Previsão contratual

STJ acerta ao permitir rescisão unilateral de plano coletivo

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24 de dezembro de 2008, 12h31

Em sede de extinção contratual dos planos coletivos de prestação de serviços médico-hospitalares[1], o Tribunal de Justiça de São Paulo, na maioria de suas Câmaras de Direito Privado, vem se posicionando quanto à impossibilidade de resilição unilateral por parte da operadora, ainda que mediante expressa previsão contratual assim permitindo, e, também, não sendo tal prática vedada pela Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

As decisões proferidas, vale ressaltar, não se sintonizam com o recente entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que claramente admite a possibilidade de resilição unilateral dos mencionados contratos, desde que preenchidos os seguintes requisitos: 1. expressa previsão contratual; 2. possibilidade de resilição para ambos os contratantes; 3. prévia notificação.

Antes de se adentrar nas questões jurídicas que levaram os ministros integrantes da 4ª Turma daquele tribunal a proferirem mencionada decisão, impõe tecer comentários sobre as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a matéria.

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 473, dispõe que a resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

A doutrina, em que pese a clara opção legislativa pelo termo “resilição”, acaba por denominar a ocorrência de tal instituto como sendo típico caso de resolução contratual, ou, ainda, de rescisão, sendo certo que, para os fins tratados no referido dispositivo legal, tais denominações são se mostram corretas.

O termo resolução, segundo a disposição da matéria pelo Código Civil, ficou destinada às hipóteses de extinção do contrato por voluntariedade ou involuntariedade de cumprimento das prestações por um dos contratantes, o que faculta ao outro a possibilidade de por fim ao ajuste firmado.

É o que ocorre, por exemplo, com a hipótese de inadimplemento trazida pelo artigo 475 do Código Civil, em que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Também se está diante de clara hipótese de resolução a situação trazida pelo artigo 478, do Código Civil, que trata da resolução por onerosidade excessiva.

Quanto ao termo rescisão, se é certo que ele ainda continua sendo empregado pelo mesmo códex, a exemplo do que ocorre com os artigos 455, 607, 609, 810 e 1.642, não menos certa é a impropriedade de sua utilização, posto que, em todas as hipóteses tratadas nos referidos dispositivos legais, ora está-se frente a clara ocorrência de resilição unilateral (artigo 607), ora de resolução por voluntariedade quanto ao não-cumprimento da obrigação acordada (artigo 810).

A justificativa para tal ocorrência, isto é, denominações diversas para o mesmo instituto, reside no fato de o Código Civil de 2002 ser fruto de diversos mentores, cada qual responsável por determinado livro, razão pela qual não houve uniformidade entre as expressões.

De todo modo, doutrinas consagradas no direito nacional ainda se utilizam do termo rescisão para a hipótese de encerrar a atividade contratual antes ajustada, a exemplo do admitido pelo professor Orlando Gomes e de vários outros.

Superada a questão terminológica, conclui-se que, em se tratando de contratos coletivos de planos de saúde, é possível a ocorrência da resilição, seja ela unilateral ou bilateral, oportunidade em que basta o simples desejo de não mais manter o negócio jurídico, como, também, de resolução, hipótese clara de inadimplemento por um dos contratantes, a exemplo do que ocorre com o inadimplemento quanto ao pagamento das mensalidades, ou de descredenciamento de redes de laboratórios ou hospitais.


O presente estudo quer voltar-se exclusivamente à hipótese de resilição unilateral, posto que a biliteral se opera pelo distrato, que não implica em maiores considerações.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar, os contratos coletivos de saúde não se submetem ao reajuste aplicado aos contratos individuais, razão pela qual, em livre negociação, os contratantes podem estipular o índice que melhor atende as suas expectativas, desde que respeitado o período mínimo de doze meses entre um e outro reajuste.

Ainda assim, diversas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo determinam que o aumento ocorra nos exatos índices dos planos individuais, como se não houvesse peculiaridades próprias dos planos coletivos.

