Caso Cunha Lima

Ministros do Supremo não podem compactuar com a incerteza

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10 de fevereiro de 2008, 10h09

Nos idos de 1993, o deputado federal Ronaldo Cunha Lima, então governador de Estado da Paraíba — que vinha recebendo alfinetadas do ex-governador do mesmo estado, Tarcísio Burity — sacou uma pistola no recinto de um restaurante localizado em João Pessoa e desfechou, à queima roupa, três tiros no desafeto.

O assassino alegou, em prantos, que na qualidade de pai não podia mais suportar as pesadas críticas que seu antecessor no governo vinha fazendo ao seu dileto filho. A vítima, por sua vez, foi socorrida e, apesar de ficar longo tempo entre a vida e a morte num hospital, conseguiu sobreviver, falecendo mais tarde no ano de 2003.

Tendo presente que a Constituição Federal confere aos deputados e senadores a prerrogativa do “foro privilegiado’, é dizer, de ser julgado perante a mais alta Corte de Justiça do país e como essa Corte, apesar de excelsa, não foi suficientemente estruturada para processar e julgar fatos desta natureza, o caso vinha se arrastando há 13 anos.

De repente, no cenário jurisdicional, surgiu um magistrado que arregaçou as mangas e propôs-se julgar o crime cometido pelo ex-governador, Ronaldo Cunha Lima, então deputado federal. Após colher todas as provas, com ingentes sacrifícios, o ministro Joaquim Barbosa conseguiu marcar a data para julgamento do processo crime. No entanto, não teve sucesso, pois foi colhido por uma manobra protelatória do réu que, alegando preferir ser julgado pelo tribunal popular e democrático do Júri, abriu mão da prerrogativa de foro e renunciou ao mandato de deputado federal. Para o ministro relator, a referida manobra constituía uma “chicana processual”, pior ainda, “um escárnio com a Justiça e com o Supremo Tribunal Federal”.

Desde então, a Suprema Corte ficou dividida, entre os que entendiam que o processo devia ser mantido e julgado pelo STF e os que sustentavam que deveria ser redistribuído para a comarca de João Pessoa, onde seria decidido pelo Tribunal do Júri. A decisão veio esta semana. Por sete votos contra quatro, proferidos pelo relator, seguido de Cesar Peluzo, Carlos Ayres Brito e Cármen Lucia Antunes Rocha, o Supremo decidiu pela remessa dos autos à comarca de João Pessoa.

Agora, a pergunta que não quer calar é a seguinte: a prevalecer essa interpretação cerebrina e revoltante, supondo que o deputado em questão resolva futuramente se candidatar ao mesmo cargo e consiga se reeleger, não seria restabelecida a regra do “foro privilegiado”, capaz de provocar nova paralisação do processo e sua devolução à Excelsa Corte? Que dizer do tempo e do trabalho despendido ministro relator até a presente data? Restaria perdido?

Mas onde estamos? Será essa a Justiça que a população aguarda que seja distribuída pela mais alta Corte de Justiça do país? Mais do que um escárnio com a Justiça e com a Suprema Corte, isto significa a consagração do estelionato processual e, sobretudo uma capitulação do Poder Judiciário que, mais uma vez, sucumbe diante das manobras espertas e protelatórias das elites políticas deste sofrido país.

Beccaria, em seus famosos Dos Delitos e das Penas, ensina que o juiz, diante do silogismo em que a premissa maior é a lei geral e a premissa menor a ação de conformidade ou não com a lei, deve escolher entre a liberdade ou a pena. Quando, por qualquer motivo, não cumpre o seu papel de aplicador da norma, compactua com a incerteza e com a dúvida. Não é este o papel que supomos reservado aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

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