Serra do Sol

STF não pode decidir por meio termo em reserva, diz advogada

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9 de dezembro de 2008, 14h34

Os índios da Raposa Serra do Sol (RR) perderão a briga se o Supremo Tribunal Federal decidir pela proposta intermediária de reconhecer a demarcação e permitir a permanência dos arrozeiros. “Não é viável juridicamente. A Constituição diz que não se pode deixar não índio dentro de terra indígena”, afirma a advogada Ana Valéria Araújo, da ONG Fundo Brasil de Direitos Humanos.

A advogada acompanha o processo desde 1998, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto demarcando a reserva. Quando a questão tramitava no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília), foi a advogada quem defendeu o interesse dos índios.

Na quarta-feira (10/12), o Supremo irá decidir sobre o caso da Raposa Serra do Sol. Em agosto, o ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação, votou pela retirada dos fazendeiros e pela manutenção da área de 1,7 milhão de hectares. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Menezes Direito. Os ministros têm dito que a decisão é uma das mais importantes da história do tribunal. Além da tensão social, o caso criará jurisprudência sobre as demarcações de terras indígenas.

Antes mesmo de o relator apresentar seu voto, a imprensa já vinha ventilando que a tendência dos ministros será a do meio termo. No entanto, Ana Valéria Araújo explica que na questão de demarcação de terras indígenas, o Judiciário só pode se manifestar sobre a legalidade dos atos do Executivo. Se o decreto for declarado ilegal, o processo volta às mãos do Executivo para que a Funai apresente novo estudo antropológico.

“Se optar pela proposta intermediária, o STF irá decidir que os direitos indígenas não valem. Essa saída é negação do direito dos índios. Eles perderão a briga”, afirma a advogada. Para ela, o decreto homologatório da reserva, assinado pelo presidente Lula no dia 15 de abril de 2005, aconteceu dentro da legalidade.

Segundo a advogada, o Supremo irá extrapolar a sua competência se negociar os direitos dos índios. Na avaliação de Ana Valéria, os ministros poderão aceitar argumentos políticos, o que tira a base jurídica da decisão.

Na Constituição, o direito dos índios é tratado nos artigos 231 e 232, que compõem o capítulo VIII. O parágrafo 2º do artigo 231 afirma que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

O texto prevê, ainda, a possibilidade se utilizar os recursos hídricos e minerais das terras apenas com autorização do Congresso. As comunidades devem ser ouvidas nesses casos. O Congresso pode também pedir remoção de populações indígenas de seu território, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco a sua população. No entanto, é garantido seu retorno imediato, uma vez cessado o risco.

Atraso nas demarcações

No Supremo, há mais de 33 processos sobre a Raposa Serra do Sol. Mas o caso será resolvido na Petição 3.388 apresentada pelos senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Augusto Botelho (PT-RR), que pedem a anulação da portaria de homologação da reserva indígena.

No seu voto, o ministro Carlos Ayres Britto entendeu que a demarcação de terra indígena é prerrogativa exclusiva do Executivo, contestou a tese de que “índio atrapalha o desenvolvimento” e decidiu pela rejeição da ação contra a reserva.

Para Britto, cabe constitucionalmente à União instaurar o processo de demarcação de áreas indígenas, por atos que se situam na esfera do Poder Executivo. Ele lembrou que o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) detalha as coordenadas dadas pela Constituição para o processo, cabendo ao presidente homologar a respectiva portaria demarcatória.

O ministro considerou que a demarcação das áreas indígenas do país, particularmente a da Raposa Serra do Sol, está atrasada, pois o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição estabeleceu um prazo de cinco anos, a partir da promulgação da Constituição, para demarcação de todas as terras indígenas brasileiras.

Em outra parte de seu voto, o ministro qualificou de “falso” o pretenso antagonismo existente entre os índios e o desenvolvimento. Ele lembrou que os índios ajudaram a defender o território brasileiro contra franceses e ingleses e que se comete uma “injustiça histórica” ao não reconhecer que eles tiveram — e têm — contribuição importante para consolidação e desenvolvimento do país. “Eles são co-autores da ideologia nacional”, sustentou.

O processo de demarcação da Raposa Serra do Sol remonta aos anos 1970. A Funai somente deu seu parecer antropológico sobre a extensão do território em 1993. Argumenta-se que a Raposa Terra do Sol é uma área grande demais para os 15 mil índios que moram lá. Roraima tem 224.299 km² e 391.317 habitantes, o que equivale a 0,57 km²/hab. Na terra indígena, a proporção é de 1,17 km²/hab, duas vezes mais que a média do Estado.

A questão entrou na pauta da Justiça em 1998, quando a área foi demarcada pelo presidente FHC. Na época, já estavam estabelecidos na reserva cerca de 60 fazendeiros. Agricultores, pecuaristas e políticos do estado ajuizaram na Justiça Federal de Roraima uma série de ações judiciais para impedir o processo do Executivo para efetivar a reserva. A posição dos mandatários do estado fica bem demonstrada quando o então governador Ottomar Pinto, morto o ano passado, decretou luto oficial de sete dias em todo o estado em protesto ao reconhecimento da reserva.

Com o tempo, muitos fazendeiros foram desistindo e deixaram a reserva depois de receberem indenizações da Funai. Sobraram apenas seis rizicultores, que ocupam a área sul da reserva em um espaço que representa cerca de 1% do total das terras.

O assunto chegou ao Supremo em 2004. Na oportunidade, a ministra Ellen Gracie entendeu que a homologação contínua causaria graves conseqüências de ordem econômica, social, cultural e lesão à ordem jurídico-constitucional. Por isso, ela negou o pedido do Ministério Público Federal, que queria suspender a decisão da Justiça Federal do estado permitindo a permanência dos arrozeiros.

Com a homologação da reserva m 2005, pelo presidente Lula, o assunto passou para a competência do Supremo. A partir de 29 de junho de 2006, o plenário do STF reconheceu que a questão é de sua alçada. As contestações dos agricultores vêm sendo liminarmente negadas pelos ministros desde então.

Veja o que diz a Constituição

CAPÍTULO VIII — DOS ÍNDIOS

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º — São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º — As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º — O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º — As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º — É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º — São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º — Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

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