Direito ao descanso

Férias dos advogados podem ser conquistadas por petição

Autor

  • Felippe Mendonça

    é advogado professor mestre e doutor em Direito pela USP associado fundador da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (Faddh) e membro do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério dos Direitos Humanos para o desenvolvimento para a apresentação de estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo.

11 de dezembro de 2008, 15h46

Fim de ano chega e toda ladinha quanto às férias dos advogados volta à tona neste problema já histórico do Poder Judiciário.

O Direito às Férias do advogado pode ser efetivado com simples petições endereçadas aos processos em que atua, informando o período em que gozará de seu Direito e requerendo a suspensão dos prazos naquele período.

A conseqüência destas petições ainda é uma incógnita que só será desvendada após a formação jurisprudencial.

Para que seja criada a práxis jurisprudencial os advogados precisam criar o hábito de informar aos magistrados nos processos em que atuam quando que usufruirão de suas férias.

A suspensão dos prazos à parte defendida por aquele patrono sem que suspenda os prazos para a outra parte é totalmente possível e não causa prejuízo, pois a isonomia estará mantida tendo em vista que os patronos da parte adversa terão o mesmo Direito.

A única observação pertinente neste momento ainda doutrinário é que a utilização de má-fé, ou seja, apenas para afastar prazo já em trâmite, poderá ser prejudicial ao Direito, portanto é aconselhável que a petição seja protocolizada antes do inicio de qualquer prazo, de preferência com boa antecedência das datas programadas.

Nas próximas linhas, de forma simplificada, a explicação da possibilidade de informar o juiz quanto às Férias e a fundamentação para a suspensão dos prazos.

2. Do Direito às Férias dos Advogados e a Suspensão dos Prazos:

Previsto pelo Artigo 7º, XVII da Carta Magna, o Direito às Férias é uma Norma Constitucional de Eficácia Plena, portanto não dependendo de regulamentação infraconstitucional para ser aplicada.

A suspensão dos prazos do Processo em atenção ao Direito de Férias do Patrono está devidamente amparada pela Constituição tanto no dispositivo supramencionado, como no princípio do Devido Processo Legal Substantivo, que garante serem as Normas Constitucionais supremas e que suas eficácias e aplicabilidades estarão protegidas no curso do processo, sempre objetivando a decisão justa e limitando o Poder Público.

Negar o Direito às Férias seria um excesso a ser protegido pela aplicação do Devido Processo Legal Substantivo.

A Dimensão Processual do Devido Processo Legal, mais conhecida pelos operadores do Direito por ser clássica, oriunda da Common Law britânica e, conseqüentemente, da Magna Carta de João Sem-Terra, é Princípio Constitucional que deve ser aplicado na maior medida possível.[1]

Tal princípio, nesta dimensão processual, se traduz no acesso ao judiciário do Direito à Ação, na Ampla Defesa e no Contraditório e na Reserva Legal dos Atos Processuais, ou seja, todos terão direito a um processo justo e previsível, com ampla defesa e contraditório.

3. Distinção entre Regras e Princípios:

A questão terminológica é de suma importância para que a aplicação da técnica de interpretação que será posteriormente demonstrada não seja maculada pelo erro primordial. Tanto Regras quanto Princípios são subespécies de Normas. No presente caso, de Normas Constitucionais de Direitos Fundamentais.[2]


A distinção entre Regras e Princípios, segundo Robert Alexy, está no fato de que Princípios contêm Mandamentos de Otimização, devendo ser aplicados na maior medida possível; Enquanto que as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas.

Princípios e Regras envolvidos:

O Devido Processo Legal, tanto na sua dimensão processual, como na dimensão substantiva, é um princípio constitucional, construído através de um aglomerado de outros subprincípios transcritos em normas no texto supremo.

A Dimensão Substantiva do Devido Processo Legal deriva do aglomerado principal das normas constitucionais principiológicas expressas que contém o Estado Democrático de Direito, a Segurança Jurídica, a Dignidade da Pessoa Humana e a Dimensão Processual do Próprio Princípio.

