Muita estrada

Leia entrevista do professor Grandino Rodas ao Jornal da Ajufesp

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12 de dezembro de 2008, 19h39

O Jornal da Ajufesp publica na sua 63ª edição (nov/dez-2008) entrevista com o professor João Grandino Rodas, diretor da Faculdade de Direito da USP, ex-presidente do Cade e ex-desembargador federal. Para pedir um exemplar da revista, basta enviar os dados pessoais para este email: [email protected]. (Leia a entrevista abaixo)

Não é exagero dizer que Grandino Rodas é dono de um dos currículos mais ricos do país. Possui quatro graduações: em Música pela Faculdade de Música Sagrado Coração de Jesus (1964); em Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (1969); em Direito pela Faculdade de Direito da USP (1969) e em Letras pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira dos Padres Jesuítas (1970). Três mestrados: em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1970); em Direto, pela Harvard Law School (1978) e em Diplomacia, pela The Fletcher School of Law and Diplomacy (1985). Possui, ainda, os seguintes títulos acadêmicos: Doutor em Direito pela USP (1973); Livre-Docente em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP (1976); Titularidade em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Unesp (1990) e Titularidade em Direito Internacional Privado pela Faculdade de Direito da USP (1993).

Desde 1971, vem desenvolvendo intensa carreira docente. Por dez anos lecionou didática, história da educação e educação internacional na Faculdade de Educação da USP. Entre 1988 e 1993, foi professor de Direito Internacional na Unesp. Na Faculdade de Direito da USP, desde 1971, percorreu todos os graus da carreira: leciona na graduação e na pós-graduação; foi chefe do Departamento de Direito Internacional (1998/2002 e 2006/2008); tendo assumido a direção da Faculdade, com mandato de 2006 a 2010.

Foi Fulbright-Fletcher Fellow junto à The Fletcher School of Law and Diplomacy (1977-78) e Visiting Scholar junto ao Institut de Droit de la Paix et du Development, Nice, França (1974); ao The Brookings Institution, Washington, D.C. (1976); a Columbia University School of Law, New York, N.Y. (1985-86); ao Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht, Hamburgo (1991-92) e a Facoltà di Giurisprudenza da Universidade de Trento, Itália (2008).

Iniciou a prática jurídica como advogado de empresa. Foi gerente do Departamento Jurídico da Ford Brasil. Ingressou na Magistratura do Trabalho (1980) e na Justiça Federal (1982). Nesta foi titular da 3ª Vara Federal da então Seção Judiciária do Rio Grande do Sul e da 15ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo (1982/1989). Foi provido a desembargador federal do TRF da 3ª Região em 1989.

Chefiou a Consultoria Jurídica do Ministério das Relações Exteriores (1993/1998). Participou e chefiou várias delegações brasileiras a reuniões diplomáticas internacionais. Foi chefe de Delegação junto à Comissão Preparatória da ONU para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional e Comissão da ONU para o Direito do Comércio Internacional (Unicitral).

Por indicação do presidente da República, foi membro da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, criada pela Lei 9.140/1995, que decidiu centenas de processos de reconhecimento da responsabilidade por mortes e desaparecimentos por motivação política.

De 2000 a 2004 foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), tribunal administrativo de âmbito nacional, que julga as concentrações de empresas e as infrações concorrenciais.

No âmbito judiciário internacional, foi membro do Comitê Jurídico Interamericano da OEA (1996/2004), onde foi seu vice-presidente e presidente. Desde 2000, é juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino Americano. Desde 2004, é também juiz do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, principal órgão judiciário e arbitral desse bloco econômico, sendo atualmente o seu presidente.

A sua participação como árbitro internacional, privado ou público, tem sido significativa. Suas participações mais importantes foram: árbitro, apontado pelo Brasil, para a primeira arbitragem do Mercosul, que opôs Brasil e Argentina (1999); perito jurista, indicado pelos Países Garantes do Protocolo do Rio de Janeiro, no diferendo territorial entre Equador e Peru (1998); e presidente da Comissão Jurídica ad hoc que elaborou opinião jurídica independente a pedido dos Partidos Políticos de Honduras, no Caso Maduro (2000).

Ele tem participado de inúmeras comissões examinadoras de concursos públicos, exemplificativamente dos I e X concursos para provimento de cargos de juiz federal do TRF da 3ª Região (respectivamente em 1990 e 2001); e para provimento de cargos efetivos de auditor do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (2008).

