Vítima da fama

Protógenes não explica por que pediu prisão de jornalista

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23 de dezembro de 2008, 18h36

O delegado Protógenes Queiroz não sabe explicar por que colocou no relatório da Operação Satiagraha que a jornalista Andrea Michael estava escrevendo uma reportagem contra o banqueiro Daniel Dantas e mesmo assim pediu a prisão dela, acusando-a de estar a serviço do banqueiro. Ele acusou a cúpula da Polícia Federal de afastá-lo do comando da Operação Satiagraha para proteger os interesses do banqueiro Daniel Dantas, a quem ele estava investigando. Também afirmou que o grampo da conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) nunca existiu e que a reportagem da Veja, confirmada pelos duas autoridades sobre o caso, foi uma farsa. O delegado Protógenes Queiroz disse, ainda, que se pudesse, faria tudo de novo.

O delegado ocupou a cadeira central do programa Roda Viva, da TV Cultura, desta segunda-feira para ser entrevistado por um time de primeira linha do jornalismo brasileiro. Além da apresentadora Lilian Witte Fibe, fecharam a roda em torno de Protógenes os jornalistas Ricardo Noblat, colunista e blogueiro de O Globo, Renato Lombardi, comentarista do Jornal da Cultura, Fernando Rodrigues, colunista da Folha de S. Paulo, e Fausto Macedo, repórter de política de O Estado de S. Paulo.

Protógenes Queiroz foi responsável por grandes operações da PF, como as que resultaram nas prisões do ex-prefeito Paulo Maluf e do contrabandista chinês Law Kin Chong. Também investigou crimes financeiros feitos com o uso de contas CC5 e a organização criminosa comandada pelo ex-deputado Hildebrando Pascoal. Mas seu nome entrou definitivamente para o hall da fama ao conduzir a Operação Satiagraha, que resultou na prisão do dono do Banco Opportunity, Daniel Dantas.

O banqueiro não completou uma semana na prisão, mas foi condenado a 10 anos de prisão por corrupção ativa. O delegado perdeu o comando da operação e o cargo no Departamento de Inteligência da PF e se transformou num pregador solitário de uma cruzada particular para a prisão de Dantas. Estes foram os principais ingredientes da entrevista na TV Cultura.

Para Protógenes, seu afastamento do comando da operação foi uma demonstração dos poderes difusos de Daniel Dantas. “Foi uma agressão à inteligência do povo”, disse, respondendo a uma pergunta feita por um telespectador. “Mas isso já estava previsto por mim e pelo juiz Fausto De Sanctis como risco da operação”, justificou.

Ele afirmou que entregou ao Ministério Público Federal uma representação para que se apure a ligação da cúpula da PF com o banqueiro. “O Ministério da Justiça sabia da operação, mas não sabia dos óbices que tentavam sufocá-la. Tentei por quatro vezes falar com o diretor-geral da PF, sem sucesso. Superei esses óbices por mim mesmo”, disse. “Mais de 99% da PF apóia a Satiagraha. A oposição vem da administração central, que fez dos investigadores os investigados”.

Ele não relacionou seu afastamento com irregularidades cometidas durante as investigações e com as falhas encontradas no relatório que produziu sobre a operação policial que tornou seu nome conhecido. Segundo o delegado, até o Palácio do Planalto trabalhou nos bastidores contra a investigação. No entanto, o delegado não especificou a quem se referia. Não citar nomes ou evitar dar detalhes mais pontuais foi um artifício empregado pelo delegado sempre que se sentia acuado durante as quase duas horas de entrevista.

Grampos da Abin

Um dos pontos do relatório final questionado pelos jornalistas foi o pedido de prisão feito contra a repórter Andrea Michael, da Folha de S.Paulo. Segundo o jornalista Fernando Rodrigues, também da Folha, o relatório do delegado é contraditório ao afirmar que a repórter teria se oferecido a Dantas para fazer uma reportagem encomendada a favor do banqueiro. “O próprio diálogo transcrito no relatório mostra que a repórter queria fazer uma reportagem que seria contrária a Dantas. Como ele pode ser citado como prova contra ela? O senhor escondeu informações no relatório?”, questionou Rodrigues.

O delegado também confirmou que as escutas foram feitas pelos agentes da Abin. Ele explicou que teve auxílio dos arapongas porque enfrentou resistências dentro da própria PF contra a investigação. “Houve obstrução dos próprios colegas”, disse. Para ele, o fato de ter pedido aos agentes que se identificassem como técnicos da Receita Federal durante a investigação não é ilegal. “Eles são do serviço secreto, não podem revelar sua função”, explicou. No entanto, o uso de arapongas e a identificação deles como funcionários da Receita já haviam sido criticados publicamente pelo diretor de inteligência da PF, Daniel Lorenz, em depoimento à CPI dos Grampos, no Congresso Nacional. Lorenz foi quem comunicou ao delegado sobre seu afastamento do caso.

Protógenes, porém, negou que os arapongas teriam sido colocados à sua disposição devido à amizade com Paulo Lacerda, antigo diretor-geral da PF e hoje no comando da Abin. Segundo ele, o motivo do pedido de apoio à agência foram os empecilhos que a PF colocou à operação depois do dia 8 de julho, em que houve as três prisões e o cumprimento de 24 mandados de busca e apreensão de documentos dos investigados. A manobra feita em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília custou R$ 500 mil à PF e mobilizou 300 policiais. A Abin teria colocado 84 agentes à disposição do delegado. “Esse número está errado”, afirmou.

