Linguagem imprópria

Juiz é punido por dizer que futebol é coisa de macho e não de gay

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16 de dezembro de 2008, 9h34

O Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou pena de censura ao juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, da 9ª Vara Criminal Central de São Paulo. Em uma sentença, o juiz fez alusão a possível homossexualidade do jogador Richarlyson Barbosa Felisbino, volante do São Paulo. A posição defendida na sentença judicial causou polêmica.

A maioria dos desembargadores do Órgão Especial decidiu seguir o voto do relator, Walter Swensson. Votaram contra a aplicação da pena o presidente do TJ paulista, Vallim Bellocchi e o desembargador Marco César. O julgamento aconteceu na quarta-feira (10/12). O resultado foi divulgado nos blogs do desembargador Ivan Sartori e do jornalista Frederico Vasconcelos.

A defesa sustentou que emitir opinião contrária ao homossexualismo não pode ser considerado discriminação. A tese não sensibilizou o colegiado. Para a maioria, o magistrado agiu com impropriedade absoluta de linguagem na sentença dada em julho do ano passado. Na época, a alusão à virilidade do jogador de futebol foi manifestada em uma ação penal privada proposta por Richarlyson contra um dirigente do Palmeiras.

O juiz mandou arquivar a queixa-crime. O dirigente havia insinuado em um programa que o jogador seria homossexual. Na sentença, o juiz afirmou que futebol era coisa de “macho”, esporte “viril, varonil, não homossexual”.

Por conta da sentença, o Tribunal de Justiça abriu investigação disciplinar contra o juiz. Em outubro do ano passado, o Órgão Especial rejeitou, por maioria de votos, a defesa prévia do magistrado e decidiu pela continuidade do processo administrativo disciplinar. Na época, ficaram vencidos os desembargadores Marco César e Pedro Gagliardi, que votaram pelo arquivamento.

Na defesa prévia, o advogado do juiz sustentou que o que se pune e deve se reprimir é a discriminação à pessoa, que se caracteriza por atitude pessoal, nominal, não genérica. Segundo a defesa de Junqueira Filho, ninguém pode obrigar alguém a ser católico, evangélico, corintiano, palmeirense ou são-paulino.

“Podemos não gostar do catolicismo, do evangelismo, do Corinthians ou do São Paulo, mas não podemos atacar quem tem fé nessas religiões ou torce por esses clubes. Da mesma forma, não se pode atacar o homossexual, mas ninguém pode obrigar ninguém a gostar do homossexualismo”, sustentou a defesa.

O advogado alegou ainda cerceamento de defesa, nulidade do acórdão de acusação, impedimento de todos os desembargadores que subscreveram o documento e, no mérito, ausência de falta grave cometida no episódio e inexistência de preconceito no texto da sentença.

Em agosto do ano passado, o TJ-SP havia aceito pedido de abertura de procedimento para investigar o juiz, com base no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). No entendimento do colegiado, havia indícios de que, no episódio, o juiz agiu com conduta incompatível com os deveres do cargo de magistrado.

No mérito, a defesa sustentou que seu cliente não feriu a Constituição Federal, não invadiu a vida privada, nem a honra, nem a imagem no jogador Richarlyson. Refutou as acusações de que a sentença seria pérola jurídica, cômica, ofensiva e esdrúxula, como foi apontada. “O magistrado pode ter suas opiniões pessoais, mas não agiu com descompostura e imparcialidade. Apenas recusou uma queixa-crime onde não se provara a acusação e onde não havia acusação formal a quem quer que seja”, disse o advogado.

Outras investigações

O juiz já respondeu a outros processos, tanto administrativos como judiciais. O magistrado teve sua conduta questionada em pelo menos uma dezena de representações. Em duas delas, chegou a ser condenado às penas de censura e advertência, mas conseguiu reverter os castigos. Nos dois casos, a penalidade foi aplicada pelo Conselho Superior da Magistratura e reformada no Órgão Especial do TJ paulista.

Em outra, recorreu e perdeu. Neste caso, o TJ paulista reprovou a conduta do magistrado. Afirmou que ele deu péssimo exemplo aos princípios de hierarquia e disciplina judiciária. Ele foi acusado de criticar decisão de segunda instância, que mandava soltar réu, fazendo comentários impróprios sobre o acórdão na presença de advogados, promotores, juízes e servidores do Judiciário que atuavam na 9ª Vara Criminal da Capital.

“Exarar despacho em termos de audiência pública, com a presença de funcionários, advogados, os próprios réus, oficiais de justiça, lançando pesadas críticas à conduta de juiz de segundo grau, além de provocar exaltação de ânimos revela, sem dúvida, menoscabo aos deveres da função”, afirmou o desembargador Maurício Ferreira Leite no julgamento do caso.

Caso Richarlyson

O juiz pediu licença do cargo, anulou a sentença da ação penal privada de Richarlyson e foi afastado. Em outubro do ano passado, voltou ao cargo. Manoel Maximiniano Junqueira Filho não era o juiz natural do caso e despachou no processo por conta da ausência da juíza auxiliar, que estava de licença-saúde. A defesa do jogador entrou com representação no Conselho Nacional de Justiça acusando o juiz de homofobia.

A polêmica sobre a sexualidade de Richarlyson começou quando o jornal Agora São Paulo noticiou que um jogador de futebol estava negociando com o Fantástico, programa da TV Globo, uma entrevista na qual assumiria ser gay. Em junho, durante o programa Debate Bola, da TV Record, José Cyrillo Júnior foi questionado se o tal jogador homossexual era do Palmeiras. Cyrillo se saiu com essa: “O Richarlyson quase foi do Palmeiras”.

Richarlyson alegou que se sentiu ofendido e foi à Justiça. Na sentença, o juiz ressaltou toda a masculinidade do futebol e mostrou ao jogador são-paulino que a Justiça, nesse caso, não é a melhor alternativa. “Quem é ou foi boleiro sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num ‘tête-à-tête’.”

O juiz sugeriu o que o jogador poderia fazer. Se não fosse homossexual, o melhor seria ir ao mesmo programa de televisão dizer que era heterossexual. “Se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omiti-lo, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados.”

Para o juiz, gramado não é lugar de homossexual. “Futebol é jogo viril, varonil, não homossexual.” Não há ídolos de futebol que são gays, disse ele. E mais. Demonstrou a virilidade do esporte com o hino do Internacional de Porto Alegre: “Olhos onde surge o amanhã, radioso de luz, varonil, segue sua senda de vitórias”.

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