Consultor Jurídico

O roubo na história dos grandes códigos penais

15 de dezembro de 2008, 23h00

Por Antonio Baptista Gonçalves

imprimir

O roubo simboliza uma quebra de paradigma no que tange a evolução do próprio Direito Penal com o transcurso do tempo.

O Código de Hamurabi, uma das três mais antigas codificações existentes no mundo já disciplinava a possibilidade do roubo através da Lei do Talião:

Art. 6º Se um homem roubou bens de deus ou do palácio, deverá ser morto juntamente com aquele que recebeu o objeto roubado.

[…]

Art. 8º Se um homem roubou um boi ou uma ovelha ou um asno ou um porco ou uma barca, se é de um deus ou do palácio, deverá pagar até trinta vezes mais; se for de outra pessoa, restituirá até dez vezes mais. Se o ladrão não tem com que restituir, será morto.

Ao contrário do que a crendice popular estabeleceu a Lei de Talião é parte integrante do Código de Hamurabi, no entanto, os institutos não se mesclam e sua separação é bem nítida.

A Lei do Talião consagrou a célebre frase: “olho por olho dente por dente”, porém, em verdade, não é exatamente essa a tradução do dispositivo, pois, o artigo que menciona tal fato prevê: aquele que retirar a orbe de alguém deve ter a sua própria orbe extirpada e aquele que numa briga quebrar os dentes de outrem, que tenha seus dentes quebrados.

O escopo fundamental é o caráter sancionatório da conduta, ou seja, a pena é um elemento secundário na tratativa e, portanto, devemos analisar a questão com mais profundidade.

Existe uma diferença nem sempre perceptível entre pena e sanção, todavia, entender o que cada palavra significa será fundamental para a própria compreensão da evolução do próprio Direito penal.

Sanção — parte coativa da lei, que comuna penas contra os que a violam; sentido penal jurídico – norma penal que estabelece a pena para crime ou contravenção1.

Pena — castigo, punição: “A rainha D. Maria I por um ato de clemência comutou as penas de quase todos em extermínio para à África, e só um, o Tiradentes, subiu ao Patíbulo”2.

Numa primeira leitura a diferença pode não existir, contudo, na época dos primórdios da codificação o vislumbre penal era o crime, ou seja, o modelo sancionatório repressor e não se buscava uma ressocialização, naquela época o mais importante era garantir a ordem da sociedade e demonstrar aos demais que em caso de desobediência a mão forte do Imperador iria sopesar sobre o criminoso e que a sanção serviria de exemplo para os demais, bem como para que o próprio criminoso tivesse o selo de que detinha a culpa estampada e sua face, que Hamurabi havia estabelecido sua punição.

Grosso modo, o cidadão responderia com seus atos com sanções impostas a si mesmo, sem qualquer tipo de preocupação em reflexão, privação do tempo livre, etc.

Exatamente por isso, a grande maioria das penas previstas nos dispositivos penais continha como sanção à perda da própria vida, como podemos acompanhar nas Leis de Manu:

“323. O rato de homem de boa linhagem e, sobretudo, de mulheres; o roubo de jóias de elevado preço, como diamantes, será punido com a pena de morte.”

O avanço do Império Romano que culminou com a derrocada de vários e diversos países e culturas, também, introduziu a mudança de paradigma entre sanção e pena.

As ações gradativamente deixaram de ter como finalidade o caráter sancionatório para adquirir um espírito voltado para a pena, ou seja, deixa-se de responder com a própria vida.

Com o próprio avanço do Império Romano já sentimos a diferença:

“Título II Do roubo dos bens.

Aquele que rouba coisas alheias está sujeito também à ação de furto, pois quem se apodera de uma coisa alheia mais contrariamente à vontade do dono do que aquele que o faz pela força? Daí asseverar-se com razão que se trata de um ladrão perverso. Entretanto, o pretor introduziu uma ação própria contra esse delito, a denominada ação dos bens roubados com violência (vi bonorum partorum); é do quádruplo dentro de um ano, e após um ano, do equivalente (simpli). Trata-se de uma ação útil, ainda que se tenha roubado uma coisa mínima. Porém, o quádruplo total não é pena, sendo a ação, além de penal, reipersecutória, como dissemos com respeito à ação do furto flagrante”.

O giro lingüístico no que tange à transmutação da aplicação das sanções para as penas inspirou dentre outras coisas o movimento libertário francês que resultou na Revolução daquele país.

O objeto, afora, passava a ser a perda da liberdade individual, com o intuito de que o mesmo possa refletir sobre as condutas praticadas.

Com isso, o roubo passou a ser considerado ainda crime, mas com uma punição que pode ser considerada mais branda.

O sistema penitenciário atual é inspirado no modelo que outrora fora utilizado pelos mosteiros antigos como penitência pela expiação, ou seja, o monge se enclausurava e se isolava dos demais para se retirar e meditar sobre a conduta danosa que cometera. Seria uma forma de reparação ao dano que praticou e o faria pensar e visualizar seu erro para que não tornasse a cometê-lo.

O local que fazia isto era um claustro, como a prisão de hoje, no qual ficava isolado e sozinho, separado do “mundo externo” por barras de ferro.

Este retiro também era visto como uma reparação à sociedade em si, uma vez que ao estar afastado, ainda que por um curto período, os demais indivíduos estariam protegidos do infrator e este estaria sofrendo uma pena pela conduta que praticara.

Tal conceito fora adaptado e incorporado à sociedade moderna, e reflete exatamente o sistema atual adotado para os criminosos.

A condenação nos dias atuais serve como uma compensação à sociedade pelos danos causados, ou seja, uma justificação moral da aplicação da pena, e uma forma de retornar ao equilíbrio social existente, antes do delito ser praticado.

Hoje a pena impera na sociedade e sobre o roubo o Código Penal de 1940 é claro:

“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena — reclusão, de quatro a dez anos e multa.

§ 1º — Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

§ 2º — A pena aumenta-se de um terço até metade:

I — se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II — se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III — se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV — se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;

V — se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

§ 3º — Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.”

Entender a origem da tratativa do roubo e, também, os modelos de repressão adotados é um meio imprescindível para saber lidar com a conduta e, principalmente com o agressor, portanto, um estudo comparativo, ainda que breve, sobre a evolução histórica do roubo nos mostra a evolução do sistema punitivo, sua mudança de paradigma e as razões da existência do próprio sistema prisional atual.

Notas de rodapé

1. Houaiss, Antônio e Villar, Mauro de Salles (co-autor). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa : Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2508.

2. Novo Dicionário da Língua Portuguesa – Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 2º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1299.