Em decorrência da impossibilidade de aumento das mensalidades em outro índice que o eventualmente ajustado pelos contratantes, o contrato coletivo, muitas vezes, gerará à operadora um déficit contratual significativo, impondo a ela uma onerosidade excessiva, que, então, poderá pedir a resolução do contrato, nos moldes do artigo 478.

Ainda assim, não sendo o caso de pedir a resolução do contrato – por opção da própria operadora – poderá ela pleitear a resilição do contrato sem imputar a outra parte qualquer conduta culposa que obste à manutenção do contrato.

Nesse caso, também entende o Tribunal de Justiça de São Paulo, na maioria das Câmaras na qual a matéria é ventilada, que seria impossível a extinção do contrato por ato unilateral da operadora, pois, em tese, aplicável a hipótese do artigo 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/98, cogitando-se, ainda, de abusividade da cláusula que franqueia a ambos os contratantes a notificação prévia para extinção do contrato, ou, por fim, que seria necessário, mesmo na hipótese de cláusula resilitiva expressa, o ajuizamento de ação própria pleiteando o encerramento do vínculo contratual.

Todavia, nenhuma das razões convence juridicamente, sendo certo que a manutenção de um contrato na qual uma das partes se acha insatisfeita, por qual motivo for, destrói o princípio da livre iniciativa alçado à Constituição Federal pelo artigo 170, causa grave mal aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, pois que impede o desenvolvimento nacional, e, por fim, retira do Estado o dever de garantir à sua população assistência integral à saúde, nos termos do artigo 196, da Carta Magna.

Conforme advertem os magistrados Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado, “se é da essência do contrato o acordo de vontades, a partir do momento em que um dos contratantes não mais pode manter-se ligado ao outro, desaparece o consenso e ocorre a chamada crise do contrato, que exige o refazimento das condições ou o desfazimento da avença”.[2]

Por partes, voltemos às causas normalmente invocadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de suas Câmaras, para impedir a resilição unilateral dos contratos coletivos.

A primeira delas, seguindo a ordem já mencionada, é a que trata do artigo 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/98.

Dispõe o mencionado dispositivo que “os contratos de produtos de qye tratam o inciso I e o § 1º do artigo 1º desta lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: Inciso II — a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência”.


Uma das formas de se realizar a interpretação dos dispositivos de lei é denominada de literal, por meio da qual o intérprete, antes de se valer das demais fontes interpretativas de direito, deve procurar obter o real alcance de determinado dispositivo.

No presente caso,não há a menor dúvida de que a redação legal basta para se chegar à conclusão de que somente os contratos individuais de saúde é que não podem ser “rescindidos”, salvo por fraude ou não-pagamento das mensalidades por período superior a sessenta dias, desde que, ainda, não esteja o titular do referido plano em internação.

Os coletivos, é evidente, não se submetem às mencionadas hipóteses, e assim acontece por clara opção legislativa; ademais, várias são as particularidades dos contratos coletivos, e quem se submete a tal modalidade deve se atentar para as suas características, não havendo possibilidade de outro entendimento, pois que contra legem.

No entanto, conforme já mencionado, inúmeros precedentes do Tribunal Paulista não permitem que a resilição unilateral por parte da operadora ocorra, pois que seria abusiva mencionada estipulação.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, por intermédio dos ministros Massami Uyeda, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha, ao enfrentarem a questão afeta à aplicabilidade do artigo 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/98 aos contratos coletivos, destacaram que “o pacto sob exame refere-se exclusivamente a plano ou seguro de assistência à saúde de contratação coletiva, enquanto que o artigo 13, parágrafo único, II, "b", aponta a nulidade da denúncia unilateral nos planos ou seguros individuais ou familiares”.[3]

Portanto, fica clara a impropriedade das decisões que aplicam mencionado dispositivo aos contratos coletivos.

No tocante à abusividade da cláusula que franqueia a ambos os contratantes a notificação prévia para a extinção do contrato coletivo, embora com certa freqüência tal fundamento seja lançado para o fim de impedir a resilição unilateral pela operadora, é de fácil observação que tal não ocorre.