Desde 2001, tem sido o contato para assuntos de cunho administrativo-diplomático da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, organização internacional incumbida de harmonizar a resolução dos conflitos de lei no espaço por meio da negociação de tratados internacionais e do estabelecimento de mecanismos de cooperação.


O professor pertence ao Conselho Diretor da Comissão Fulbright para o Intercâmbio entre os Estados Unidos e o Brasil, desde 2000.

É parecerista procurado em Direito Internacional e em Direito Antitruste. Possui vários livros, artigos e trabalhos publicados. Grandino Rodas foi casado com Danuza Fontana, com quem teve o filho Omar.

Leia a entrevista

Ajufesp — O senhor foi juiz federal durante sete anos, primeiro no Rio Grande do Sul e depois em São Paulo, depois ficou mais quatro no TRF da 3ª Região. Conte um pouco dessa experiência.

João Grandino Rodas — Na época em que fui juiz federal, as varas possuíam jurisdição em todo o Estado, o que aumentava a variabilidade das ações. Ter sido juiz no Rio Grande do Sul, embora por pouco menos de ano, foi uma experiência. Tive a oportunidade de julgar particularidades como a “vaga do boi”; vagas no ensino superior que a lei atribuía a residentes da área rural e que muitos filhos de proprietários de áreas campestres de lazer tentavam preencher. Naquela época, a Ajufe era a única entidade representativa dos juízes federais. Foi gratificante ter sido um de seus diretores naqueles tempos pioneiros. Outro momento digno de recordação foi quando da criação do TRF da 3ª Região. Em um primeiro momento, o que havia do Tribunal em formação eram, apenas, os doze juízes de carreira, acabados de chegar da primeira instância (os representantes do quinto constitucional ainda não haviam sido nomeados) e que se reuniam na sala de reunião do prédio da primeira instância da avenida Paulista, para as decisões básicas acerca do desenho administrativo do Tribunal que sequer sede ainda possuía! Durante a formação original do Tribunal, é óbvio que os 17 juízes não poderiam ser absolutamente afinados. Entretanto, a despeito das diferenças, o tratamento mútuo foi sempre lhano e respeitoso. Nunca teria saído dele antes da compulsória, se não fosse o desafio para um internacionalista de ocupar o mais alto cargo jurídico do Ministério das Relações Exteriores.

Ajufesp — Após a sua passagem pela Justiça Federal, sua carreira ganhou outro aspecto, com o trabalho na Consultoria Jurídica do Itamaraty e em organismos internacionais. Com base nessa experiência, como o senhor analisa o atual momento do Brasil em relação ao Mercosul e ao mundo?

João Grandino Rodas — Ter estado durante vários anos à frente da Consultoria Jurídica do Itamaraty foi uma experiência única, pelas problemáticas internacional e interna que estavam a esperar solução e aconselhamento. Era imprescindível a formação em direito internacional. Contudo ajudou-me sobremaneira minha experiência como juiz. Quando decidi voltar a São Paulo e a cúpula do ministério buscava um substituto, por várias vezes pediram que achasse alguém que tivesse sido magistrado! Credito em grande parte a relativa estagnação do Mercosul, a dois fatores, além dos cíclicos e devastadores problemas econômicos que assolam os países do bloco: 1. grande diversidade econômica entre os quatro países-membros, que não possibilitou ao organismo adquirir poderes supranacionais, continuando a ser intergovernamental, em que o voto de cada membro equivale ao veto; e 2. falta de vontade política de resolver, sempre mais, os problemas que surgem por meios jurídicos e não políticos.

Ajufesp — O conflito interno da Bolívia afeta diretamente o Brasil, prejudicado pela possibilidade de desabastecimento de gás natural. O Paraguai reivindica revisão do Tratado de Itaipu. O Equador tripudia sobre empresas brasileiras. Como funciona a análise jurídica de casos como esses, já que há a interferência da política internacional?

João Grandino Rodas — De um lado, a solução diplomática nem sempre busca uma solução jurídica (dar a cada um o que é seu), o que, muitas vezes pode chocar o senso comum. De outro, o Direito Internacional possui instrumentos jurídicos aptos a por cobro a situações anômalas como as referidas na pergunta. É normal utilizar-se em primeiro lugar meios diplomáticos, deixando os meios jurídicos para a eventualidade de os primeiros não surtirem efeito. De qualquer modo, o sistema presidencialista brasileiro, em que o Chefe de Estado acumula a chefia de governo, dá ao presidente da República um poder praticamente discricionário (resquício do jus repraesentationis omnimodae do Príncipe) no que se refere à condução da política internacional do país. Somente o Congresso e a opinião pública podem, por assim dizer, pressionar o presidente da República nesse tocante.

