Visão prognóstica

Marco Aurélio diz que pediu vista para evitar conflito na reserva

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11 de dezembro de 2008, 14h05

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, explicou que o seu pedido de vista no caso da terra indígena Raposa Serra do Sol (RR) evita conflitos na região. “Não interessava à sociedade brasileira, a Polícia Federal entrar agora na área de demarcação”, afirmou à Consultor Jurídico nesta quinta-feira (11/12).

No julgamento de quarta-feira (10/12), além do mérito que define a legalidade da demarcação da reserva em Roraima, os ministros julgaram também a suspensão da liminar que impediu que a Polícia Federal retirasse imediatamente os não-índios que estão estabelecidos na área demarcada. A situação de confronto foi evitada com o pedido de vista feito por Marco Aurélio, depois que oito ministros se manifestaram pela suspensão da liminar. Os mesmos votaram pela demarcação contínua da terra e pela retirada dos arrozeiros.

Para Marco Aurélio, é necessário esperar até o ano que vem para que o Supremo apresente seu pronunciamento final. “É importante termos até fevereiro para uma acomodação dos interesses”, afirmou o ministro, sinalizando que deve apresentar o seu voto logo após o recesso do Judiciário.

O ministro diz que sua decisão foi uma visão prognóstica do que poderia ocorrer. “Não penso apenas no hoje, penso no amanhã”, diz. Além de pedir vista do mérito da questão, Marco Aurélio solicitou mais tempo para analisar a liminar que impede a União de retirar os fazendeiros.

Marco Aurélio lembra que a sessão de quarta não foi conclusiva. Além dele, ainda falta as decisões dos ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. “O colegiado é formado por 11 ministros e não por oito”, afirma.

Na quarta, a liturgia do Supremo foi deixada de lado. Segundo mais antigo da casa, Marco Aurélio teria que esperar o pronunciamento de seis ministros depois de Menezes Direito apresentar seu voto-vista. No entanto, ele antecipou o seu pedido de vista. Contrariando regra não escrita do tribunal, os outros ministros também anteciparam seus votos. Apenas o decano Celso de Mello e o presidente da corte, Gilmar Mendes, respeitaram o pedido.

“Não estou convencido de qualquer erro dos colegas. O regimento é democrático”, minimiza o ministro. Para ele, a evolução é constante no Supremo. Ele lembra que esse tipo de situação pode acontecer quando se fica na posição minoritária.

No entanto, na quarta, Marco Aurélio demonstrou irritação com a insistência de Carlos Britto em proclamar o resultado do julgamento da liminar mesmo com o seu pedido de vista. “Indagaria a Vossa Excelência se o Plenário é ainda um colegiado? Seria o caso de cassar a vista que eu pedi do processo? Vossa Excelência chegaria a esse ponto? A essa teratologia [estudo das anomalias]?”, questionou no final da sessão.

Britto respondeu: “Não cabe pedido de vista neste caso, com a maioria formada”. Marco Aurélio, irônico, replicou: “Não cabe? Após 30 anos de magistratura estou aprendendo com Vossa Excelência”.

Ao se debruçar sobre o decreto presidencial de homologação, o Supremo estabeleceu como a União deve proceder, segundo a Constituição de 1988, nas demarcações de terras indígenas. Oito ministros — Carlos Britto (relator), Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Ellen Gracie — pronunciaram-se a favor da demarcação.

O voto que prevalece é de Menezes Direito. Além de manter a demarcação contínua e determinar a retirada dos arrozeiros, Direito estabeleceu 18 condições para as demarcações das terras indígenas. As ressalvas de Menezes Direito se referem à pesquisa e lavra de riquezas minerais e à exploração de potenciais energéticos, além de questões envolvendo a soberania nacional.

Usando uma técnica inovadora — como afirmou Carlos Britto —, o ministro Menezes Direito criou uma espécie de diretriz sumular, a qual a União deve seguir quando analisar o caso das, pelo menos, 227 terras indígenas que ainda estão à espera de definição. Até o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), que é contra a demarcação, comemorou a saída do Supremo.

A sessão da quarta, que começou às 9h e terminou às 18h, foi marcada por longos e fundados votos. Os ministros demonstraram que a relevância da decisão ultrapassa o caso da Raposa Serra do Sol. Debatia-se ali uma importante questão fundiária, já que as terras indígenas representam 12% do território nacional.

Além disso, a maior parte dessas terras está localizada na Floresta Amazônica. Para se ter uma idéia do impacto que a decisão terá, basta lembrar que a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) mobilizou lideranças sindicais de cidades que enfrentam problemas com as delimitações de terras indígenas para irem a Brasília acompanhar o julgamento.

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