Multas indevidas

Não há previsão para a exigência do Ato Declaratório Ambiental

Autor

  • Ricardo Antônio Tonin Fronczak

    é advogado e sócio titular do escritório Stasiak & Fronczak Sociedade de Advogados formado pela Universidade Federal do Paraná pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG) atualmente cursando MBA (LLM) em Direito Empresarial pelo IBMEC.

29 de dezembro de 2008, 23h00

O Ibama e a Receita Federal, nos últimos anos, vem exigindo a entrega do Ato Declaratório Ambiental (ADA), informando que a base legal para tal exigência seriam os seguintes diplomas:

— Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996, dispõe sobre ITR, TDA e dá outras providências; art. 10 alterado pela Medida Provisória 2166-67, de 24/08/01;

— Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente; alterada pela Lei 10.165 de 27 de dezembro de 2000;

— Lei 9.960, de 28 de janeiro de 2000, que institui tabela de preços dos serviços do Ibama;

— Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código Florestal; Medida Provisória 2.166-67, de 24/08/01,que altera os artigos 1º, 4º, 14, 16 e 44 do Código Florestal.

— Lei 6.513, de 20 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a criação de áreas especiais e de locais de interesse turístico;

— Lei 6.901, de 27 de abril de 1981, que dispõe sobre a criação de Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras providências;

— Decreto 89.336, de 31 de janeiro de 1984, que dispõe sobre Reservas Ecológicas e Áreas de Relevante Interesse Ecológico e dá outras providências.

— Decreto 1.922, de 05 de junho de 1996, que dispõe sobre reconhecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural e dá outras providências;

—Instrução Normativa – Ibama 76 de 31 de outubro de 2005;

— A Secretaria da Receita Federal – SRF, edita Instrução Normativa, anualmente, disciplinando a entrega do DIAT.

No entanto, temos que tal documento (Ato Declaratório Ambiental) não é exigível, por força da MP 2.166-67 de 24.08.2001. O parágrafo 7º, do artigo 10, da Lei 9.393/96, com a redação dada pela MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, prevê:

Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.

§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:

I — VTN, o valor do imóvel, excluídos os valores relativos a:

a) construções, instalações e benfeitorias;

b) culturas permanentes e temporárias;

c) pastagens cultivadas e melhoradas;

d) florestas plantadas;

II — área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:

a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989;

b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;

c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;

d) as áreas sob regime de servidão florestal.

(…)

§ 7º A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas “a” e “d” do inciso II, § 1, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis.”

Segue-se, então, que, com a nova disciplina, constante de parágrafo 7° do artigo 10, da Lei 9.393/96, não mais se faz necessário a apresentação pelo contribuinte de ato declaratório do Ibama, como requerido pela Receita Federal e pelo Ibama.

Uma simples leitura do parágrafo 7º do artigo 10 de tal lei, com a redação dada pela MP 2.166-67 (24.08.2001) que dispôs sobre a exclusão do ITR incidente sobre as áreas de preservação permanente e de reserva legal, nos leva a tal conclusão, sem maiores indagações:

“omissis

§ 7º A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas “a” e “d” do inciso II, § 1, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis.”

Ou seja: o parágrafo 7º, do artigo 10 da Lei 9393/1996 prevê a dispensa de prévia apresentação pelo contribuinte do ato declaratório expedido pelo Ibama, nos termos das instruções normativas expedidas por aquele órgão.

E mesmo em situações pretéritas à edição da MP 2.166-67 de 24.08.2001 teríamos a inexigibilidade de entrega do Ato Declaratório Ambiental pelo contribuinte, pois trata-se de legislação tributária, e pode ser aplicada de forma retroativa, nos termos da lei.


É que o artigo 10, parágrafo 7°, da Lei 9.393/96, não afeta a substância da relação jurídico-tributária, criando hipótese de não incidência, ou de isenção. Giza, na verdade, critério de in relação, dispondo sobre a maneira pela qual a exclusão da base de cálculo, preconizada pelo artigo 10, parágrafo 1°, I, do diploma legal, acima mencionado, é demonstrada no procedimento de lançamento.