Ajufesp — O senhor atuou como árbitro internacional, qual a importância da arbitragem na solução de conflitos entre Estados?

João Grandino Rodas — Meio jurídico, não judicial, de solução de controvérsias, a arbitragem é fundamental tanto para as pessoas físicas ou jurídicas particulares, quanto para os Estados. Além de não representar qualquer detrimento para os judiciários nacionais ou internacionais, contribui para que um maior número de controvérsias possa ser sanado. A grande maioria dos diferendos relativos a contratos internacionais são decididos por meio da arbitragem, em razão das cláusulas compromissórias, por praxe, presentes em quase todos eles. No referente aos Estados, antes do surgimento, na segunda década do século XX, de cortes internacionais, a arbitragem era o único meio jurídico de solução de controvérsias. Hodiernamente, embora haja vários tribunais internacionais, alguns com competência geral, outros especializada, a arbitragem não diminuiu em importância.


Ajufesp — O que deve ser considerado de maior importância: as leis internas ou os tratados internacionais?

João Grandino Rodas — Em um mundo cada vez mais globalizado, há necessidade de regras jurídicas internacionais, tanto regionais, quanto universais. Inexistindo um legislador internacional, é por meio da conclusão de tratados que a comunidade internacional pode chegar a algo mais próximo à legislação internacional. Daí a importância básica dos tratados na atualidade. Nessa esteira, as normas oriundas de tratado deveriam possuir dignidade hierárquica superior ao das normas internas dos Estados, pelo menos as infraconstitucionais. Tal não significaria menoscabo à dita soberania estatal, pois os tratados para ter vigência interna, devem ter a aprovação dos Estados e, via de regra, podem ser denunciados, se deixaram de interessar ao país.

Ajufesp – Considerando ter sido, durante quatro anos, presidente do Cade, o que diria da maneira como a legislação concorrencial vêm sendo aplicada no Brasil?

João Grandino Rodas — Nosso país está na vanguarda da aplicação do direito antitruste, possuindo para tanto, desde os anos 60 do passado século, um órgão específico para tanto, o Cade. Nunca é demais lembrar a esse Tribunal uma série de pontos, mormente em razão de ser ele composto não somente por juristas e serem seus conselheiros substituídos, praticamente, a cada dois anos: 1. A imperatividade, mesmo em sede administrativa, de serem respeitados os princípios constitucionais (direitos fundamentais das pessoas físicas e jurídicas, devido processo legal etc.); 2. a necessidade de maior coerência de sua jurisprudência, pois em razão de a legislação concorrencial ser permeada por conceitos econômicos, a certeza jurídica do jurisdicionado depende da avaliação dos precedentes julgados, por ser insuficiente a mera interpretação do texto legal; 3. É uma falácia, por amor à concorrência, acabar com os concorrentes, pois a concorrência não existe no vácuo; e 4. As decisões do Cade, embora sendo um órgão técnico de respeito, não se podem furtar do reexame pelo Judiciário.

Ajufesp — Atualmente o senhor é diretor da Faculdade de Direito da USP, na qual se graduaram diversos magistrados. Existe uma vocação da faculdade para a formação de integrantes de carreiras públicas?

João Grandino Rodas — Em razão da excelência de sua biblioteca, do número de professores que possui e da variabilidade das respectivas especialidades, a Faculdade de Direito da USP, teve condições, em 2007, de estabelecer uma nova grade curricular, que possibilita ao aluno de graduação escolher quarenta por cento das matérias que desejará cursar, quer na própria faculdade, quer em outras unidades. Dessa maneira, cada aluno, poderá compor o curso de graduação consoante à própria vocação e aos seus interesses profissionais futuros. Como é sabido, há faculdades de direito “butique”, que se dedicam a um determinado nicho jurídico. Na Velha e Sempre Nova Academia já está sendo possível a cada qual preparar, no decorrer do curso de graduação, a carreira a ser seguida, quer seja ela pública ou não.

Ajufesp — Qual o perfil do aluno que chega à universidade pública e a diferença dele para as privadas, sobretudo as mais recentes e que têm obtido altos índices de reprovação no Exame da OAB?

