Retrospectiva 2008

Ano da advocacia brasileira foi marcado por conquistas

Autor

  • Cezar Britto

    é advogado do Cezar Britto & Advogados Associados ex-presidente e membro vitalício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

24 de dezembro de 2008, 10h26

Este texto sobre a Advocacia faz parte da Retrospectiva 2008, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

O ano de 2008 foi pleno de desafios e conquistas para a advocacia — e para a democracia no Brasil. Nele, enfrentamos a ameaça sombria do Estado Policial, empenhado em suprimir prerrogativas de nossa atividade, que, longe de configurar privilégios, constituem direitos do cidadão, a quem se destina a ação do advogado. Operações espalhafatosas, ao arrepio do rito legal, rompiam o sigilo da defesa e espalhavam grampos ambientais em escritórios de advocacia.

Em nome do combate ao crime, infringia-se a lei, em nome de uma justiça de resultados, cujo resultado maior era o triunfo da impunidade, já que as prisões irregulares acabavam revogadas nos tribunais, frustrando e confundindo a opinião pública.

Como subproduto dessa prática, tinha-se o aprofundamento do desgaste da imagem das instituições do Estado perante a sociedade. A OAB, em defesa da Constituição — compromisso estatutário da advocacia —, empenhou-se obstinadamente na correção desse quadro, o que resultou na aprovação, por unanimidade, no Congresso Nacional, da Lei 11.767/08, que garantiu a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.

Ainda no campo da defesa da advocacia, destaque-se a aprovação e a criação da Assessoria Jurídica Nacional, que fornecerá o necessário suporte técnico nas representações e ações em defesa dos interesses da OAB.

A mobilização, no que se refere à preservação dos princípios fundamentais, se fez presente em diversas manifestações perante o STF, destacando-se o incisivo apoio à edição da Súmula Vinculante visando à proibição do uso de algemas apenas com a finalidade de punição moral e televisiva.

Também junto ao STF, a OAB ajuizou pedido de edição de Súmula Vinculante para que os advogados tenham acesso aos autos, acabando com os kafkianos processos e investigações secretos para o próprio interessado. Ainda perante o Supremo, a Ordem requereu o cancelamento da Súmula Vinculante 5, que, absurdamente, revogara a Súmula 343, do STJ, autorizando a defesa em processos administrativos sem a presença de advogados.

Sobre as garantias individuais, a OAB aprovou diversas deliberações do pleno do Conselho Federal, destacando-se as seguintes:

  • a) proposição sobre a lei que controla as escutas telefônicas;
  • b) proposição de PEC criando o controle social sobre a atividade policial, retirando do Ministério Público qualquer tentativa de controlar externamente a Polícia;
  • c) proposição de lei regulamentando o uso de algemas.

A militância social da OAB também se manifestou em várias ações concretas, a saber:

  • a) Integrou, junto com o ministro Paulo Vanucchi, Flávia Piovesan e a procuradora federal Gilda Pereira Carvalho, a comissão que verificou o brutal assassinato de três jovens por autoridades militares, no Morro da Providência, Rio de Janeiro. A comissão constatou a chacina, pleiteando a punição dos assassinos, bem como proteção e assistência às famílias das vitimas.
  • b) Celebrou convênio com o Conselho Geral da Advocacia Espanhola, visando à defesa de brasileiros e espanhóis, em seus respectivos países, quando agredidos em sua dignidade, deportados, não admitidos ou vítimas do tráfico de pessoa humana;
  • c) Realizou, em setembro de 2008, a Conferência Nacional para a Superação da Violência e Promoção da Cultura da Paz, em parceria com diversas entidades da sociedade civil organizada e do governo federal, representado pelo Ministério da Justiça.

O Conselho Federal disponibilizou os meios logísticos para a criação da Comissão do Plano de Ações Estratégicas, instância legitimada para mobilização, monitoramento a avaliação das ações propostas cujos membros foram escolhidos entre as entidades participantes.

  • d) Criou o Grupo de Trabalho de Assuntos Indígenas do Conselho Federal da OAB composto, entre outros, por Joênia Batista de Carvalho, primeira mulher indígena a tornar-se advogada no país. Preocupado com os graves conflitos na desocupação da extensa reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o Grupo de Trabalho elaborou detalhado relatório sobre a situação tensa na região. O relatório foi entregue ao Ministério da Justiça e ao STF e servirá de base para análises do caso.

No campo do ensino jurídico, a atuação da OAB no combate à proliferação mercantilista dos cursos de Direito ganhou novos contornos, especialmente com as seguintes medidas:

  • a) a OAB passou a opinar sobre a revalidação do reconhecimento;
  • b) a competência para análise e julgamento dos processos deixou de ser exclusa do Conselho Nacional de Educação (perfil mais político), passando também pela Comissão Técnica de Acompanhamento de Avaliação (perfil mais técnico), criado exclusivamente para esse fim;
  • c) o parecer da OAB ganhou novas atribuições, sendo vinculativo quando positivo, e de cunho recursal, se negativo;
  • d) criou-se um grupo de trabalho OAB-MEC, para divulgar as piores instituições, que serão submetidas à fiscalização mais intensa, assumindo compromissos de melhorar a qualidade do ensino;
  • e) parceria com o MEC na formulação das defesas judiciais, quando demandadas pelas instituições de ensino;
  • f) diminuição do número de vagas, não se criando novas instituições de ensino sem a concordância da OAB, por um ano;
  • g) o inédito fechamento de 24 mil vagas anuais, resultando na redução total de 125 mil vagas.

Registre-se ainda que a Comissão Nacional do Ensino Jurídico duplicou o número de seus membros. No campo da política, a OAB se fez presente. Ampliou as propostas de reforma anteriormente apresentadas, incluindo os seguintes temas:

  • a) lista fechada, com reformulação da estrutura partidária, de forma a permitir a democracia interna;
  • b) financiamento público de campanha;
  • c) inelegibilidade de candidatos condenados por órgãos colegiados do Poder Judiciário;
  • d) cláusula de barreira;
  • e) fidelidade partidária;
  • f) proibição de coligação em eleições proporcionais.

Como desfecho dessa ampla ação em defesa da advocacia e da cidadania, tivemos, em novembro, em Natal, a XX Conferência Nacional dos Advogados — a mais concorrida da história, com mais de cinco mil participantes. Nela, todos esses temas foram debatidos, e a OAB reiterou sua posição em prol da punição aos que cometeram tortura no curso do regime militar, considerando-a crime de lesa-humanidade — e, portanto, imprescritível.

A conferência foi ainda palco de acontecimento histórico: a anistia política ao ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964. Um ano, sem dúvida, dos mais profícuos para a advocacia brasileira. Que assim seja também em 2009.

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