112 recursos

Recursos adiam punição para réus do caso TRT paulista

Autor

28 de dezembro de 2008, 8h34

Oito anos depois da prisão do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, completados neste mês, o processo criminal sobre o desvio de R$ 324,1 milhões da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo (valores atualizados) se arrasta entre recursos e manobras para dificultar a punição dos réus.

Segundo reportagem de Frederico Vasconcelos, publicada na Folha de S. Paulo deste domingo (28/12), no Ministério Público Federal, Nicolau é considerado bode expiatório: seus cúmplices, o ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto, dono do Grupo OK, e os empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz, da Construtora Incal, continuam soltos, apesar de a Justiça Federal em São Paulo já os haver condenado em sentenças que somam 122 anos de prisão (há ações sem sentença).

Nicolau cumpre prisão domiciliar, sem descuidar de sua saúde financeira: contratou advogados na Suíça para impedir a repatriação de US$ 4,5 milhões bloqueados naquele país. De acordo com a reportagem, Luiz Estevão está com os bens indisponíveis, mas recentemente negociou a venda de um terreno para a construção de um shopping, em Brasília, transação contestada pelo MPF. Frederico Vasconcelos conta que do dinheiro desviado, a União só recuperou US$ 850 mil com o leilão do apartamento de Nicolau em Miami, graças à Justiça dos EUA.

A reportagem mostra que o quarteto entupiu os tribunais com 112 recursos, tentativas de evitar a prisão e reduzir condenações, ou adiar os processos, aproveitando-se de brechas legais. Para os advogados, trata-se de direitos previstos e consagrados pela Constituição. Para a Procuradoria, trata-se de manobras protelatórias.

“Enquanto não se atacarem com seriedade, eficiência e honestidade de propósitos as leis que permitem a chicana e a possibilidade infinita de recursos, teremos advogados que abusam do direito de defesa e não teremos Justiça”, afirmou em 2005 a procuradora Regional da República Janice Ascari, que, ao lado das procuradoras Maria Luisa Duarte e Isabel Groba, tocou a primeira fase das investigações do TRT .

Condenação

Naquela ocasião, conforme a reportagem, os quatro réus batiam à porta dos tribunais superiores para evitar que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, julgasse o recurso da Procuradoria contra uma controvertida sentença do então juiz federal da 1ª Vara Criminal, Casem Mazloum. O juiz já dera demonstrações de que aquele era um caso especial: deslocou-se de sua Vara até a Polícia Federal para interrogar Nicolau.

Em 2002, Mazloum condenou Nicolau, a oito anos de prisão, e absolveu Luiz Estevão, Barros Filho e Ferraz (Mazloum foi afastado na Operação Anaconda, em 2003, e viria a perder, depois, o cargo de juiz).

Mazloum aceitou que Luiz Estevão remeteu US$ 1 milhão de sua conta em Miami para uma conta de Nicolau, na Suíça. Mas entendeu que o Ministério Público Federal não comprovara que esse dinheiro tinha algo a ver com a construção do fórum. Ou seja, não havendo corrupto, não havia corruptor.

Depois, Mazloum considerou os documentos sobre contas bancárias do ex-senador, fornecidos pela Justiça americana, provas ilícitas. O juiz havia admitido que eram lícitas, mas voltou atrás, sob o entendimento, agora, de que não teria havido ordem judicial para quebrar o sigilo de Luiz Estevão nos EUA. O Ministério da Justiça localizou ofício em que o próprio juiz determinara essa medida, documento que não havia sido incluído nos autos.

A Procuradoria contestou a sentença. O recurso ficou um ano no gabinete de Mazloum. Sem informar o Ministério Público Federal, o juiz remeteu o processo para o STJ decidir se Nicolau tinha direito a foro privilegiado. Cinco meses depois, o STJ decidiu que Nicolau não tinha o privilégio e mandou descer o processo para o TRF-3, em São Paulo. Não desceu.

Foro privilegiado

Nova leva de recursos no STF e no STJ tentou impedir que o TRF-3 reexaminasse a sentença de Mazloum. Em janeiro de 2005, no período de férias do Judiciário, o então presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, concedeu liminar a Luiz Estevão para que o STJ aguardasse até o Supremo definir se havia foro privilegiado para autoridades processadas por improbidade administrativa.

A decisão considerando inconstitucional o foro só foi tomada em setembro de 2005. O STJ determinou o envio imediato do processo para São Paulo. O TRF-3 reformou a sentença de Mazloum em maio de 2006, na véspera da prescrição dos crimes (quando o Estado perde o prazo para punir). A defesa de Nicolau ainda tentou alegar que o prazo havia sido esgotado um dia antes, porque 2004 foi um ano bissexto. Os quatro réus foram condenados a mais de 115 anos de prisão. A pena de Nicolau foi ampliada de oito para 26,5 anos de prisão.

Novos recursos foram oferecidos a TRF, STJ e STF, até que, em julho de 2007, o ministro Ari Pargendler, do STJ, concedeu liminar (nas férias do Judiciário) a José Eduardo. Ele alegara impedimento da desembargadora Suzana Camargo, relatora da condenação no TRF-3 e que havia rejeitado apelações dos quatro réus.

Novos recursos são oferecidos. Discutia-se agora quem seria o ministro competente para julgar o caso no STJ. No último dia 18, a ministra Jane Silva cassou a liminar de Pargendler e determinou que o processo, suspenso desde julho de 2007, tivesse prosseguimento, o que só acontecerá em 2009.

Outro lado

O advogado Jorge Leão, que defende José Eduardo Correa Teixeira Ferraz, nega haver expedientes protelatórios ou chicanas. “É um exercício legítimo da defesa em busca do reconhecimento de nulidade do processo.”

Segundo ele, “quem rejeitou os recursos interpostos pelos acusados condenados foi a mesma desembargadora federal que deu a sentença condenatória”. Leão informa que Ferraz cumpriu todos os atos processuais, responde a outras ações penais decorrentes do caso TRT e, no momento, não tem nenhuma prisão decretada.

O advogado Eugênio Malavasi, que defende Fábio Monteiro de Barros Filho, afirma que a defesa interpôs recurso com base na lei processual. “Se a lei admite e é um direito do réu, não se trata de recurso procrastinatório. Está respaldado no Código de Processo Penal e na Constituição Federal”, diz.

Os advogados de Nicolau dos Santos Neto não se manifestaram, diz o jornal. Em 2006, quando o juiz teve a pena ampliada, seu advogado à época, Ricardo Sayeg, disse que “o Ministério Público deveria apoiar o exercício do direito de defesa, que é uma garantia constitucional”. O jornal não conseguiu ouvir o ex-senador Luiz Estevão.

Em 2002, Casem Mazloum não quis comentar a sentença que seria reformada depois pelo TRF-3. “Não é hábito o juiz ficar comentando as razões de apelação da parte, uma vez que deu a sentença. Ficaria parecendo que há interesse pessoal. Não tenho interesse pessoal nenhum”, disse Mazloum.

[Notícia alterada às 16h20 deste domingo (29/12) para acréscimo de informações]

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!