Seriedade das investigações

Operação da PF no TJ capixaba adotou cautela contra pirotecnia

Autor

15 de dezembro de 2008, 10h50

Editorial da Folha de S.Paulo

Com a proximidade das festas de fim de ano, é comum que muitas pessoas já se entreguem a excessos alimentares, projetando apenas para o ano que vem a retomada de hábitos mais comedidos. Também é próprio a estes dias de dezembro que se estreitem os laços familiares, num espírito universal de celebração. Mas daí a discutir em família a encomenda de 89 pedaços de bolo de chocolate, e ainda achar pouco, eis um exagero de apetite que em nenhuma época do ano se justifica.

Foi em torno desse mais do que suspeito item de sobremesa que se deu a conversa telefônica entre uma funcionária do Poder Judiciário do Espírito Santo e seu cunhado, juiz de primeira instância e filho de Frederico Guilherme Pimentel, então presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado.

As fatias do bolo corresponderiam, afirma a polícia, ao quinhão a ser destinado a cada um dos membros da família em troca da criação de um cartório no município capixaba de Cariacica. Criado o cartório, o clã desentendeu-se na hora de distribuir os ganhos obtidos na operação. “O meu bolo está “descompleto”, diz a funcionária. “Queria cem pedaços, e não só 89”.

O cunhado, sem deixar de ser juiz, dá uma resposta em que confluem as equanimidades da magistratura e as tradições do nepotismo: “É sempre o mesmo número de pedaços para cada irmão”. As contas devem ter sido complexas: o presidente agora afastado do TJ empregava duas filhas, além da cunhada do filho, no tribunal, enquanto seu filho e sua nora são juízes de primeira instância.

Esse foi apenas um dos 11 casos de indícios de corrupção na mais alta instância da Justiça do Espírito Santo, investigados pela Operação Naufrágio da Polícia Federal. Diferentemente de tantas ações policiais conduzidas sob o signo do espalhafato e da incompetência, tudo transcorreu sob rigoroso sigilo, diminuindo-se as possibilidades de contestação judicial das investigações.

Da desarticulação do verdadeiro “balcão de negócios” instalado no Tribunal de Justiça capixaba, resultou a detenção temporária de vários investigados, entre os quais três desembargadores.

Um deles teve grampeada uma conversa telefônica na qual se congratulava: “Sem falsa modéstia, isso aí, abaixo de Deus, nós é que botamos para quebrar”. Nem tanto. O fato é que, mesmo em áreas antes consideradas intocáveis, como as altas instâncias do Judiciário, alguns avanços na luta contra a impunidade podem ser detectados.

Exemplo recente disso foi a abertura de ação penal contra Paulo Medina, ministro do Superior Tribunal de Justiça, sob a acusação de favorecer bicheiros e donos de bingos.

Tudo depende, como é óbvio, da seriedade das investigações e do sigilo em que são mantidas até seu desfecho. Vazamentos, pirotecnias e abusos de poder, que tantas vezes alimentam o desejo da opinião pública pelo fim da impunidade, terminam por constituir-se, não raro, em cúmplices de sua manutenção.

[Editorial publicado pela Folha de S.Paulo, nesta segunda-feira, 15 de dezembro]

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!