Bolo, vela e caixão

Advogado desenha para reclamar contra demora da Justiça

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13 de dezembro de 2008, 23h00

Um processo defendido pelo advogado Kalil Rocha Abdalla por pouco não ilustrou declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Num evento em São Paulo, Gilmar disse que, no Brasil, algumas ações chegam à Justiça como previdenciárias e terminam como sucessórias. O processo de Abdalla só não terminou como sucessório porque os herdeiros da autora, que morreu durante a longa tramitação, resolveram deixar a briga para lá. Indignado com a demora da Justiça, o advogado recorreu aos desenhos: primeiro, um bolo de aniversário do processo e, por último, um caixão para marcar a morte da autora.

O processo de despejo foi ajuizado por Abdalla em 1989 na 14ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, em nome de Olga Farah Nasser contra o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), hoje chamado de INSS. Nele, Olga pretendia que o instituto desocupasse seu imóvel, já que não concordaram com o aumento do aluguel.

Um ano depois, ainda sem resposta, Abdalla levou ao juiz uma petição para que a ação fosse julgada logo. Na peça processual, desenhou um bolo e uma vela para celebrar o aniversário de um ano do processo.

“A autora vem, respeitosamente, à presença de V. Exa para cumprimentá-lo pelo primeiro aniversário de seu processo. Só resta, pois, cantarmos: parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades e muitos anos de conclusão”, registrou o advogado.

O juiz considerou a petição jocosa e os autos foram devolvidos com o tradicional despacho, segundo o advogado, dizendo “especifiquem provas”. Abdalla ficou inconformado pela demora de 365 dias para que fosse apontada a falta de provas. Segundo ele, todas as provas necessárias já estavam anexadas nos autos.

Passados seis meses desse despacho, o advogado conta que “caiu a ficha” do juiz, ele se sentiu desrespeitado e resolveu mandar oficio à OAB para que providências fossem tomadas contra Abdalla. O pedido, contudo, fracassou.

A Ordem disse que não houve ofensa e nem falta de respeito com o juiz. A entidade fundamentou a resposta no artigo 6º da Lei 8.906/04, que diz: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Depois do episódio, Abdalla considera que foi punido porque o juiz determinou o arquivamento da ação. Para o advogado, o juiz aplicou “merecido castigo ao processo, arquivando-o por longos cinco anos”. Ele recorreu contra o arquivamento no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

No recurso, deixou claro que não queria menosprezar a inteligência do juiz de primeira instância, mas que chegava a ser inconcebível a sua atitude, “pois fazer ouvidos moucos ao que dispõe o artigo 330 do Código de Processo Civil é confessar ignorância, o que não se acredita, partindo de quem partiu o despacho, ou então a efetivação de uma mórbida vindita contra quem apenas estava exercitando seu legítimo direito de insurgir-se contra uma injustificável e inexplicável demora em seu obter prestação jurisdicional”. O inciso I do artigo 330 do CPC diz: “O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência”.

No dia 3 de dezembro de 2000, enquanto o processo aguardava uma resposta do TRF-3, o advogado fez mais um apelo para que o tribunal julgasse a ação. Nesse apelo, desenhou mais um bolo. Dessa vez, para celebrar o 10º aniversário da ação. Preferiu falar em seu nome para não prejudicar — mais ainda — sua cliente.

Em 2001, menos de um ano depois, juntou aos autos no TRF-3 uma nova peça. Dessa vez, com o desenho de um caixão. A autora do processo havia morrido. O advogado escreveu: “Morreu! Cansada e desiludida por esperar Justiça”. Como os herdeiros não se habilitaram, a ação terminou extinta sem julgamento do mérito.

O juiz responsável pelo caso na primeira instância, Antônio Vital Ramos Vasconcelos, já se aposentou. Contudo, um funcionário da vara conta que parte do atraso no andamento do processo foi por culpa do próprio advogado. Segundo ele, os autos careciam de provas e o fato de a autora morar em São José do Rio Preto dificultou seu contato com a defesa.

Já o relator à época do processo no TRF-3, desembargador Manoel Álvares, foi afastado por acusação de envolvimento na Operação Têmis, deflagrada anos depois pela Polícia Federal. O foco inicial da operação era desmontar uma quadrilha que burlava o fisco. Depois, segundo a Polícia Federal, descobriu-se a ligação do grupo com juízes que proferiam decisões favoráveis a empresas de bingos. A investigação começou em agosto de 2006.

Processo: 89.0011039-0

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