Dono da culpa

Após 20 anos, vítimas do Bateau Mouche esperam indenização

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28 de dezembro de 2008, 8h45

Na quarta-feira (31/12), às 23h50, a tragédia com o barco Bateau Mouche, de repercussão mundial, completa 20 anos sem que ninguém tenha pagado por ela. Apenas um parente de um garçom recebeu o equivalente a R$ 20 mil — isso porque percorreu um caminho mais curto. O seu advogado entrou com a ação contra o restaurante Sol e Mar, dos donos do barco, e não contra o Bateau Mouche, como todos os outros.

A Folha de S. Paulo publica reportagem, assinada por Paulo Sampaio, contando que o processo criminal contra o grupo de espanhóis que empresariavam o Bateau Mouche prescreveu antes de a tragédia completar 10 anos, deixando os sete sócios do barco e os dois da agência de turismo Itatiaia (que vendeu os ingressos) livres. Todos foram absolvidos em primeira instância, pelo juiz Jasmin Simões Costa.

Quatro saíram do Brasil pela porta da frente, apresentando os passaportes em dia. Os dois menos ricos — que trabalhavam como gerentes no restaurante, mas tinham participação na sociedade — foram condenados em segunda instância. Cumpriram quatro meses da pena, em regime semi-aberto, e fugiram com um terceiro, condenado por sonegação fiscal, para a Europa.

“Não me pergunte como isso acontece, como criminosos saem do país assim. Eu fico apavorado com esses mecanismos”, diz o advogado de defesa de 26 parentes de vítimas, em 32 ações, João Tancredo. Entre seus clientes estão Bernardo e João Mário, filhos da atriz Yara Amaral, e o ex-ministro do Planejamento Anibal Teixeira, último a entrar com ação cível, há 10 dias, antes do fim do prazo para a reclamação, no próximo dia 31.

Ouvidos pela Folha, os advogados do grupo de espanhóis colocaram a culpa pelo acidente em dois mortos — o mestre arrais Camilo Faro Costa e o engenheiro Mario Triller — e na Capitania dos Portos, que vistoriou o Bateau Mouche no dia 29. “Naquelas condições, o barco não poderia ter saído. Havia uma série de irregularidades na reforma que eles fizeram”, diz o advogado George Tavares.

De acordo com o laudo publicado um mês depois, o material utilizado na reforma do barco e as duas caixas-d’água instaladas na parte superior pesaram demais e comprometeram a estabilidade do Bateau Mouche. Em dado momento, por causa da má vedação e de problemas na tubulação do esgoto, havia 1,5 metro de água no chão do banheiro. O documento diz ainda que não seria seguro ter mais de 62 pessoas a bordo -naquela noite, embarcaram 153.

Na ocasião, foi aberto inquérito policial militar e, posteriormente, já fora da esfera de apuração do então Ministério da Marinha, o caso Bateau Mouche passou à competência da Justiça Militar. Três militares foram condenados a penas que variaram de dois meses a um ano e seis meses de detenção. Nenhum deles foi submetido à Justiça comum.

Em reportagens da época, o então defensor público Roberto Vitagliano, designado para o caso pelo procurador-geral da defensoria Técio Lins e Silva, afirmava que, para serem indenizados, os parentes das vítimas deveriam apresentar os atestados de óbito, da ocorrência policial e da prova de ganhos mensais. A decisão final, segundo estimativa do defensor, sairia no período de um ano. Vinte anos depois, Vitagliano explica que “o caso era muito complexo”.

“Deixei de acompanhar há muito tempo, mas era um processo que envolvia a Marinha e a Justiça estadual. E existem muitos detalhes em um processo assim. Você vê o caso desse PM que matou a criança [no Rio]: a população fica indignada, mas o juiz pode entender que não era a intenção do policial matar. No Bateau Mouche, a mesma coisa, aqueles empresários provavelmente não tinham essa intenção. Eu não achava isso. Entendia que eles assumiram o risco pela avidez do lucro. Mas o que conta é a decisão do juiz.”

Técio Lins e Silva, que hoje é membro do Conselho Nacional de Justiça, órgão fiscalizador do Judiciário, reagiu nervoso, ao telefonema da Folha: “Não estive envolvido com isso, não era minha área. Era um caso de política e cidadania”.

O advogado João Tancredo diz que, se seus clientes tivessem processado apenas a União (pelo erro da Capitania dos Portos), provavelmente já teriam sido ressarcidos. “Por questão de decência e também tomados pela revolta, eles acreditaram que os responsáveis pelo acidente seriam punidos e entraram com ações criminais. Acontece que essas ações interferem no encaminhamento das cíveis, e vice-versa, tornando o processo ainda mais moroso”, diz Tancredo.

Ele conseguiu ver aprovadas sentenças indenizatórias, embora ninguém tenha ganhado um tostão. Tancredo diz que arrestou R$ 40 milhões em bens dos empresários do Bateau Mouche, mas é preciso concluir o processo para usá-los.

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