A abusividade necessariamente impõe a uma das partes vantagem exagerada, não compreendida no risco normal do contrato.

Pela expressa disposição do artigo 51, inciso XI, da Lei 8.078/90, “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor”.

O dispositivo mencionado, a bem da verdade, está em discordância com as regras gerais inerentes aos contratos, pois suprime os princípios da liberdade contratual (e da sua extinção, por conseqüência), além do que obriga as partes a um contrato eterno, perpétuo.

Resume-se a questão, ou pelo menos deveria, à cominação em perdas e danos àqueles que se sentirem prejudicados pela extinção de um contrato, por ato involuntário, podendo o interessado pleiteá-los com fundamento no artigo 186, do Código Civil[4].

Afora tal situação, tratando-se de cláusula resilitiva expressa, de utilização conferida a quaisquer dos contratantes, notável que inexiste abusividade.

Conforme decidido no julgamento do recurso especial a que se fez referência, “o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva e, portanto, nula de pleno direito, a cláusula contratual que autoriza o fornecedor a rescindir o contrato unilateralmente, se o mesmo direito não for concedido ao consumidor, o que, na espécie, incontroversamente, não se verificou”.


Por ser assim, seja porque a parte eventualmente prejudicada pelo fim do contrato poderá pleitear indenização a outra, ou, ainda, porque somente se cogitaria de eventual abusividade em caso de denúncia unilateral conferida a apenas um dos contratantes, é certo que referida disposição existente nos contratos não padece de qualquer vício ou abusividade.

Ora, a operadora que é impedida de resilir unilateralmente o contrato firmado, por cumprimento de medidas judiciais, pode vir a ser surpreendida dias após com notificação do contratante para por fim ao referido contrato, sem que ele necessite apresentar qualquer razão.

Conforme ponderou o ministro João Otávio de Noronha, no julgamento do recurso especial a que se fez referência, “se amanhã esse empregador encontra no mercado um plano de saúde que melhor lhe atenda, a preço mais razoável, o que o impede de denunciar o contrato em vigor? Porque ele não pode desvincular-se desse contrato? Ou vamos tratar desigualmente as empresas?”.

É indiscutível que a interferência do Poder Judiciário no trato empresarial é grave e pode desmoronar a livre iniciativa privada, como já ocorrera em outras oportunidades[5].

Vive-se uma época de crise, seja ela econômica ou mesmo de instabilidade de uma das mais antigas formas de circulação de riquezas, o contrato, pois se eles são firmados entre duas empresas — como ocorre nos contratos coletivos – cada qual sabe, e muito bem, as disposições nele contidas, ainda que se admita da incidência do Código de Defesa do Consumidor[6], que não garante regalias ao contratante, mas apenas paridade entre eles.

Finalmente, a alegação de que mesmo na hipótese de cláusula resilitiva expressa, o ajuizamento de ação própria pleiteando o encerramento do vínculo contratual é de rigor, em hipótese alguma convence.

Já se argumentou que a resilição do contrato, por vontade de um dos contratantes, submete-se ao disposto no artigo 473, do Código Civil, que tem a seguinte redação: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra”.

Não há, conforme já mencionamos, legislação proibindo a resilição unilateral dos contratos coletivos de saúde. Resta, assim, a questão afeta à denuncia notificada ao outro contratante, ou seja, se se faz necessário o ajuizamento de medida judicial própria, ou, então, se basta notificação à parte contrária.

Ora, o que o Código Civil, nessa hipótese, quer garantir, é justamente o prévio conhecimento de um dos contratantes quanto ao intento do outro, de por fim ao contrato, de modo que não seja pego de surpresa com a ausência de prestação dos serviços acordados.

Não há, certamente, necessidade de contraditório ou de ampla defesa, pois na resilição unilateral não se imputa culpa ao contratante restante, mas apenas a ausência de desejo em manter-se vinculado ao pacto firmado.