O caráter interpretativo do artigo 10, parágrafo 7°, da Lei 9.393/96, instituído pela MP 1.956-50/00, possui o condão da retroatividade, nos termos do artigo 106, I, do CTN:

“Art. I 06. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I — em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; “

Nesse sentido, a lição de Paulo de Barros Carvalho:

“Mas ocasiões há em que se concede ao legislador a possibilidade de atribuir às leis sentido retroativo. E o Código Tributário Nacional discorre sobre o assunto, ao cristalizar, no artigo 106 e seus incisos, as hipóteses em que a lei se aplica a ato ou fato pretérito.

O inciso I alude às chamadas leis interpretativas que, em qualquer caso, assumindo expressamente esse caráter, podem ser aplicadas a atos ou fatos pretéritos, mas excluindo-se a aplicação de penalidades à infração dos dispositivos interpretados. As leis interpretativas exibem um traço bem peculiar, na medida em que não visam à criação de novas regras de conduta para a sociedade, circunscrevendo seus objetivos ao esclarecimento de dúvidas levantadas pelos termos da linguagem da lei interpretada. Encaradas sob esse ângulo, despem-se da natureza inovadora que acompanha a atividade legislativa, retrotraindo ao início da vigência da lei interpretada, explicando com fórmulas elucidativas sua mensagem antes obscura. ” (Curso de Direito Tributário. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 71).

Sendo assim, não poderia a Administração Tributária exigir, para a exclusão do ITR das áreas declaradas como de preservação permanente e reserva legal, ato declaratório do Ibama, vez que tal comprovação é de ser feita mediante declaração do contribuinte.

Caso não aceite o que declara o contribuinte, cabe à autoridade fiscal comprovar a falta de veracidade do declarado.

Ainda sobre o tema da retroatividade manifestou-se Hugo de Brito Machado, in Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 20ª edição, verbis:

“6. Aplicação retroativa

A rigor não se devia falar de aplicação retroativa, pois na verdade a lei não retroage. Nada retroage, posto que o tempo é irreversível.

Quando se diz que a lei retroage, o que se quer dizer é que a lei pode ser utilizada na qualificação jurídica de fatos ocorridos antes do início de sua vigência. Em princípio, o fato regula-se juridicamente pela lei em vigor na época de sua ocorrência. Esta é a regra geral do denominado direito intertemporal. A lei incide sobre o fato que, concretizando sua hipótese de incidência, acontece durante o tempo em que é vigente. Surgindo uma lei nova para regular fatos do mesmo tipo, ainda assim, aqueles fatos acontecidos durante a vigência da lei anterior foram por ela qualificados juridicamente e a eles, portanto, aplica-se a lei antiga.

Excepcionalmente, porém, uma lei pode elidir os efeitos da incidência de lei anterior. É desta situação excepcional que trata o artigo 106 do Código Tributário Nacional.

Examinemos o seu significado.

A lei tributária aplica-se a ato ou fato passado quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidades pela infração dos dispositivos interpretados (art. 106, inc. I).

Lei interpretativa é aquela que não inova, limitando-se a esclarecer dúvida surgida com o dispositivo anterior. Se dúvida havia, e tanto havia que o próprio legislador resolveu fazer outra lei para espancar as obscuridades ou ambigüidades existentes no texto anterior, não é justo que se venha punir quem se comportou de uma ou de outra forma dentre aquelas que se podiam admitir como corretas, em face do texto antigo. Daí a exclusão de penalidades.

