 50 de um supermercado. O alvará de soltura foi expedido na segunda-feira (11/2) e enviado à cadeia no mesmo dia.

De acordo com a decisão do juiz Adevanir Silveira, o réu já cumpriu maior parte da pena. O mesmo juiz aplicou ao catador a pena de oito meses e 16 dias de prisão, em regime semi-aberto, por crime de furto. O catador cumprirá 42 dias restantes da sentença no semi-aberto.

Com base no princípio da insignificância, a Defensoria Pública pediu a liberdade provisória do catador. O juiz negou o pedido, levando em conta os antecedentes do acusado.

Ao conceder liberdade ao réu, o juiz não considerou os argumentos da defesa. “O réu está a preso já há sete meses, tal tempo de prisão cautelar lhe confere direito à progressão para o regime aberto, não se justifica, a esta altura a manutenção do cárcere. Expeça de alvará de soltura clausulado. Pela razão já exposta, o réu poderá recorrer em liberdade”, disse o juiz.

Segundo a defensora pública Mailaine Santos, a defesa deve recorrer para que a segunda instância reconheça que a conduta do réu não foi criminosa. Além disso, a Defensoria afirma que vai pedir ação de indenização contra o Estado pelo tempo em que o réu ficou preso.

O catador já possuía dois outros processos por tentativa de furto. Em um dos processos foi aplicada pena de multa e em outro prestação de serviços à comunidade. Mas foi preso por causa da pinga, não cumpriu a pena. Agora, mesmo com alvará de soltura já expedido, o catador teve sua pena alternativa convertida em prisão pela Vara de Execução Criminal de Osasco. Segundo a Defensoria, esse fato está barrando a saída do catador da prisão.

Casos semelhantes

A tese da Defensoria Pública é a mesma já usada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para fundamentar casos semelhantes. Em novembro do ano passado, por exemplo, ele concedeu liminar a um idoso denunciado por furtar 200 espigas de milho avaliadas em R$ 35. Por determinação do STF, a ação contra o réu foi trancada.

Em outro caso recente, os desembargadores da 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveram Noel Rosa da acusação de furto de um carrinho de mão e um tambor plástico, avaliados em R$ 45. O entendimento no julgamento do caso foi o de que sempre que puder, o juiz deve aplicar o Direito Penal de forma restritiva para que a punição não seja desproporcional ao crime cometido.

Leia a sentença:

PROCESSO: 050.07.052176

(Controle 991/07)

REGINALDO PEREIRA DA SILVA foi denunciado por infração ao artigo 155, “caput”, c.c. artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, porque, no dia 08 de julho de 2007, por volta das 05h47min, na avenida Santo Amaro, nesta Comarca da Capital, tentou subtrair para si, uma garrafa de cachaça adoçada marca Rosa, de 490 ml, pertencente ao Supermercado Pão de Açúcar, somente não tendo consumado seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade.

O réu foi interrogado. As testemunhas arroladas pelo Ministério Público foram ouvidas. Em alegações finais o Ministério Público pediu a condenação do réu. A Defesa pediu a absolvição por não constituir o fato infração penal. É o relatório. DECIDO.

O réu responde pelo crime de furto tentado, finalizada a instrução encontro provas suficientes para lhe impor a condenação pretendida pelo Ministério Público.

Ao ser interrogado, fls.40, o réu confessou a prática do crime, ele disse ter entrado na loja do supermercado, subtraída a garrafa de bebida alcoólica, que ingeriu, ao menos em parte, ainda no interior da loja. Tal confissão encontra respaldo na prova colhida.

As testemunhas de acusação ouvidas, fls.55/56, confirmaram a subtração da garrafa de cachaça pelo réu, bem como ter ele ingerido a bebida no interior da loja e ter buscado a saída com ela escondida sob as vestes. É deste teor o depoimento do segurança da loja e do policial militar responsável pela prisão.

Diante de tal conjunto probatório, está provada a autoria imputada ao réu, por conseguinte, não á óbice ao acolhimento do pedido de condenação deduzido pelo Ministério Público em alegações finais.

Respeito o posicionamento posto pela Defesa, mas afasto o pedido de absolvição por atipicidade da conduta, pretensão calcada no princípio da insignificância. Este é instrumento de política criminal adotado para descriminalização de condutas a não atingir de modo relevante bem protegido pela norma penal, entretanto, a atual conjuntura social está a exigir do Estado, aqui personificado no Poder Judiciário, resposta concreta à criminalidade que hoje grassa e que semeia perigosa crença na impunidade.

É evidente, por outro lado, que não se está a pregar o encarceramento sistemático, mas sim a defender a necessidade de resposta concreta, mas sempre proporcional à conduta criminosa.

Afasto também o pedido de reconhecimento do crime impossível. A vigilância exercida pela segurança da loja não impediu que o réu apanhasse a garrafa de cachaça e ingerisse boa parte da água ardente, aproximando-se sobremaneira da consumação do crime. Neste contexto, não se caracteriza a absoluta ineficácia do meio empregado para o cometimento do crime, trata-se, portanto, de tentativa punível.

Por fim, é evidente que o réu não pretendia pagar pela bebida e não é crível que possuísse algum dinheiro, o seu comportamento, subtrair e ingerir parte da bebida e importunar terceiros na busca do pagamento do preço, é evidência que não tinha disposição alguma de pagar pelo produto. Passo a fixar as penas.

O réu possui condenações transitadas em julgado por crime contra o patrimônio, porém, elas caracterizam a reincidência, razão pela qual não serão consideradas nesta primeira fase da fixação da pena para que não haja bis in idem. Fixo as penas no seu mínimo legal, um ano de reclusão e dez dias-multa.

Pela reincidência elevo as penas em 1/3 e as fixo em um ano e quatro meses de reclusão e treze dias-multa. Pela confissão reduzo a pena em 1/5 e as estabeleço em um ano e vinte e quatro dias de reclusão e onze dias-multa.

Pela tentativa reduzo a pena em 1/3, pois não foi mínimo o percurso pelo “iter criminis”, pelo contrário, o réu abriu e bebeu parte da cachaça, portanto, aproximou-se e muito da consumação do crime. As penas definitivas são de oito meses e dezesseis dias de reclusão e oito dias-multa.

O regime inicial de cumprimento de pena será o semi-aberto, em razão da reincidência. Dada a reincidência não cabe a substituição da pena privativa de liberdade e a concessão de sursis.

Dadas as modestas condições econômicas do réu, fixo o valor de cada dia-multa no piso legal.

Posto isto, julgo PROCEDENTE a ação e CONDENO o réu Reginaldo Pereira da Silva à pena de oito meses e dezesseis dias de reclusão, a serem cumpridos em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de onze dias-multa, no piso, por infração ao artigo 155, “caput”, c.c. o artigo 14, II do Código Penal.

O réu está a preso já há sete meses, tal tempo de prisão cautelar lhe confere direito à progressão para o regime aberto, não se justifica, a esta altura a manutenção do cárcere. Expeça de alvará de soltura clausulado. Pela razão já exposta, o réu poderá recorrer em liberdade.

Transitada em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados.

P.R.I.C.

São Paulo, 8 de fevereiro de 2008.

Adevanir Carlos Moreira da Silveira

Juiz de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!