João Grandino Rodas — A universidade pública, ao menos no Estado de São Paulo, por sua tradição e também por ser gratuita, atrai os alunos mais bem preparados. Com essa matéria prima, aliada a outras variáveis como corpos docentes estáveis e boas bibliotecas e laboratórios, não é surpresa a obtenção de bons resultados. Esse estado de coisas somente mudará se a universidade pública deixar de: 1.manter-se na vanguarda do ensino e da pesquisa; 2. oferecer ensino atualizado; 3. cumprir, com regularidade, tanto o seu calendário letivo, quanto suas atividades administrativas. Nos quarenta e dois anos em que estou na Faculdade de Direito da USP, cinco como aluno e o restante como professor, pude notas a progressiva mudança no perfil econômico da família dos alunos: vêm aumentando o número de alunos de classe média e, também, em menor grau, de classe média baixa.

Ajufesp — E quanto ao profissional de direito que acaba de se formar e ganha o mercado de trabalho? Ele está preparado para exercer um cargo como o de juiz, por exemplo?

João Grandino Rodas — Normalmente não está por três razões básicas: 1. Grande parte dos que acedem ao ensino superior no Brasil têm preparação básica sofrível, fruto muitas vezes do simulacro de ensino fundamental e médio a que foram submetidos; 2. A maioria das escolas possui currículos defasados da realidade; e 3. Grande parte dos professores, embora de boa fé, são excessivamente tolerantes na avaliação de conhecimentos de seus discípulos. Isso se deve à verdadeira tradição aceita no Brasil de que cabe à vida reprovar e não ao professor.


Ajufesp — A que o senhor atribui o alto índice de reprovação nas provas para a magistratura federal?

João Grandino Rodas — Além das razões exaradas na resposta acima, é preciso lembrar que, em média, os alunos se dedicam pouco ao estudo. As facilidades do mundo moderno e as inúmeras distrações hoje existentes fazem com que seja difícil uma dedicação diuturna de algumas horas ao estudo. Já tive a honra de, por duas vezes, participar de bancas examinadoras de concurso para Juiz Federal e pude perceber que o alto índice de reprovação não se deve à dificuldade das provas, mas ao despreparo básico da maioria dos candidatos.

Ajufesp — O senhor já foi advogado, juiz, professor, árbitro, entre outras colocações. Agora é diretor. Sua experiência é variada. Fundamentado nela, o senhor avalia que o Poder Judiciário está atendendo aos anseios do cidadão brasileiro? A Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário) cumpriu esse papel?

João Grandino Rodas — O cidadão brasileiro possui alto grau de confiança na Justiça do país. O que mais o preocupa, entretanto, é a demora na prestação jurisdicional, que muitas vezes acaba por equivaler à denegação de justiça. Embora as recentes mudanças constitucionais e legais sejam fundamentais, elas devem continuar. Por outro lado, não se deve ter medo da utilização da tecnologia em favor da celeridade da justiça. Por derradeiro, um empenho maior dos Juízes e dos serventuários da justiça, com espírito de equipe, sempre fará diferença.

Ajufesp — De todos os múnus desempenhados, qual foi o que causou emoção mais forte?

João Grandino Rodas — Sem dúvida foi a participação na Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Os documentos examinados e os depoimentos ouvidos, durante quase cinco anos, me fizeram crer que a degradação do ser humano e a violência não compensam, com qualquer que seja o objetivo. As brutalidades operadas de ambos os lados foram inomináveis, demonstrando o grau de insensibilidade a que o ser humano pode chegar! Mais doloroso para mim foi examinar as circunstâncias da morte de Alexandre Vanucchi Leme, meu companheiro de infância.

Ajufesp — Terminando seu mandato como diretor da Faculdade de Direito da USP, buscará vôos mais altos na administração universitária?

João Grandino Rodas — No momento preocupo-me em cumprir, da melhor forma, meu mandato à frente da Faculdade de Direito. Ademais, decisão pessoal, de per si, não leva a cargos de direção universitária.

Ajufesp — Olhando para o início da sua carreira, o senhor faria tudo de novo?

João Grandino Rodas — Certamente. Em toda a minha vida não tem havido monotonia nem compasso de espera. Face ao tempo relativamente pequeno da vida útil do ser humano e a imensidade que se tem para realizar, a única saída e acelerar em crescendo!

Ajufesp — O senhor realizou muitas coisas e em todas tem sido bem sucedido. A que ou quem atribuiu o sucesso?

João Grandino Rodas — Em primeiro lugar ao exemplo de tenacidade e dedicação de meus pais, o advogado José de Almeida Rodas e a professora Josephina Grandino Rodas. Em segundo à formação interdisciplinar que tive a ventura de haurir, nos melhores centros do saber do Brasil e do mundo. Somente em último lugar, citaria o meu próprio esforço. Pairando acima de tudo, sempre estiveram a esperança e a fé, mesmo nas horas mais amargas.

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