Invasão de domicílio

Provas obtidas irregularmente por policiais anulam processo

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15 de dezembro de 2008, 23h00

Um policial não pode se passar por cliente para vasculhar estabelecimento suspeito. As provas de crime obtidas, sem mandado de busca e apreensão, neste tipo de investida são ilícitas. Esse foi o entendimento do juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, ao absolver duas mulheres que trabalhavam num escritório de contabilidade na região Central de São Paulo, acusadas pelos crimes de moeda falsa e falsificação de documento público.

“É preferível anular provas de um processo judicial a anular a Constituição Federal. A ação policial deve estar sempre submetida ao império da carta política do país”, escreveu o juiz em sua sentença. Para ele, a entrada no escritório por policiais configurou invasão de domicílio. Durante a operação, os policiais apreenderam moedas falsas.

Para o juiz, trata-se de uma questão atual. “Floresce a idéia de que os direitos fundamentais previstos na Constituição têm fomentado a impunidade e o aumento da criminalidade. A questão, porém, vai muito além da simples escolha de dois pólos dicotômicos: bem contra o mal ou crime versus impunidade. O ápice da discórdia está no antagonismo de valores: Estado Policial de um lado, Estado Constitucional de outro.”

A Ação Penal contra as mulheres foi movida pelo Ministério Público Federal. Ambas foram presas em flagrante pela Polícia Civil de São Paulo, após denúncia anônima de falsificação de documentos e moedas falsas. Um policial negociou com as mulheres a compra de um contrato social de uma empresa em nome de um “laranja”, bem como documentos originais de identidade e cadastro de pessoa física em nome dessa pessoa, passando-se por cliente.

Na data marcada para retirar os documentos falsos, que seriam comprados por R$ 1,5 mil, o policial entrou no escritório e deu voz de prisão às acusadas. A partir daí, o policial deu início a uma busca no escritório, apreendendo objetos que ali se encontravam.

“Nota-se que as acusadas teriam sido levadas, em tese, ao cometimento do crime (falsificação de documento público) por manobra de agente provocador (policial civil)”, diz o juiz. Segundo ele, não houve mandado de busca e apreensão expedido para fins de diligência no escritório.

“Para o policial, a ré encontrava-se em flagrante delito e, por isso, efetuou a apreensão dos objetos de interesse para a caracterização do ilícito que estavam no referido escritório. Ele não encontrou notas falsas em poder da proprietária e agiu à revelia da autoridade policial à qual estava subordinado”, disse Ali Mazloum.

Após a Justiça Estadual ter declinado da competência por reconhecer que o feito versava sobre matéria da alçada federal, a denúncia foi recebida pela 7ª Vara Federal Criminal em junho de 2003. Já na fase de alegações finais, o MPF requereu a absolvição de funcionária do escritório pelo crime de moeda falsa e a condenação do proprietário pelo delito de falsificação de documento público.

Para Ali Mazloum, a simples descrição dos fatos supostamente delituosos “leva à certeza de que a atuação policial padece de vício insanável, devendo-se reconhecer o chamado flagrante preparado ou provocado, pelo qual o agente é induzido ou instigado a praticar determinado delito, cuja consumação, entretanto, jamais poderia ocorrer sem a imprescindível atuação do agente provocador (no caso, o agente policial). É de se concluir, portanto, pela ocorrência de crime impossível”. Para o juiz, as acusadas apenas protagonizaram um enredo produzido por policiais. Ali Mazloum determinou o arquivamento dos autos.

Processo: 2003.61.81.002820-9

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