Ação e omissão

Entrevista: Rodrigo De Grandis, procurador da República

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29 de dezembro de 2008, 11h56

O jornal Folha de S. Paulo, desta segunda-feira (29/12), publica entrevista com o procurador da República Rodrigo De Grandis, 32 anos, responsável pela investigação da operação batizada pela Polícia Federal como Satiagraha, que apura crimes financeiros e levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, o ex-prefeito Celso Pitta e o investidor Naji Nahas, entre outros. Na entrevista, o procurador diz que o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz errou ao não informá-lo sobre a participação de membros da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no caso.

“Esse erro, porém, não é, nem de longe, suficiente para anular qualquer prova obtida pela Polícia Federal durante a investigação. Todos os procedimentos tiveram autorização do Poder Judiciário”, afirma De Grandis. A entrevista é assinada pelos jornalistas Mario Cesar Carvalho e Lilian Christofoletti.

De Grandis, que ficou em segundo lugar no estado de São Paulo no concurso para o Ministério Público Federal, já atuou em outros casos de repercussão. Denunciou o ex-prefeito e deputado Paulo Maluf (PP) por envio ilegal de dólares para o exterior e apontou crime de lavagem de dinheiro na parceria MSI/Corinthians. Para ele, a ajuda da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Suíça na investigação contra Dantas promete revelar novas provas no caso. “Já bloqueamos US$ 45 milhões do Opportunity na Inglaterra.”

Leia a entrevista concedida à Folha de S.Paulo:

Como o senhor avalia os desdobramentos da Satiagraha, em que o delegado virou investigado e o juiz Fausto De Sanctis foi representado?

Rodrigo De Grandis — Minha avaliação é específica da investigação sobre crimes financeiros, lavagem de dinheiro e corrupção. O único motivo que posso atribuir a essa movimentação, que não diz respeito propriamente ao processo, é o fato de termos atingido um conjunto de pessoas relativamente populares, como o ex-prefeito Celso Pitta, o empresário Naji Nahas e o banqueiro Daniel Dantas. E, evidentemente, o interesse cresceu por conta de algumas manifestações sobre os procedimentos adotados na Satiagraha, em especial do presidente do Supremo Tribunal Federal [Gilmar Mendes].

Mendes disse que o juiz, a Procuradoria e a PF atuaram como milícia. O senhor concorda?

De Grandis — O que existe é um trabalho institucional, como a lei determina. O inquérito policial ou qualquer outra investigação policial é feita com uma única finalidade: dar provas para que o Ministério Público ofereça uma ação penal. Por isso é natural que o Ministério Público acompanhe o inquérito. Na Satiagraha não foi diferente. O Judiciário foi chamado só nos momentos em que a lei exige essa intervenção, como para autorizar a quebra de sigilo telefônico. Acho indevido falar em qualquer tipo de consórcio. Não houve isso, mas uma articulação que, na minha opinião, é profissional, principalmente diante de crimes complexos.

Quais os erros da investigação, a ponto de ter sido tão criticada pelo presidente do STF?

De Grandis — Não detectei erros. Acho que existiram algumas imperfeições. Por exemplo, achei indevida a superexposição da prisão do ex-prefeito Celso Pitta [filmada por uma equipe de TV]. Isso deve ser objeto de crítica. Agora, no que diz respeito à investigação, entendo que todos os instrumentos foram usados adequadamente. Eu me refiro especialmente às interceptações telefônicas e de meios eletrônicos e ao procedimento de ação controlada [com autorização judicial, a PF simulou negociação de suborno].

A participação de membros da Abin sem a anuência da chefia da PF compromete o caso?

De Grandis — Eu tenho a plena convicção de que a participação da Abin está fundamentada. Existe uma base jurídica sólida para sustentar isso. É bom que se diga que faz parte do dia-a-dia da Justiça Federal e dos processos que envolvem crimes econômicos a colaboração de outros órgãos que possuem uma característica técnica, que não pertencem à PF.

Qual a previsão legal?

De Grandis — Existe um conjunto de normas que regulamenta o sistema brasileiro de inteligência, disciplinando a atividade da Abin, e dá sustentação à troca de informações e à participação de membros da agência. Esse auxílio não é ilícito. Tive acesso a um parecer da professora Ada Grinover, em que ela diz que o simples acesso de não-integrantes da PF invalida a prova. Entendo que esse tipo de argumento não é válido. A operação foi presidida por uma autoridade policial, que era o delegado Protógenes Queiroz.

