Sem escapatória

Tributo e morte são indesejáveis realidades do cidadão

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

1 de fevereiro de 2008, 11h54

(Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 31 de janeiro)

O recente pacote tributário — cuja constitucionalidade já se encontra em discussão perante o Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por partido político — merece algumas considerações à luz da realidade tributária brasileira, das distorções do sistema, da viabilidade de uma autêntica reforma, sem prévia redução da esclerosada administração, e da falta de controle das despesas públicas de custeio.

Em relação às medidas do início do ano, há pouco o que dizer, a não ser que terminaram por desmoralizar o presidente da República e sua equipe: esta, por ter se comprometido com a oposição a não aumentar tributos contra a aprovação da DRU, e aquele, por ter declarado que não o faria. O aumento de IOF é formalmente constitucional (pode o Executivo por decreto e sem respeito a princípio da anterioridade elevar os tributos, conforme artigo 153, parágrafo 1º da CF), mas materialmente inconstitucional, pois foi esquecida a função regulatória do tributo, transformado em arrecadatório.

Quanto a CSLL, no RE 146.733-9-SP, em que proferi a sustentação oral perante o pleno do Pretório Excelso (29/6/92), aquela corte pronunciou-se no sentido de que, nada obstante cuidar a Constituição de um prazo de 90 dias para viger e ter eficácia a norma tributária que introduza ou aumente alíquota de contribuições sociais, quando incidente não sobre operações de circulação de bens e serviços, mas sobre a lucratividade das pessoas jurídicas, deve respeitar o princípio da anterioridade. É do próprio relator, ministro Moreira Alves, a seguinte fundamentação de seu voto. “De qualquer sorte — a mim me parece correta a segunda dessas posições doutrinárias—, para ambas as correntes o resultado é o mesmo: a lei que institui ou aumenta tributos, para observar o princípio da anterioridade, só tem incidência no exercício seguinte ao em que foi publicada”.

À luz desse entendimento que prevaleceu no referido caso, entendo que a cobrança só poderia ser realizada em 2009, nada obstante as antecipações trimestrais, visto que o cálculo final do tributo apenas dar-se-á quando do encerramento do exercício, até por força da perda de um período trimestral (artigo 195 § 6º da CF).

Caberá ao Supremo deslindar ambas as questões, visto que sua composição, hoje, é totalmente diferente daquela de 1992. Independente desse aspecto, a principal delas, que seria a reforma tributária, parece-me inviável enquanto o governo federal não mudar sua postura de elevação constante das adiposidades da máquina administrativa.

À evidência, uma redução da carga burocrática exigiria coragem e liderança para enfrentar os feudos enquistados na administração pública, os acordos políticos que alargam os cargos e ministérios, assim como um combate sem tréguas à corrupção, peculato e outras máculas administrativas, que, diariamente, vêem à tona, por força do trabalho investigatório da mídia.

Infelizmente, o que se tem visto é, na gestão do presidente Lula, um crescimento fantástico da máquina, não só pela multiplicação de funções e cargos, como — e principalmente — pela contratação de servidores não concursados, como forma de apaziguar aliados, partidários e sindicalistas que o apoiaram, com o que o poder público mais parece uma casa beneficente para os amigos do rei, do que uma estrutura voltada exclusivamente ao bem da sociedade.

Nitidamente, os nossos tributos são destinados ao atendimento desta realidade, servindo para sustentar a complexa e obscura plêiade de seus acólitos.

Muito do que todo o brasileiro paga, vai, pois, para financiar a corrupção, o peculato e todas estas formas de desperdícios. Pouco, como efeito colateral, vai para financiar os serviços públicos no Brasil que, em face dos gastos desnecessários, não são diferentes dos dispêndios dos demais países emergentes, cuja carga, todavia, é, em média, a metade da brasileira.

Se o presidente Lula administrasse o Brasil como uma empresa, já teria diagnosticado todos os pontos de estrangulamento da administração e procurado eliminá-los ou reduzi-los, com o que a economia fluiria melhor, sem tantas amarras e menor seria a carga tributária.

O certo é que, enquanto não pretender o governo lancetar sua administração, não haverá reforma tributária pois, detendo o governo, aproximadamente, 60% do bolo tributário, não correrá o risco de vir a perder a atual participação na partilha de tributos, para estados e municípios. Este receio inviabilizou a reforma tributária nos governos Collor, Itamar, FHC e no primeiro mandato de Lula.

Por outro lado, estados e municípios querem aumentar sua receita, com o que, se houver uma reforma tributária, será para elevar o nível da imposição e não para reduzi-lo.

É de se lembrar que a adoção da “técnica não-cumulativa” para o PIS e a Cofins representou um aumento de 50% na arrecadação dos tributos, não por decorrência de técnica mais moderna, mas da “calibragem de conforto”, representada pela majoração da alíquota, com o que os governos aproveitam as reformas para sempre fazer crescer a arrecadação.

Compreende-se, pois, que o tributo continua sendo uma norma de rejeição social, como há 26 anos defendi, em minha tese de doutoramento, pois enquanto os governos visualizarem o poder apenas como uma forma de usufruir benesses, e não de autêntico “encargo”, não vejo como encarar a matéria tributária de outra maneira. Infelizmente, o tributo e a morte são as mais indesejáveis realidades a que o brasileiro está sujeito.

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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