Esta Dimensão Processual deriva das normas já mencionadas do Direito de Ação, da Reserva Legal dos atos dos Processos, da Ampla Defesa e do Contraditório.

Todos são inegavelmente Princípios Constitucionais, ou seja, deverão ser aplicados na maior medida possível.

O Direito às Férias, por sua vez, é uma Regra Constitucional, que não tem como ser aplicada apenas na maior medida possível, pois ou se admite o Direito e o aplica, ou o afasta e lhe nega aplicabilidade.

O Direito às Férias é uma Norma Constitucional diretamente derivada dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e do Estado Democrático de Direito.

Pertence à segunda geração dos Direitos Humanos de Karel Vasak[3], os Direitos de Igualdade, e ao Status Positivo de Jelinnek[4], onde o homem aceita a intervenção do Estado apenas de forma positiva. É, portanto, direito social. (significa dizer ser uma proteção à sociedade sua existência e eficácia)

4. Conflito entre Normas Constitucionais:

A inexistência de lei que regulamente as férias dos advogados não suprime a sua existência, pois não se trata de uma Norma de Eficácia Limitada, que necessite de norma infraconstitucional.

Entretanto a imprevisibilidade no curso processual da suspensão dos prazos para garantir o Direito às Férias do advogado é uma afronta à Dimensão Processual do Devido Processo Legal, no seu subprincípio de previsibilidade dos atos.

Por outro lado, suspender os prazos garante a manutenção da Ampla Defesa e do Contraditório.

Além disso, a suspensão dos prazos à apenas uma das partes do processo não é uma afronta à isonomia, pois o patrono da parte adversa tem o direito de programar suas férias e comunicar o juízo, que, pela igualdade entre as partes, também deverá suspender os prazos de acordo com a informação prestada.

Assim, conflitantes o Direito às Férias do advogado e o Princípio da Previsibilidade dos Atos Processuais, deve ser aplicada a Regra da Proporcionalidade, técnica de interpretação que aqui no Brasil vem sendo comumente admitida nos moldes da Corte Constitucional Alemã, com três etapas: Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em Sentido Estrito.[5]


Posteriormente deverá ser feito o juízo da razoabilidade, nos moldes estadunidenses da busca pelo justo.

Regra da Proporcionalidade:

Na aplicação da Regra da Proporcionalidade teremos:

Primeira etapa: Adequação.

Nesta etapa será questionado se a medida requerida é adequada para a obtenção do fim pretendido, ou seja, se a suspensão dos prazos garantirá o Direito às Férias do advogado.

A conclusão lógica é positiva: Sim, suspender os prazos destinados à parte cujo patrono solicita garantirá seu Direito às Férias.

Pode se incluir nessa etapa a análise do próprio fim, ou seja, ver se é mesmo pretendido.

Tratando-se de uma Regra Constitucional que deve ser aplicada, não resta dúvida quanto ao fato de ser, sim, pretendido.

Segunda Etapa: Necessidade

Nesta etapa será questionado se a suspensão do prazo é o meio menos gravoso para garantir o Direito às Férias do advogado. Significa analisar se não existem outros meios tão ou mais eficazes de se atingir o mesmo objetivo.

A resposta decorrente é: Sim, o meio é necessário, pois não existem outras formas de se atingir o mesmo fim pretendido.

Terceira Etapa: A Proporcionalidade em Sentido Estrito

Nesta terceira e última etapa da Regra da Proporcionalidade nos moldes alemães, todos os valores existentes, deontológicos e axiológicos, são colocados na hipotética balança do Direito para análise da justiça.

Os valores deontológicos são os de “dever ser”, existentes em normas jurídicas.[6] Valores axiológicos são os de “é bom” ou “é ruim”, existentes em todas as fontes do Direito, desde as culturais, inclusive religiosas, até as normas jurídicas, inclusive constitucionais, que contêm igualmente os valores axiológicos dentro de suas estruturas.