Ele havia informado o senhor sobre a colaboração da Abin?

De Grandis — Não.

Houve omissão do delegado ou do Ministério Público, que não descobriu essa participação?

De Grandis — Não considero que houve omissão do Ministério Público. Eu confio no trabalho da polícia. E me manifesto sobre aquilo que chega formalmente ao processo. Nos informes que recebi, nunca foi mencionada a participação da Abin. Eu acompanhava o procedimento de interceptação telefônica e de e-mail, ambos autorizados judicialmente. Segundo os relatórios, esses procedimentos eram realizados por pessoas da própria PF.

Houve uma omissão proposital?

De Grandis — Se o delegado omitiu do Ministério Público, omitiu também da Justiça. Acho que o único erro foi esse, foi o delegado não ter comunicado a participação da Abin. Bastaria um mero ofício ao Ministério Público e ao juiz. Teríamos evitado toda essa discussão.

Se tivesse sido informado, o senhor proibiria a participação da Abin?

De Grandis — Não, apenas pediria ao delegado para que explicasse o motivo de ter chamado agentes e informaria o juízo com um mero ofício. Isso teria evitado toda essa discussão, que entendo ser infundada. Eu não sabia desse fato, mas nem por isso acho que é um motivo invalidador de prova. Como membro do Ministério Público, tenho de analisar a regularidade das provas e, na minha perspectiva, todas foram validamente produzidas, inclusive as que tiveram o auxílio da Abin.

Existe o risco de as provas obtidas serem anuladas no STF?

De Grandis — É difícil fazer uma previsão. Acho que existem vários aspectos jurídicos a serem analisados pelos tribunais. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região [segunda instância] já fez uma análise superficial da participação da Abin e não apontou nenhuma ilegalidade.

Outros países que receberam aportes financeiros do Opportunity vieram ao Brasil para acompanhar a investigação. Já foram produzidas provas internacionais?

De Grandis — Daquilo que pode ser divulgado, posso dizer que há um bloqueio de US$ 45 milhões na Inglaterra e uma conversação com as autoridades dos EUA, da Suíça e da Inglaterra sobre o caso. Há um interesse muito grande dessas autoridades na eventual instauração de ações penais em seus territórios contra Dantas.

Esses processos existem?

De Grandis — Não posso dizer.

A investigação brasileira depende dessa ajuda internacional?

De Grandis — Não depende, mas pode ajudar a revelar um novo tentáculo dessa organização criminosa. Apuramos crimes financeiros cometidos no Brasil. A cooperação internacional pode revelar outros delitos praticados fora do território nacional. E essas eventuais provas podem vir a se somar sobre o que já temos, que é um conjunto razoável de provas.

Os brasileiros que enviaram dinheiro para o exterior pelo Opportunity serão ouvidos

De Grandis — São mais de 90 pessoas. Vamos identificá-las, saber se realmente existem, e é natural que sejam ouvidas.

Condenado a dez anos de prisão, Dantas recorrerá em liberdade. Esse fato serviu para a “Economist” dizer que a Justiça no Brasil não é efetiva. O senhor concorda?

De Grandis — Hoje, no Brasil, qualquer investigado ou réu que tenha um mínimo de condição financeira pode contratar bons advogados que usam todos os recursos legais para evitar a prisão. É necessária uma mudança da concepção jurisprudencial ou de lei para que a sentença de primeira instância tenha eficácia imediata. A jurisprudência do STF dá uma interpretação ampla ao princípio da presunção de inocência. Isso tem de ser reduzido. Hoje temos de esperar o trânsito de todos os recursos para que alguém cumpra a prisão, o que dá a impressão de impunidade.

Quanto tempo pode levar o julgamento final de Dantas?

De Grandis — É difícil falar em prazo. Eu havia dito cinco ou seis anos, mas hoje acredito que possa levar até dez anos.

O fato de o investigado ser rico influencia uma investigação?

De Grandis — Não sei se pelo fato de ser banqueiro, mas as características das pessoas envolvidas incentivaram muita gente a opinar sobre o caso.

Por que hoje há mais inquéritos contra os que investigaram Dantas do que contra o banqueiro?

De Grandi — Não sei. Também gostaria de saber.

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