Quebra da confiança

Crise incentiva funcionários a cometer fraudes

Autor

  • Lorenzo Parodi

    é perito judicial e assistente técnico em forense digital documentologia e fraudes com atuação em processos de grande repercussão sobretudo na esfera penal autor dos livros "Manual das Fraudes" e "Falsificação de Documentos em Processos Eletrônicos" pesquisador escritor (articulista) consultor professor e palestrante.

26 de dezembro de 2008, 9h08

Logo depois do colapso — ou quase colapso —, de alguns dos maiores conglomerados financeiros dos Estados Unidos e do mundo, começaram a aparecer notícias sobre investigações conduzidas por autoridades americanas para apurar suspeitas de fraudes cometidas por altos executivos, tanto de conglomerados quanto do mercado financeiro. Segundo muitos analistas, esse tipo de fraude estaria entre as causas da atual situação de crise no mercado financeiro americano e mundial. Pode-se pensar que é fácil, a esta altura, afirmar isso, mas era de se esperar!

O governo Bush, ao longo dos anos, criou um ambiente favorável as fraudes, desregulamentando, desmantelando os órgãos encarregados do controle e da fiscalização, ignorando alertas e dúvidas e confiando demais no faro e boas intenções das instituições financeiras e de seus executivos.

Um exemplo entre todos é o do FBI que, desde o atentado de 11 de setembro, viu seus recursos humanos e financeiros serem desviados sistematicamente das áreas de combate a crimes de “colarinho branco” para áreas de combate ao terrorismo e segurança nacional e, agora, não tem condição de conduzir de forma eficiente as muitas investigações necessárias para averiguar as fraudes relacionadas com a crise financeira.

Em nível macro, o governo Bush fez exatamente o que, em qualquer empresa, um consultor em controle de riscos desaconselharia a fazer. Relaxar as regras, reduzir os controles e confiar demasiadamente em poucos operadores, até mesmo em relação a questões fundamentais e críticas. Tudo isso cria um ambiente favorável às fraudes. E, num ambiente favorável às fraudes, cedo ou tarde, elas acabam acontecendo.

Existe, porém, um outro importante aspecto da crise internacional que até o momento não foi devidamente levado em consideração e estudado. A crise pode facilmente funcionar, pelo menos durante algum tempo, como um catalisador para o aumento dos registros de fraudes nas empresas. Isso em função de um conjunto de fatores que, por um lado contribuem a criar um ambiente favorável às fraudes, e por outro obriga as empresas, que já enfrentam números vermelhos em seus balanços, a controlar melhor seu caixa e dar maior atenção a qualquer possível situação de perda por fraudes, inclusive as mais antigas.

Uma das principais conseqüências da crise, que contribui a gerar um ambiente favorável as fraudes, é a desmotivação dos funcionários. O cenário de demissões em massa, incertezas, reestruturações, redimensionamentos, transferências e falências faz com que funcionários anteriormente motivados e comprometidos passem a se sentir inseguros, desamparados e a viver um sentimento de “cada um por si”. Com isso, aparecendo uma oportunidade de fraudar a empresa, não será difícil que a acatem interpretando este ato como algum tipo de seguro para seu futuro ou como um ressarcimento por anos de dedicação. Ou seja, é altamente provável que, em conseqüência da crise, haja um aumento real no numero de novas ocorrências de fraudes nas empresas.

Por outro lado as empresas vivem uma situação transitória na qual estão passando de um estado de euforia, em que não era fundamental estruturar eficientes sistemas de controle e prevenção de fraudes, pois os altos lucros compensavam qualquer possível perda, para uma situação crítica de balanço e lucratividade, em que qualquer perda assume uma importância relevante e a gestão dos negócios e do caixa deve ser mais atenta. Situações de risco ou potencial fraude, que antes, freqüentemente, não recebiam grande atenção, representam hoje, possívelmente o valor que faz a diferença entre ter ou menos algum lucro.

As empresas, porém, de forma geral não estão bem estruturadas e preparadas para prevenir as fraudes de maneira sistemática. Aliás, outro fator de incentivo para um ambiente favorável as novas fraudes. Portanto, até reverter esta situação, deverão se limitar e concentrar na detecção, investigação e repressão de casos pontuais, possivelmente de maior vulto e detectados graças a denúncias, melhor fiscalização ou situações especiais.

Um bom exemplo é a recente descoberta da mega fraude de 50 bilhões de dólares que o administrador de fundos americano Bernard Madoff andou praticando ao longo de muitos anos. Não por acaso foi desmascarada justamente agora, em função da situação de crise que fez as empresas correr atrás de liquidez e fiscalizar melhor seus negócios. Antes, durante anos, ninguém precisou fiscalizar este grande e exclusivo investidor.

Acredito que seja de se esperar, nos próximos tempos, a descoberta de mais casos de grandes fraudes, velhos e novos, em empresas de todos os tamanhos e setores.

Autores

  • é autor do livro Manual das Fraudes e do site Monitor das Fraudes; titular da cátedra de Detecção e Mensuração de Fraudes em Seguros da Academia Nacional de Seguros e Previdência, membro do IBGC, sócio e diretor da Deall riscos e inteligência.

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