Serra do Sol

Sete ministros votam pela demarcação contínua da reserva

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10 de dezembro de 2008, 15h28

Sete ministros do Supremo Tribunal Federal votaram pela demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e pela retirada dos arrozeiros. Já com a maioria formada, a decisão servirá como uma espécie de estatuto da demarcação de terras indígenas. Votaram a favor dos índios os ministros Carlos Britto (relator), Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso.

Os ministros que votaram acompanharam o voto do ministro Menezes Direito, que defendeu a demarcação contínua da reserva com 18 quesitos que na verdade normatizam a matéria de forma geral. As ressalvas se referem à pesquisa e lavra de riquezas minerais e à exploração de potenciais energéticos, além de questões envolvendo a soberania nacional. Na verdade estabelece os critérios que devem ser seguidos pelo governo federal ao tratar da matéria a partir deste momento.

Logo depois da apresentação do voto-vista do ministro Menezes Direito, na manhã desta quarta-feira (10/12), o ministro Marco Aurélio adiantou pedido de vista. A sessão foi suspensa. Mas, no começo da tarde, os ministros decidiram continuar com a votação.

Na retomada da votação, a ministra Cármen Lúcia acolheu parcialmente o voto do relator. “A continuidade da área marcada não é sinônimo de isolamento dos índios”, afirmou. Sobre as 18 ponderações do ministro Menezes Direitos, a ministra só não aceitou três: as de número 10, 17 e 18 (leia abaixo). Ela defendeu a permanência dos não-índios que fazem parte das comunidades, mas não exploram a terra.

Ricardo Lewandowski acompanhou integralmente a posição de Menezes Direito. “Voto pela retirada imediata de todos aqueles que tomam a posse ilegal das terras”, afirmou.

Eros Grau também acompanhou o voto de Menezes Direito. O conflito entre índios e arrozeiros, para o ministro, “configura evidente tolice. O que se dá aí é invasão de propriedade pública”. Sobre a questão da soberania nacional, Eros Grau foi igualmente sucinto: “nossas faixas de fronteiras estão mais protegidas quando compostas de áreas indígenas”. Para o ministro, a posse dos indígenas é remota e incontestável. “Aqui os indígenas, tal como nós, somos brasileiros”, afirma.

O sexto a acompanhar o ministro Menezes Direito, o ministro Joaquim Barbosa afirma que os alegados prejuízos econômicos a Roraima não faz sentido. O ministro diz que, segundo a análise dos documentos, a produção dos arrozeiros representa pouco mais de 1% da atividade econômica do estado.

O relator, Carlos Britto, que havia votado em agosto, também a favor da demarcação contínua da reserva, reformulou seu voto e também acompanhou a posição de Menezes Direito, reforçando ainda mais o estatuto da demarcação de terras indígenas que o Supremo vai redigindo.

Conheça as restrições impostas por Menezes Direito:

1 — O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2 — O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3 — O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

4 — O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5 — O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

6 — A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

7 — O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

8 — O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9 — O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;

10 — O trânsito de visitantes e pesquisadores não—índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;

11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;

12 — O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13 — A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14 — As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;

15 — É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16 — Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17 — É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18 — Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

Julgamento continuado

Na volta do julgamento na tarde desta quarta-feira, Carlos Britto propôs a continuação, a despeito do pedido de vista de Marco Aurélio. Britto se disse preocupado com o “estado de coisas na região” e com a “continuidade da situação” na área que integra a reserva. Os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Ellen Gracie também votaram para que o julgamento continuasse.

“Queria registrar o meu absoluto respeito ao ministro Marco Aurélio”, ressaltou a ministra Cármen Lúcia. Ela esclareceu que seu voto estava pronto desde agosto. Ellen Gracie disse que o pedido de vista do ministro Marco Aurélio é recebido “com o maior respeito”, mas que não vê “como um tabu instransponível a antecipação de voto”.

Assim que Marco Aurélio pediu vista, na manhã desta quarta, Cezar Peluso ponderou que essa é uma ação polêmica e a suspensão do julgamento pode gerar impactos na região da reserva indígena.

Apenas Celso de Mello votou contra a continuação do julgamento. “Prefiro aguardar a manifestação do ministro Marco Aurélio”, afirmou. Com isso, dependendo do placar, a questão pode ser resolvida nesta quarta-feira, mesmo sem o voto de Marco Aurélio.

No primeiro intervalo da sessão, Marco Aurélio explicou aos jornalistas o motivo do pedido de vista. “Se eu fosse um dos outros eu aguardaria o pedido de vista do colega e a devolução do processo com o voto confeccionado, mas evidentemente nós estamos num colegiado e vence a maioria”.

Para ele, “é necessário um tempo maior para se refletir porque há temas que precisam ser equacionados”, disse Marco Aurélio. Ele ressaltou que devem ser debatidos assuntos como o posicionamento do estado de Roraima, os arrozeiros, os títulos anteriores à Constituição de 1998 e a questão dos direitos humanos do ponto de vista dos brancos. Segundo ele, também devem ser discutidos o motivo da demarcação contínua e a situação das áreas de fronteira.

Marco Aurélio afirmou que a decisão vai servir de orientação para outros processos que também tratam sobre demarcação de cerca de 227 áreas indígenas. “Depois que o Supremo bate o martelo não há a quem recorrer”, disse o ministro.

Condições à demarcação

No seu voto-vista apresentado nesta quarta, o ministro Menezes Direito se manifestou favoravelmente à manutenção da portaria que definiu limites contínuos da reserva, mas impôs 18 condições para garantir a proteção da fronteira e a preservação do meio ambiente. O voto de Menezes Direito provocou reação do relator, ministro Carlos Britto, que disse que o colega foi além do que foi pedido na ação. Britto ponderou, porém, que as ressalvas feitas por Menezes Direito foram praticamente as mesmas que ele fez em seu voto.

O voto de Britto foi lido no mês de agosto. Ele decidiu pela retirada dos fazendeiros e a manutenção da área de 1,7 milhão de hectares. O ministro entendeu que a demarcação de terra indígena é prerrogativa exclusiva do Executivo, contestou a tese de que “índio atrapalha o desenvolvimento” e decidiu pela rejeição da ação contra a reserva.

Para Britto, cabe constitucionalmente à União instaurar o processo de demarcação de áreas indígenas, por atos que se situam na esfera do Poder Executivo. Ele lembrou que o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) detalha as coordenadas dadas pela Constituição para o processo, cabendo ao presidente homologar a respectiva portaria demarcatória.

[Reportagem atualizada às 17h45, para atualização de informações]

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