Na hipotética balança do Direito, de um lado que chamaremos de lado “A”, estarão presentes os valores deontológicos e axiológicos que atuam favoravelmente a escolha da medida (suspensão dos prazos destinados a parte cujo patrono informa sua programação de Férias), assim como os que protegem o próprio fim pretendido, ou seja, as Férias.

Do outro lado, que aqui será chamado de “B”, estarão os valores que impedem a utilização da medida.

Assim, no Lado A teremos:

Direito às Férias – Norma Constitucional, portanto Suprema e hierarquicamente superior às normas processuais. Derivado diretamente da Dignidade da Pessoa Humana e do Estado Democrático de Direito.

A Dignidade da Pessoa Humana está deste lado da balança hipotética, pois se não for concedida a suspensão dos prazos o advogado não poderá usufruir do descanso previsto no texto supremo.


O Direito às Férias foi desenvolvido a partir da opressão existente antes das Revoluções Sociais do fim do Século XIX, dentro das questões operárias. Antes de sua existência o homem era obrigado a trabalhar sem nenhuma interrupção durante todo o ano, independentemente de seu cansaço físico e mental. Assim, garantir Férias ao advogado, Pessoa Humana, é reflexo direto da Dignidade da Pessoa Humana.

O Estado Democrático de Direito é aquele que observa a Dignidade da Pessoa Humana como norma pressuposta a todo ordenamento jurídico, devendo saber aplicar corretamente as normas jurídicas obedecendo à hierarquia da pirâmide Kelsiana, mas, antes de tudo, maximizando os Princípios Constitucionais mais sensíveis, como a Dignidade.

A suspensão dos prazos efetiva a Ampla Defesa e o Contraditório, pois não permite que a parte seja prejudica pelo gozo das férias do patrono.

Como valores axiológicos não jurídicos, a Doutrina Social da Igreja, com a primazia do trabalho, que deverá ser respeitado e protegido contra os abusos do próprio homem e do Poder Público.

O valor religioso independe de o Estado admitir ou não a religião, sendo que ele admite, apesar de laico, pois ser laico significa apenas não instituir uma religião como oficial.

De qualquer maneira, oriunda da Doutrina Social da Igreja Católica, através de suas Encíclicas, desde 1891, com a Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, os valores protecionistas às causas operárias contagiaram todo o mundo ocidental, podendo ser tratados como valores gerais das sociedades ocidentais, portanto axiológicos e pertencentes às fontes do Direito.

No Lado B teremos:

O Princípio da Previsibilidade dos Atos Processuais – Admitindo a suspensão dos prazos à parte como afronta ao princípio da previsibilidade dos atos, este pesará na balança e deverá ser contraposto aos valores existentes no Lado A da balança hipotética.

Isonomia entre as partes – Suspender os prazos a apenas uma das partes afrontaria a isonomia entre as partes do processo.

Como valor axiológico não jurídico, a celeridade processual – A busca pela celeridade processual é um valor existente na sociedade não traduzido em normas jurídicas de forma direta. Na verdade o que se têm são normas que buscam a celeridade processual por existir um valor axiológico existente de ser bom tal objetivo. Suspender os prazos a uma das partes poderá afetar este valor axiológico, ou seja, não será atingido este valor axiológico de que “é bom que seja célere o processo judicial

Contrapostos do Lado B que devem ser inclusos na balança pelo Lado A:

O Princípio da Previsibilidade dos Atos Processuais deve ser aplicado na maior medida possível, portanto, caso afronte a Dignidade da Pessoa Humana, será parcialmente afastado, para que a Dignidade seja aplicada ao máximo, em detrimento da Previsibilidade.

De qualquer maneira, o princípio parece proteger as partes apenas de atos imprevisíveis que lhes sejam desfavoráveis, e esse não parece ser o caso.

A isonomia também não é prejudicada se for levado em consideração que o advogado da parte contrária tem exatamente o mesmo direito às Férias e, portanto, se desejar, poderá programá-las, não excedendo os 30 dias anuais, e não utilizando de má-fé quando já existirem prazos abertos.


A suspensão dos prazos apenas a uma das partes é possível, pois o processo não deverá parar por causa das férias do advogado. Eventuais prazos da parte contrária, assim como atos próprios dos serventuários da justiça não serão suspensos.

