Absolvido pela acusação

Mão pesada do MP favorece defesa de PM acusado de matar criança

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12 de dezembro de 2008, 23h00

No Tribunal do Júri, conquista o público quem apresenta a tese mais convincente. Simpatia e articulação verbal também ajudam. Mas o que vale mesmo é a técnica aplicada. É ela que faz os argumentos terem sentido ou não. No caso do Júri do policial militar Willian de Paula, denunciado pela morte do menino João Roberto, não foi diferente. O que levou à absolvição do policial da denúncia de homicídio doloso e de duas tentativas de homicídio foi a técnica aplicada pelos advogados. No caso, pesaram mais os maus argumentos da acusação do que as boas alegações da defesa .

O menino João Roberto, 3 anos, foi morto no dia 6 de julho deste ano, na Rua General Espírito Santo Cardoso, na Tijuca, Rio de Janeiro. O menino estava com a mãe, Alessandra Soares, e o irmão de nove meses dentro do carro da família que passava pela rua onde ocorria uma perseguição policial. O cabo Willian de Paula e o soldado Elias da Costa Neto tentavam prender uma quadrilha de quatro homens que tinha praticado 11 assaltos na noite anterior. Houve troca de tiros. O carro da família de João Roberto foi alvejado. Atingido por fragmentos de balas, o menino morreu um dia depois. O carro da família ficou com 18 marcas de tiros.

O caso mereceu grande cobertura da imprensa, com repercussão no exterior. Os jornais publicaram entrevista com o governador do Rio de Janeiro chamando os policiais de insanos e débeis mentais. Os pais do garoto foram entrevistados em diversos programas de televisão, pedindo, aos berros de justa indignação, que fosse feita Justiça. O clamor popular atingiu altas temperaturas de inconformismo e revolta. Willian de Paula aguardou o julgamento na prisão.

Além de emoções a granel, a imprensa divulgou imprecisões. Informou, por exemplo, que João Roberto morreu depois de receber um tiro na cabeça. Laudo da perícia constatou que o garoto foi atingido por fragmentos de bala e não por uma bala. O detalhe aparentemente irrelevante foi um dos aspectos técnicos que fundamentou a absolvição do policial no Júri.

O Ministério Público do Rio de Janeiro, representado pelo promotor Paulo Rangel, denunciou o policial por um homicídio qualificado e dois tentados. Considerou que o policial cometeu homicídio doloso, ou seja, que ele atirou com intenção de matar a criança. Baseou sua tese em reportagens divulgadas pela imprensa e em entrevistas concedidas à televisão pelos pais da criança. Tentou ainda traçar o perfil de Willian de Paula como um ser humano monstruoso e um policial despreparado psicologicamente.

Tentando adivinhar a tese da defesa, a acusação — que m usa a palavra em primeiro lugar durante o Júri — esforçou-se para desconstuir a argumentação de que o policial agira em legítima defesa. Sustentou que ninguém dispara 18 tiros contra um alvo para se defender.

Dever cumprido

A defesa de Willian de Paula, a cargo do advogado José Maurício Neville, negou que o policial teve intenção de matar o menino e não falou em legítima defesa. Comprovou a afirmação com os laudos da perícia que não foram conclusivos para identificar a arma que disparou a bala cujo estilhaço atingiu e matou o menino.

Para o advogado, o policial agiu no estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito, conforme estabelece o artigo 23, III, do Código Penal. Citou também a obrigação de cuidado, proteção e vigilância, prevista no artigo 13, parágrafo 2º, alínea A, também do Código Penal.

A defesa sustentou a tese de homicídio culposo, sem intenção de matar, e responsabilizou o governo do Estado pela falta de preparo da polícia. O policial, que está há 11 anos na corporação, admitiu seu despreparo. Contou que não passa por curso de reciclagem há três anos e que nunca aprendeu técnicas de abordagem. Seu treinamento se resumiu a instruções sobre como abordar e perseguir automóvel em fuga. “Infelizmente, naquele momento foi o meio que eu pude usar”, admitiu.

Para a defesa, o PM foi tão vítima quanto a criança e sua família. O advogado alegou que a morte do garoto aconteceu quando o policial, no exercício de sua função, enfrentava situação de risco, com tiros e perseguição e em franca desvantagem. De um lado estavam quatro homens supostamente perigosos, com armamento pesado, num veículo mais possante e mais veloz, que atiravam para todos os lados. Do outro, o cabo, acompanhado de um soldado, armado com um fuzil, em um carro mais lento do que o usado pelos assaltantes.

A defesa afirmou ainda que o policial aplicou na ação a política de segurança pública do Rio de Janeiro, de acordo com as técnicas que aprendeu no quartel e que tem o respaldo de grande parte da população: o confronto. Se alguém deve pagar pelo fato tido como criminoso é o Estado e não o policial.

A tese de cumprimento do dever legal foi convincente. Os jurados reconheceram que um policial em atividade, dentro de uma viatura e fardado estava em vigilância. Entendeu também que ele não tinha saído às ruas para matar a primeira criança que aparecesse, como o MP quis fazer acreditar.

“A vaidade do promotor fez meu cliente ser absolvido”, disse o advogado em entrevista à revista Consultor Jurídico. “Falei para os jurados que não existe legítima defesa no estrito cumprimento do dever legal. Ele tinha o dever de agir como policial e seguir a política de faroeste empregada pela Secretaria de Segurança. Meu cliente foi tão vítima quanto as partes desse processo”, disse.

Culpa do Estado

A responsabilidade do Estado na tragédia que vitimou a criança já começa a ser formalmente reconhecida. O pai de João Roberto, o taxista Paulo Roberto Barbosa Soares, conseguiu decisão da Justiça que obriga o estado do Rio de Janeiro a pagar, por seis meses, pensão equivalente a dez salários mínimos (R$ 4.150). A decisão é da juíza Cristiana Aparecida de Souza Santos, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Rio.

A juíza deferiu ainda o pagamento de tratamento psiquiátrico no valor de três salários mínimos mensais (R$ 1.245), não só para o pai, como para a mãe, Alessandra Amorim Soares, para o filho do casal, Vinícius, e para os avós Cyrene da Silva Amorim e Lurimar Barbosa de Souza.

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