Tal exclusão — é importante insistir neste ponto de grande relevância — não é absoluta, como poderia parecer da leitura do artigo 106 do Código. Ela diz respeito à má interpretação da lei, não à sua total inobservância. Admitindo-se, por exemplo, que em face de algum dispositivo da legislação do IPI se tenha dúvida sobre a necessidade de emitir o documento “a” ou o documento “b”, e que dispositivo novo, interpretativo, diga que no caso deve ser emitido o documento “b”, não se aplica qualquer penalidade a quem tenha emitido o documento “a”. Mas quem não emitiu documento nenhum, nem “a” nem “b”, está sujeito à penalidade, não se lhe aplicando a exclusão de que trata o artigo 106 do Código.


Aplica-se, também, a lei tributária, afastando os efeitos da incidência de leis anteriores à sua vigência, ao ato não definitivamente julgado (a) quando deixe de defini-lo como infração; (b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado falta de pagamento de tributo; (c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática. Isto é o que está expresso no artigo 106, inciso 11, letras “a”, “b” e “c”, do CTN.

Não conseguimos ver qualquer diferença entre as hipóteses da letra “a” e da letra “b”. Na verdade, tanto faz deixar de definir um ato como infração, como deixar de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão.

A aplicação “retroativa” da lei tributária atende aos mesmos princípios prevalentes no Direito Penal. Não diz respeito ao pagamento do tributo, que não deixa de ser exigível em face de lei nova, a não ser nos casos de remissão, nos termos do artigo 172 do Código.

Não se há de confundir aplicação “retroativa” nos termos do artigo 106, 11, com anistia, regulada nos artigos 180 a 182 do Código. Embora em ambas as hipóteses ocorra aplicação de lei nova que elide efeitos da incidência de lei anterior, na anistia não se opera alteração ou revogação da lei antiga. Não ocorre mudança na qualificação jurídica do ilícito. O que era infração continua como tal. Apenas fica extinta a punibilidade relativamente a certos fatos. A anistia, portanto, não é questão pertinente ao direito intertemporal, que se coloque para o intérprete. A lei de anistia certamente alcança fatos do passado. Aliás, só alcança fatos do passado. Assim, é retroativa por natureza, mas a questão de direito intertemporal, em leis desse tipo, está resolvida pelo legislador.

Importante é observar que não existe garantia constitucional de irretroatividade das leis para o Estado. Essa garantia, como acontece com as garantias constitucionais em geral, existe apenas para a proteção do particular contra o Estado. Se existisse garantia de irretroatividade para proteger o Estado certamente as leis de anistia não poderiam existir.

A propósito de irretroatividade das leis que instituem ou aumentam tributos, é notável a lição dos clássicos, embora elaborada a propósito das relações de Direito privado. Mesmo aqueles que admitiam a retroatividade das chamadas leis de ordem pública, tese hoje superada, advertiam não ser válida lei retroativa que alterasse relação jurídica na qual fosse parte o Estado. Em outras palavras, o Estado não pode valer-se de seu poder de legislar para alterar, em seu beneficio, relações jurídicas já existentes.

Como é hoje pacífico ser a relação de tributação uma relação estritamente jurídica, de natureza obrigacional, tem-se de concluir que também nessa relação, na qual o Estado sempre é parte, não se pode admitir leis retroativas.

omissis” (págs. 89/91)

Conclusão: não há previsão legal para a exigência do Ato Declaratório Ambiental, sendo indevidas as multas lançadas pela Receita Federal pela sua inexistência.

Cabe apenas ao órgão fiscalizador a verificação da veracidade da declaração do contribuinte e, se inverídicas, aí sim efetuar o lançamento fiscal devido.

Ainda cabe lembrar que o lançamento de tal dívida sem o devido processo legal, a lembrar, o administrativo, com a produção de provas pela autoridade a respeito da não veracidade da informação prestada pelo contribuinte, cabendo ainda o processo judicial para desconstituir o auto de infração e o lançamento em dívida, bem como todas as provas.

Autores

  • é advogado e sócio titular do escritório Stasiak & Fronczak Sociedade de Advogados, formado pela Universidade Federal do Paraná, pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG), atualmente cursando MBA (LLM) em Direito Empresarial pelo IBMEC.

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