A celeridade processual é inferior aos demais princípios constitucionais até mesmo dentro dos valores axiológicos da cultura popular, onde existe o conhecimento de que a pressa é inimiga da perfeição, ou seja, que não é bom, a título da celeridade, atropelar outros valores importantes.

Dentro do ordenamento jurídico, inovações que buscam a celeridade processual, mas acabam diminuindo a ampla defesa ou o contraditório, por exemplo, são consideradas inconstitucionais.

Conclusão da Regra da Proporcionalidade:

Aparentemente não existem argumentos contrários aos inclusos no Lado A. Assim, com a correta aplicação da Regra da Proporcionalidade, é possível concluir que é proporcional suspender os prazos a uma das partes para garantir o direito às férias do advogado.

A Regra da Razoabilidade:

Dentre as regras de interpretação que buscam a decisão justa encontra-se, também, a razoabilidade.

Confundida com a proporcionalidade por grande parte da doutrina, a Razoabilidade tem precedentes históricos na Europa e maior desenvolvimento nos Estados Unidos, pelo sistema difuso de controle de constitucionalidade.

Por termos igualmente um sistema difuso de controle (e não misto como a doutrina clássica apregoava) onde todos os magistrados podem verificar as questões constitucionais, devemos observar a técnica estadunidense.

Extremamente simples, a Regra da Razoabilidade determina apenas que toda decisão deve passar pelo clivo deste questionamento: é razoável?

Significa medir os prós e os contras no juízo axiológico da razoabilidade, ou seja, observar se o senso de justiça foi devidamente satisfeito.

Assim, questiona-se: É razoável suspender os prazos a uma das partes para garantir o Direito às Férias do Advogado?

A resposta aparentemente é “sim, é razoável”.

O caminho inverso pode ser feito para tentar desconstruir, se for possível, a assertiva.

Desta forma será questionado: É razoável impedir o Direito às Férias do advogado para garantir a celeridade processual?

Ou ainda: É razoável impedir o Direito às Férias do advogado por não existir previsão legal infraconstitucional, apesar de ser uma norma de eficácia plena.

Por fim, para que não tenha mais dúvida, uma última pergunta: Existe algum valor que será preterido em função do gozo do Direito às Férias pelo advogado que seja superior aos que nele são envolvidos? (Dignidade da Pessoa Humana e Estado Democrático de Direito).

De todas as maneiras possíveis, aparentemente a resposta será sempre pela razoabilidade da suspensão dos prazos em prol do Direito às Férias do advogado.

Assim, conclui-se que basta os advogados peticionarem em seus processos para que seja dado início na práxis jurisprudencial que garantirá o Direito às Férias.



[1] Quanto às Dimensões do Devido Processo Legal, SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. 3. ed. rev., atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2001

[2] Quanto às questões terminológicas de Normas, Regras e Princípios, Alexy, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais, Tradução de Virgílio Afonso da Silva, São Paulo, Malheiros, 2008.

[3] Quanto às Gerações (ou Dimensões) dos Direitos Fundamentais, BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 22ª Ed. atual. e ampl. São Paulo, Malheiros, 2008., p. 560/570

[4] JELLINEK, Georg, System der subjektiven öffentlichen Rechte, 2ª Ed., Tübingen: Mohr, 1905, p. 86-87, apud ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais, …, cit., p. 254/269; e MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco; Paulo Gustavo Gonet. In Curso de direito constitucional. 2ed.re. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 255

[5] Alexy, Robert… cit., p. 116/120 e MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco; Paulo Gustavo Gonet. … cit., Curso de direito constitucional, p. 120

[6] Quanto à distinção entre conceitos de valores axiológicos e valores deontológicos: Alexy, Robert…, cit., p. 145. Importante esclarecer que aqui se admite os conceitos trazidos por Alexy, entretanto divergimos em alguns aspectos de suas distinções entre Valores e Princípios. Divergências, estas, merecedoras de um estudo próprio.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!