Retrospectiva 2008

Direito Eleitoral não evoluiu tanto quanto deveria

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30 de dezembro de 2008, 9h45

Este texto sobre Direito Eleitoral faz parte da Retrospectiva 2008, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

O Direito Eleitoral em 2008 foi marcado pela discussão de grandes temas: julgamento de casos envolvendo fidelidade partidária, possibilidade de candidatos com “ficha suja”, formas de contenção de abusos de poder econômico e de tentativas de cerceamento de propaganda eleitoral e intimidação de eleitores em algumas localidades, propaganda eleitoral na internet, início de julgamento de recursos sobre pedidos de cassação de registro de candidaturas de governadores eleitos em 2006, prefeitos que se candidatam em municípios vizinhos e projetos de mudança nas regras eleitorais.

Apesar da importância dos assuntos, os avanços foram bem modestos, indicando que o direito eleitoral não evoluiu tanto quanto deveria no ano que se finda. Passa-se a uma breve análise dos principais temas de direito eleitoral em 2008.

Fidelidade partidária

Foram julgados diversos processos de parlamentares que mudaram de partido, começando a ser formada jurisprudência sobre a interpretação do conceito de justa causa para troca de agremiação, em especial a questão da grave discriminação política, prevista na Resolução do TSE como excludente da perda do mandato.

Em relação aos parlamentares federais, são diversas as situações. Em alguns casos, o TSE reconheceu a grave discriminação política e manteve o mandato, como no julgamento da deputada Jusmari Oliveira (BA), o primeiro julgado de parlamentar que mudou de partido após decisão do TSE sobre fidelidade partidária. Com base no critério da grave discriminação, alguns parlamentares ingressaram com ações para ter o reconhecimento da Justiça Eleitoral da legalidade da mudança de sigla, ao invés de aguardar o antigo partido solicitar a perda de mandato.

Mas há casos em que o TSE reconheceu a ilegalidade da mudança partidária, como no caso do deputado Walter Brito Neto (PB). Este caso concreto acabou por gerar desavença entre o Judiciário e o Legislativo, tendo em vista que o presidente da Câmara dos Deputados se recusou a cumprir a decisão do TSE, que decretou a perda do mandato, e dar posse a outro parlamentar, exigindo decisão do STF, que determinou o afastamento imediato do parlamentar. Com isto, após significativo retardo, o parlamentar foi afastado e dada posse ao suplente. O caso chama a atenção para a questão da eficácia das decisões da Justiça Eleitoral, com a recusa de seu cumprimento.

Por fim, há algumas causas pendentes de julgamento, dentre as quais a que mais chama atenção é a do deputado Clodovil Hernandez (SP), pela particularidade do parlamentar ter tido número de votos superior ao quociente eleitoral, indicando que não foi eleito com os votos do partido e sim com os votos próprios. Com isto, caberá ao Judiciário esclarecer se o mandato é do partido mesmo se o mandatário tiver obtido a vaga no Legislativo em razão de seus votos próprios e não dos votos do partido.

Em relação aos vereadores, apenas uma pequena parcela dos casos foi julgada pelos TRE´s. Pelos mais variados motivos, desde demora processual em razão da parte probatória, do elevado número de casos, causando um congestionamento em alguns TRE’s, até outras prioridades (como as questões eleitorais de 2008) e o entendimento de alguns (como o TRE-BA) pela não aplicação da Resolução do TSE sobre fidelidade partidária. Como o mandato dos parlamentares encontra-se no final, os processos pendentes devem ser julgados extintos por perda de objeto, tornando inócuo grande parte do esforço jurisdicional dispendido. Assim, tem-se um dos dilemas do Direito: nem sempre as normas jurídicas conseguem sua efetividade, na prática.


Candidatos com “ficha suja”

A discussão sobre a possibilidade de registro de candidatos com pendências judiciais esteve presente em todas as instâncias judiciais, com decisões desde o primeiro grau até do STF.

Em suma, duas as posições: uma corrente defendendo a necessidade de trânsito em julgado de condenações para impedir candidaturas e outra propondo um abrandamento, entendendo ser possível a rejeição de candidato condenado ou com elevado número de processos, mesmo sem decisão transitada em julgada.

No TSE, prevaleceu o entendimento pela necessidade de trânsito em julgado de condenações como fator impeditivo de candidaturas, mesmo tendo em seu presidente, ministro Carlos Britto, como forte entusiasta da posição contrária. A posição do TSE foi mantida pelo STF, em julgamento de ação (ADPF 144) proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Entendeu o STF que as hipóteses de inelegibilidade devem estar previstas em lei complementar. Assim, qualquer mudança deve ser feita por via legislativa.

Porém, na prática, isto não consegue solucionar todos os problemas. Pouco adianta impedir um político com “ficha suja” de ser candidato e ele lançar e apoiar candidatura de parentes, inclusive elegendo-os, para perpetuar práticas condenáveis na administração.

Dos candidatos com registro negado, destaca-se o prefeito eleito de Londrina, Antonio Belinati, com decisão proferida em grau de recurso pelo TSE. Neste caso, a particularidade decorre de ter havido condenação do candidato pelo Tribunal de Contas estadual, mas o próprio órgão ter concedido efeito suspensivo a recurso que não o tem, por determinação legal. Além disto, falta decidir sobre os efeitos, se deve ser realizada nova eleição em primeiro turno ou em segundo turno, esta última com os outros dois candidatos mais votados.

