Relação de conflito

Pesquisa mostra desrespeito de advogados a vigilantes no STJ

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4 de fevereiro de 2008, 23h01

Os advogados, indispensáveis à Justiça nas palavras da Constituição Federal, ficaram mal na foto em uma pesquisa feita pelo Superior Tribunal de Justiça. No levantamento sobre desacato aos recepcionistas e vigilantes do STJ, os advogados aparecem como responsáveis por 30% das ocorrências de desrespeito.

De acordo com a pesquisa, que não tem nenhum valor científico, ocorre algum tipo de desrespeito em 70% dos locais de acesso do STJ, que recebe mais de cinco mil visitantes por dia. Em 47% dos casos, o desrespeito é verbal, do tipo xingamento, 15% representam ameaças e outros 15%, humilhação ou assédio. O levantamento foi feito internamente para subsidiar uma campanha do setor de Recursos Humanos do STJ, de qualidade no atendimento. A TV Justiça chegou a produzir e divulgar um vídeo que trata da relação entre atendentes e visitantes.

Das 26 pessoas ouvidas na pesquisa (vigilantes e recepcionistas), 45% relataram que sofrem algum desrespeito de uma a duas vezes por mês e 9% sofrem mais de seis vezes. Os advogados lideram a lista de agentes do desrespeito entre o público variado. Em segundo lugar, ficam os taxistas com 18%, visitantes com 13% e autoridades públicas 5%. Dentre o público fixo do tribunal, servidores e estagiários dividem igualmente 26% das agressões.

De acordo com o presidente da OAB nacional, Cezar Britto, não é estranho que o maior número de atritos envolva advogados. “Primeiro, porque é o maior público a freqüentar o STJ. Segundo, porque a tarefa dos advogados é fazer a defesa perante o tribunal e não é raro a ocorrência de conflitos quando se exerce o direito de defesa. Por fim, com um número menor de casos, há também os advogados, que exorbitam no seu direito de defesa faltando com o dever da urbanidade no trato com as pessoas”.

No relato do secretário de segurança do STJ, Antônio Nascimento, os incidentes são diários pelos mais variados motivos. Alguns incidentes comuns são causados depois da represália dos seguranças a alguma postura de desrespeito do visitante à liturgia que o tribunal tem e deve ter. Já saiu bate-boca de advogado com segurança porque o profissional se recusou a levantar da cadeira quando os ministros entraram na Corte.

“Isso é uma praxe em qualquer Tribunal Superior. Quando os ministros entram no Plenário, os presentes devem se levantar independentemente de serem advogados ou não”, lembra Nascimento. Outro advogado criou caso porque foi impedido pela segurança de usar o banheiro em uma área privativa para ministros dentro do STJ. A discussão foi longa. O advogado afirmava que não havia diferença entre ele e os magistrados e que o segurança estaria tolhendo seu direito de ir e vir.

O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, afirma que não há relação de hierarquia entre o juiz e o advogado. “A relação é de absoluta igualdade. É lamentável que haja este tipo de divisão: elevador privativo e banheiro privativo. São medidas antipáticas e de duvidosa legalidade”, avalia.

De acordo presidente da OAB-RJ, não há qualquer norma legal que obrigue as pessoas a se levantar quando o juiz entra na sala. “Uma atitude como esta (de não se levantar) não significa desrespeito à Justiça. No tribunal, há determinadas liturgias que mantêm uma tradição quase que religiosa. E não é isso — uma demonstração de subserviência ao juiz — que gera respeito ao Poder Judiciário, e sim uma boa prestação jurisdicional”.

Depois de alguns incidentes no tribunal, como o de um estagiário que apresentou o número da OAB de seu ex-chefe para entrar no STJ e ter acesso a um processo, a segurança redobrou o cuidado. Somente os advogados podem ter acesso a processos sob sigilo ou com decisão sem publicação. Quando aberto o prazo para recurso, só os advogados podem xerocar trechos do processo ou sair com ele do tribunal. Com a identificação de estagiário, ele não poderia fazer tudo isso. Por isso, usou o número da OAB de seu ex-chefe. Antes, as pessoas já cadastradas na portaria do tribunal precisavam apenas fornecer o número da OAB ou RG. Depois do episódio do estagiário, houve a implementação da exigência do documento na entrada mesmo para os cadastrados.

“Existem inúmeras formas de ludibriar a segurança. Já houve quem chegou à porta da presidência do tribunal identificando-se como senador e na verdade não era”, conta Nelson Luiz Elias, coordenador da segurança em exercício no STJ.

Casos e casos

A nova exigência vem causando polêmica e insatisfação principalmente por parte dos advogados como relataram alguns recepcionistas do tribunal à revista Consultor Jurídico. Segundo uma recepcionista do STJ, “os advogados são os piores, os mais mal educados”. Eles torcem o nariz quando o pessoal da portaria pede algum documento e, na maioria das vezes, iniciam discussões intermináveis.

A recepcionista conta que um advogado chegou à portaria em traje esporte dizendo o número da OAB e ficou surpreso quando ela lhe pediu a carteira da OAB. “Aparência não é tudo minha filha”, afirmou o advogado à recepcionista. “Ele achou que eu estava duvidando que ele era advogado e ficou irritado”, narra. Seu colega de portaria também já sofreu algumas agressões. “Você tem que aprender a trabalhar”, disse um advogado depois que o vigilante pediu documento. “Eu sou advogado. Você está achando que eu não sou advogado?”, questionou ao vigilante. Os recepcionistas preferiram não se identificar para não sofrer possíveis retaliações.

O próprio coordenador da segurança em exercício no STJ já foi vítima e chegou a processar seu agressor. Elias entrou com a ação em 2005, no Juizado Especial, e recebeu em 2007 uma indenização de R$ 2 mil pela agressão que sofreu.

Elias foi ofendido por uma advogada pública que se irritou depois de ser impedida de entrar em um dos prédios do tribunal. Ela não se identificou na portaria e estava sem crachá de acesso. Quando aconselhada por um segurança a buscar um crachá, ela mostrou o bóton na lapela do paletó e insistiu para entrar afirmando ser procuradora. O caso foi parar na Justiça. O coordenador da segurança em exercício no STJ afirma que a ação valeu a pena pelo caráter educativo. “Ela (advogada que o agrediu) tem que saber que estamos aqui para ajudar e não para atrapalhar”, afirma.

O STJ conta com 182 recepcionistas e vigilantes terceirizados que custam ao tribunal cerca de R$ 5 milhões ao ano. Segundo Antonio Nascimento, secretário de segurança e com 20 anos de Polícia Federal nas costas, estes funcionários têm treinamento de paciência para atender bem a todos que chegam ao STJ.

Eles são orientados a não esticar discussão e passar questões fora de sua atribuição para um superior. “A recepcionista tem de identificar a pessoa, fornecer o cartão de acesso e, eventualmente, alguma informação sobre localizações dentro do tribunal. Passou daí, não tem obrigação de saber e não pode ser desrespeitada por isso”, explica.

Casos como do estagiário que utilizou a identificação de uma outra pessoa para acessar o tribunal e do homem que se fez passar por senador para não ser barrado no caminho até o gabinete da presidência do STJ é que preocupam a segurança, que precisa proteger os processos, ministros e visitantes dentro do local. Neste ano, a previsão é de que o STJ gaste pelo menos R$ 2 milhões para modernizar o sistema de acesso, além de implementar raio-x e detectores de metais em pontos estratégicos do tribunal.

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