Witte Fibe questionou o delegado também sobre outra possível amizade que teria interferido nas investigações, a do professor Hugo Chicaroni, condenado por corrupção ativa junto com Daniel Dantas. A jornalista perguntou o motivo pelo qual o professor não foi preso em flagrante quando ofereceu suborno à PF para tirar o nome de Dantas e de seus familiares do inquérito. Protógenes não chegou a responder o motivo, mas afirmou que não tem amizade com Chicaroni. “Nos conhecemos em um evento, mas não somos amigos”, disse.

Notícia encomendada

Sobre a participação de jornalistas no esquema para favorecer Dantas, o delegado disse haver pelo menos um que foi identificado, mas não revelou o nome. Depois do programa ele informou que seria Roberto D’Avila que, no entanto, trabalhou como consultor de imprensa e não como jornalista para o Opportunity. Protógenes mencionou um editorial que teria sido feito e enviado com antecedência a Dantas para aprovação. “Mas não existe nenhum veículo envolvido como instituição”, afirmou o delegado, que rasgou elogios à Folha de S.Paulo, dizendo ser o jornal que o pautava. “Deve ser a sua fixação por Andrea Michael”, disse Ricardo Noblat em tom irônico, provocando gargalhadas dos jornalistas.

Quanto ao episódio do editorial, na verdade o delegado interpretou de forma equivocada uma troca de e-mails entre a assessora de imprensa do Opportunity e um estagiário que trabalha para ela. A assessora, fora de São Paulo, pedia ao rapaz para localizar o texto. Os emails estão transcritos no relatório policial. Na interpretação do delegado, a conversa representa uma encomenda de editorial favorável a Dantas ao jornal.

As revistas Veja e IstoÉ, no entanto, não receberam o mesmo tratamento do delegado. Segundo ele, as reportagens publicadas sobre a escuta clandestina de conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), se basearam em informações falsas e com o intuito de desviar o foco de Dantas e colocar em dúvida a legitimidade da investigação. “Se houve grampo, tem de existir o áudio. Onde está esse áudio?”, questionou.

A existência do grampo foi insistentemente questionada pelos jornalistas, ao que o delegado sempre respondia de forma técnica, de que se não há fita, não há prova do áudio. “Mas a fita pode ter sido destruída”, disse Witte Fibe, que afirmou que as revistas tiveram acesso à transcrição e que o ministro e o senador confirmaram o conteúdo da conversa. Perguntado se o senador e o ministro participaram da farsa para favorecer Dantas, o delegado disse: “Não vou entrar no mérito”. O delegado que montou um relatório de mais de 300 páginas para incriminar Daniel Dantas quase que exclusivamente com base em grampos, não acredita em grampos.

Noblat perguntou se era de responsabilidade da PF a gravação de um vídeo durante um almoço de pessoas ligadas a Dantas e assessores do ministro Gilmar Mendes — que o jornalista distraidamente chamou de Gilmar Dantas — antes da concessão dos Habeas Corpus pelo Supremo em favor do banqueiro. O delegado afirmou não se tratar de um vídeo, mas de fotos, e que não há confirmação de que os assessores eram do ministro, mas que certamente as outras pessoas estão ligadas ao banqueiro.

O delegado defendeu também o acesso da imprensa ao cenário das operações para filmar e fotografar os investigados presos e algemados. Foi citado o caso do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, filmado ao ser preso de pijama em sua residência, quando a operação foi deflagrada. “Bandido tem que ser exposto à população, e isso não choca”. Questionado pelos entrevistadores por se referir a Daniel Dantas sempre como “banqueiro bandido”, Protógenes relativizou a presunção de inocência ou a culpa transitada em julgada para dizer que na polícia é assim mesmo: investigado é bandido.

Pré-campanha eleitoral

Em relação à investigação, o delegado afirmou acreditar na condenação dos acusados. Segundo ele, mais do que indícios, há provas de que a unificação das teles — Oi e Brasil Telecom — foi feita com transferências de quotas societárias fraudadas. “Houve pagamentos não contabilizados, confirmados por mensagens bancárias, que indicam lavagem de dinheiro”, revelou. O Cade e a Anatel, que têm competência primária sobre essas matérias, ainda não se pronunciaram.

Ao falar sobre a apreensão de R$ 1 milhão em espécie, sem origem identificada, além dos “R$ 600 milhões do Opportunity bloqueados pela Justiça” o delegado não resistiu à demagogia e falou que o dinheiro “poderia ser usado na Saúde, por exemplo”. Os entrevistadores também não resistiram à provocação e perguntaram sobre uma possível candidatura do delegado a cargo eletivo, lembrando que entre seus melhores novos amigos estão todos os integrantes da cúpula do PSOL. “Só quero ser candidato a carcereiro do banqueiro bandido Daniel Dantas”, respondeu.

Mas não perdeu a oportunidade de fazer campanha: elogiou o partido por ter sido “o primeiro a apoiar o trabalho feito” e soltou outras frases semelhantes àquelas ouvidas em palanques, do tipo “o que choca é ver crianças passando fome e sem abrigo, nas ruas”. Afirmou ainda que a Satiagraha “levantou debate público no Brasil, que era um antes e agora é outro depois da operação”. Claro, graças a ele próprio – Protógenes Queiroz.

Clique nos links abaixo para ler o Relatório Parcial da Operação Satiagraha:

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

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