Propaganda eleitoral na internet

O ano de 2008 mostrou a força da propaganda eleitoral na internet. Não no Brasil, mas nos Estados Unidos. O então candidato Barack Obama fez largo uso da internet não só para propaganda eleitoral como para arrecadação de recursos, sendo a isto creditado parte de seu sucesso na disputa.

As grandes vantagens da internet são o baixo custo, facilidade e rapidez na divulgação de informações, permitindo maior igualdade entre os candidatos. Mas isto também traz riscos. O problema não é o uso, mas o abuso, ainda mais considerando que a velocidade da transmissão e disseminação das informações na internet, inclusive as vedadas por lei, pode influir negativamente no resultado das eleições. E isto é de difícil controle, justificando uma maior restrição.

No Brasil, o TSE, na regulamentação do pleito de 2008, somente permitiu propaganda eleitoral na internet em site de candidato ou de partido. Mas o tema tende a voltar ao centro das discussões, por ocasião das eleições de 2010.

Respeito à ordem pública e à vontade do eleitor

No ano de 2008, houve número recorde de autorizações do TSE para envio de tropas federais para municípios, para garantia da ordem e da normalidade das eleições.

Contudo, outro problema acabou exposto. Em algumas comunidades (como em alguns bairros do município do Rio de Janeiro), dominadas por traficantes e milícias, houve tentativas de impedir propagandas de candidatos e de intimidação de eleitores para votar em determinados postulantes, apoiados pelos mafiosos. Em parte, a reação da Justiça foi rápida, tendo até prisões (inclusive de candidata, que acabou eleita vereadora).


O repúdio a tais condutas deve ser rigoroso para impedir a infiltração de criminosos nas instituições públicas, como já é comum em alguns países.

Cassação de governadores

Apesar das eleições estaduais terem ocorrido em 2006, somente no final de 2008, quase na metade do mandato, foram julgados os primeiros processos relativos aos pedidos de cassação dos eleitos. Não sem problemas.

O caso mais emblemático é o do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima. Por evidente abuso de poder político e econômico, foi cassado seu mandato. Porém, a decisão corre o risco de não se tornar efetiva, tendo em vista o adiamento do julgamento dos embargos de declaração para o próximo ano, quando já terá decorrido mais de metade do mandato, inviabilizando a posse do segundo colocado. Porém, antes já houve problemas no julgamento. Para evitar mais procrastinações, o TSE determinou a eficácia imediata da decisão após a publicação. Porém, na semana seguinte, o próprio TSE reviu a decisão, suspendendo a eficácia até o julgamento dos embargos de declaração. Novamente tem-se a questão da eficácia das decisões da Justiça Eleitoral.

Ainda no ano de 2008, foi adiado o julgamento do caso do governador do Maranhão, Jackson Lago, mesmo com voto do relator pela cassação.

Com isto, passados mais de dois anos, ainda não se tornou efetiva nenhuma cassação de governador. Além do julgamento tardio (quase na metade do mandato) de um caso, restam diversos outros pendentes, o que pode incentivar novas condutas ilegais, pois se os candidatos infratores não são punidos rapidamente, outros tenderão a adotar práticas ilícitas, com a certeza do cumprimento de grande parte — ou até da totalidade — do mandato.

Assim, espera-se para o ano vindouro, que não tardam os demais julgamentos, sob pena de ineficácia das normas de Direito Eleitoral, que podem incentivar novos abusos.

Prefeitos que se candidatam em municípios vizinhos

Como um município acaba exercendo influência nos demais e alguns políticos tornam-se líderes regionais, tem sido cada mais comum a candidatura de prefeitos, após dois mandatos, ao mesmo cargo, em município vizinho, para depois ser candidato ao mesmo posto no município de origem, fazendo da atividade de prefeito sua ocupação principal.

Para evitar tal situação, o TSE tem considerado tal prática ilegal, já que a Constituição proíbe uma só reeleição para o mesmo cargo. Com isto impediu a diplomação do prefeito eleito de Porto de Pedras (AL) e a candidatura de Petrúcio Barbosa (PTB) em Palmeira dos Índios (AL), este último não eleito.

Projetos de mudanças nas regras eleitorais

Como a reforma política está adormecida, tramitam algumas propostas de alterações pontuais. Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, foi aprovada Proposta de Emenda à Constituição que prevê o fim do instituto da reeleição e a ampliação dos mandatos para cinco anos. A PEC deverá ser examinada ainda em Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados e depois seguir para tramitação no Senado.

Outra questão polêmica foi a Proposta de Emenda à Constituição 20/08, que amplia o número de vereadores, criando mais 7.343 cargos, modificando decisão anterior do TSE. O Senado alterou o texto aprovado na Câmara dos Deputados, suprimindo artigo que previa redução de gastos, e a Mesa da última recusou-se a promulgar a proposta, devendo a alteração ser submetida à votação pelos deputados. Com isto, fica a incerteza se eventual ampliação do número de vagas beneficiará ou não candidatos às eleições de 2008 ou se só será aplicada a partir do pleito de 2012.

Concluindo, verifica-se que a parte mais substancial do debate dos temas de 2008 acabou ficando para os anos seguintes. Resta torcer para que os assuntos sejam enfrentados e decididos da melhor forma possível.

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