Diferentemente seria a hipótese de resolução do contrato por culpa de um dos contratantes, onde se deve conferir — até mesmo para não incorrer na aplicação de eventual cláusula penal, ou de reparar eventuais prejuízos — a possibilidade de se defender dos fatos contra sai alegados, como, hipoteticamente, prevê o artigo 476, do Código Civil que dispõe: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

Com tais colocações, fica nítida a propriedade jurídica da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, outrora citada, devendo-se permitir às operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde a resolução dos contratos coletivos firmados.


A prevalecer entendimento contrário, restará, certamente, comprometido o seguimento de prestação de serviço à saúde privado, com claro e manifesto desestímulo à atividade.

Para encerrar, e conforme já se mencionou, o sistema adotado pela Constituição Federal é o da livre iniciativa. A saúde, por sua vez, é dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Para bem relembrar o dever do Estado em promover a saúde integral, e não às operadoras privadas, segue aresto da lavra do ministro Aldir Passarinho Junior, proferido em 2 de março de 2000 (REsp 242.550/SP):

“Constitui dever do Estado proporcionar amplo e eficaz atendimento à população na área da saúde, nos termos e na forma estabelecida na legislação em vigor, custeada por intermédio de impostos e contribuições fiscais. De outra parte, a seguridade privada, proporcionada mediante participação voluntária em planos de saúde oferecidos pela rede particular, há que se conformar às regras do contrato, porquanto tais serviços são resultado de uma contraprestação financeira necessária ao equilíbrio econômico da avença, viabilizadora da própria higidez e continuidade da assistência em comento. Destarte, salvo as hipóteses expressamente vedadas em lei ou regulamentos baixados para o setor, à época da contratação inexistentes a respeito, válidas são as limitações impostas nos contratos…"


[1] “Entende-se como plano ou seguro de assistência à saúde, de contratação coletiva, por adesão, aquele que embora oferecido por pessoa jurídica para massa delimitada de beneficiários, tem adesão apenas espontânea e opcional de funcionários, associados ou sindicalizados, com ou sem a opção de inclusão do grupo familiar ou dependentes, conforme caracterizado no parágrafo único do artigo 2º” (Resolução CONSU 14).

[2] Lei dos Planos e Seguros de Saúde, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, p. 136.

[3] Recurso Especial 889.406/RJ.

[4] Outro exemplo que poderia ser citado é a hipótese constante do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, que dispõe: Se, porém, dada a natureza do contrato,uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

[5] Ministro João Otávio de Noronha: “Por isso, peço vênia ao ilustre Ministro Hélio Quaglia Barbosa para acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator, porque não acredito ser de boa técnica judicial nesse momento nos inserirmos nessa relação entre duas empresas, até por que aí não há relação de hipossuficiência” (REsp 889.406/RJ)

[6] Ministro Aldir Passarinho Junior: “Mas, em primeiro lugar, tenho dúvida sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, porque, no caso, muito embora os beneficiários sejam as pessoas que, se individualmente contratassem, seriam realmente beneficiadas pelo Código de Defesa do Consumidor, cuida-se de uma atividade intermediária, de suporte de meio, uma vantagem laboral prestada pela companhia seguradora a seus empregados. É uma contratação feita entre uma empresa de seguro-saúde e uma pessoa jurídica que, no caso, não é consumidora, dentro da orientação que temos na Quarta Turma, com precedente da Segunda Seção. Cito o Recurso Especial n. 660.026/RJ, Relator o Sr. Ministro Jorge Scartezzini, sobre a interrupção de telefonia por empresa provedora de internet. Cito o Recurso Especial n. 701.370/PR, também Relator o Sr. Ministro Jorge Scartezzini, sobre empréstimo bancário para capital de giro. Também o Recurso Especial n. 661.145/ES, em que se invoca também precedente da Segunda Seção e o Recurso Especial n. 541.867/BA, sobre cartão de crédito (REsp 889.406/RJ).

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